“Parem de fazer sensacionalismo com o suicídio”, alerta psicólogo ouro-pretano

De acordo com Luiz França, que atua como voluntário no Núcleo de Apoio à Vida de Ouro Preto (MG), a importância desse alerta é prevenir e avisar que o assunto abordado de forma irresponsável pela mídia pode desencadear processos emocionais complexos, dependendo do modo de recepção de quem os consome.

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Por João Paulo Silva Publicado em 25/06/2019, 13:20 - Atualizado em 04/07/2019, 23:46
Imagem Ilustrativa-Obra de arte simboliza o sentimento de angústia do ser humano. Crédito-Reprodução/Atribuição não requerida Siga no Google News

Em 2016, o Brasil registrou 11.433 mortes por suicídio, o equivalente a 31 casos por dia. Os dados representam um aumento de 2,3% em relação ao ano anterior e fazem parte do último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde. Contudo, pesquisadores estimam que o número real de casos seja maior devido à subnotificação nos registros.

Se por um lado, diversas organizações, entidades e ativistas se dedicam a uma incansável luta em defesa da vida, por outro, muitas vezes a conduta da imprensa quando noticia suicídios é, no mínimo, irresponsável.

Na tarde de ontem (20/05), a cidade histórica registrou mais um suicídio. Logo após essa ocorrência fatal, um pouco mais tarde, outra tentativa. O psicólogo Luiz Franca, que atua como voluntário no Núcleo de Apoio à Vida de Ouro Preto (MG) comentou as atividades de combate ao suicídio realizado pela entidade.

“O combate ao suicídio vem acontecendo de forma contínua em nossa cidade, principalmente através das ações do Núcleo de Apoio à Vida de Ouro Preto (Naviop), entidade mantenedora do Programa CVV, que atende 24 horas por dia através do número 188. Mesmo com todo trabalho de combate ao suicídio, ainda assim as tentativas de autoextermínio acontecem. Infelizmente, não conseguimos evitar 100% das tentativas, mas não é por isso que vamos deixar de lutar”.

França também criticou a forma como algumas mídias locais vêm tratando o assunto. “O que mais me preocupa nesse momento, em que sabemos que mais um suicídio aconteceu na cidade, é a forma como isso é divulgado e tratado”.

Manual para profissionais da mídia

A depressão e o suicídio são problemas de saúde pública tão sérios que a Organização Mundial de Saúde (OMS) criou até um manual para as coberturas jornalísticas desses casos. Em tempos de consolidação das chamadas “mídias sociais”, a organização propõe a empatia e o respeito em contraponto ao sensacionalismo e à caça desenfreada pelos “likes” e, consequentemente, pelo lucro.

O documento da OMS intitulado “Prevenção ao Suicídio: Um manual para profissionais da mídia” consiste em uma série de manuais destinados a grupos sociais e profissionais específicos, especialmente relevantes para a prevenção ao problema de saúde pública.

Assinado por uma série de profissionais da saúde de todo o mundo, foi preparado como parte do SUPRE (Suicide Prevention Program), a iniciativa mundial da OMS para a prevenção do suicídio. Estes manuais estão sendo agora amplamente divulgados, na esperança de que eles sejam traduzidos e adaptados às condições locais de cada região – um pré-requisito para sua efetividade.

Leia abaixo, um trecho do manual:

“A mídia desempenha um papel significativo na sociedade atual, ao proporcionar uma ampla gama de informações, através dos mais variados recursos. Influencia fortemente as atitudes, crenças e comportamentos da comunidade e ocupa um lugar central nas práticas políticas, econômicas e sociais. Devido a esta grande influência, os meios de comunicação podem também ter um papel ativo na prevenção do suicídio.

Continua – “O suicídio é talvez a forma mais trágica de alguém terminar a vida. A maioria das pessoas que consideram a possibilidade de cometer o suicídio são ambivalentes. Elas não estão certas se querem realmente morrer. Um dos muitos fatores que podem levar um indivíduo vulnerável a efetivamente tirar sua vida pode ser a publicidade sobre os suicídios. A maneira como os meios de comunicação tratam casos públicos de suicídio pode influenciar a ocorrência de outros suicídios”.

Clique aqui e tenha acesso ao manual na íntegra

Conduta desastrosa

A Sociedade Portuguesa de Suicidologia (SPS) também acredita que a conduta da imprensa quando noticia suicídios é desastrosa. Criada a 16 de dezembro de 2000, com vista ao estudo do suicídio e das condutas suicidas, a SPS orienta sobre a correta abordagem acerca do tema, leia:

“As notícias de suicídio devem merecer apenas um breve apontamento, uma nota de rodapé. Sem falar de pormenores, sem detalhes quanto ao método do suicida e do eventual local onde foi cometido. Jamais noticiar suicídios de figuras midiáticas de forma a que possam servir de hipotético modelo para pessoas perturbadas”.

“Corre-se o risco de glorificar o suicídio e isso provoca fenômenos de imitação. Quando se aborda de uma forma pormenorizada o suicídio de uma figura pública deve-se, pelo menos, incluir dados sobre as estratégias de prevenção e os sítios a que as pessoas podem recorrer. Caso contrário, a notícia pode ser apenas o interruptor, pois vai mexer com muita gente que está deprimida, já tentou suicidar-se ou está na iminência de fazê-lo”.

Parem de fazer sensacionalismo com o suicídio

Para Luiz França é preciso parar de fazer sensacionalismo com a dor do outro. De acordo com o psicólogo, a importância desse alerta é prevenir e avisar que o assunto abordado de forma irresponsável pela mídia pode desencadear processos emocionais complexos, dependendo do modo de recepção de quem os consome.

“Ninguém sabe os motivos que levarem aquele jovem ao autoextermínio. Ninguém tem o direto de opinar, criticar ou falar qualquer coisa sobre o que se passa na mente do outro. Fico imaginando a família desse rapaz, ao ver o tipo de notícia que alguns meios de comunicação divulgaram, expondo a vítima de uma forma em que nada contribui nesse momento”.

É preciso falar sobre suicídio?

A professora Marta Maia, do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), pontua que até poucos anos havia uma espécie de acordo ético entre os profissionais do jornalismo para que o suicídio não fosse noticiado. “Boa parte dos jornalistas concorda que esse tipo de divulgação pode estimular as pessoas a darem fim às suas próprias vidas. A questão é a seguinte: até que ponto o jornalismo deve divulgar suicídios? ”, questiona a professora.

Maia ressalta também que se há alguns anos havia esse acordo entre os profissionais da comunicação, com o surgimento das redes sociais, a questão se amplificou e acabou com a prerrogativa nas redações jornalísticas.

Outra dimensão fundamental, de acordo com a professora da UFOP, diz respeito ao apoio que as pessoas com sofrimento mental devem receber, principalmente no momento difícil pelo qual o país está atravessando. “Grupos de apoio e de valorização da vida podem ajudar indivíduos em situações difíceis. Às vezes uma palavra ou um gesto pode evitar que situações lamentáveis como as ocorridas em Ouro Preto na tarde de ontem voltem a acontecer”.

Luiz França defende que é preciso falar sobre suicídio, mas com a intenção de esclarecer e conscientizar. “Precisamos quebrar o tabu desse assunto, essa epidemia que atinge todo o planeta. Mas precisamos tomar cuidado com a forma como falamos”.

Busque ajuda em Ouro Preto -Naviop

O Núcleo de Apoio à Vida de Ouro Preto (MG), Naviop é uma instituição sem fins lucrativos e mantenedora do Programa CVV na cidade histórica. Em funcionamento no primeiro pavimento do prédio da estação, cedido pela Universidade Federal de Ouro Preto (MG), desde 27 de maio de 2018, tem realizado um importante trabalho de prevenção ao suicídio e apoio psicológico por meio de programa de apoio emocional, ajudando as pessoas a lidar com as realidades cotidianas e inesperadas em qualquer lugar da comunidade.

No dia 13 de fevereiro de 2019, representantes do Naviop participaram de uma reunião na Câmara Municipal de Ouro Preto. Ricardo Campolim, presidente do Naviop lembrou que por meio do telefone 188, são atendidas em rede nacional uma média de 10.000 diariamente. “Em Ouro Preto recebemos em média, cerca 750 ligações por mês e presencialmente são atendidas aproximadamente quatro pessoas por mês”.

O atendimento presencial do Naviop é realizado de quarta a domingo, das 8h às 11h, no prédio do Trem da Vale, que fica na Estação. Mais informações e detalhes sobre o voluntariado podem ser obtidas pelo site www.cvv.org.br. Já o telefone para atendimento é o 188.

Centro de Valorização da Vida

Se você quer ser atendido pelo Programa de Apoio Emocional, além de ligar para o 188, você também pode acessar o site do CVV e escolher uma das formas de contato no rodapé da página ou acessar a opção “Quero Conversar”. Mesmo que você não tenha certeza de que precisa de ajuda, não tenha receios em entrar em contato com o CVV. Um de seus voluntários estará à sua disposição.

Nos atendimentos o anonimato é sempre garantido. Os voluntários não têm qualquer tipo de contato com quem liga a não ser o próprio atendimento. Ele se restringe ao contato feito no momento do plantão. Não há conversa depois, troca de perfis de redes sociais ou números de telefone. Você também não precisa necessariamente sofrer de depressão para entrar em contato com o CVV, algumas pessoas ligam simplesmente porque sofrem de solidão e procuram alguém para compartilhar o que acontece no dia.

O que pensam os estudantes

“A mente suicida nunca dorme. Ela apenas descansa. Há pessoas com quadros depressivos ou outras questões de saúde que não são suicidas e nunca chegam a esse ponto”. A declaração acima é de Raquel Schwenck, estudante de Letras da UFOP.

A jovem defende o silêncio responsável da mídia em relação ao suicídio. “Desde que me entendo por gente, sei que a mídia não noticia suicídios e não ficamos sabendo que eles acontecem, apesar de serem tantos, todos os dias, para não ensinarem ou incentivarem outros suicidas”.

A estudante complementa: “Às vezes um surto só precisa de um gatilho, e um suicida descobrir que alguém finalmente conseguiu, ou que existe uma forma dele finalmente conseguir a morte em um local específico de sua cidade, será o gatilho que falta. É um incentivo para a sua mente acordar, o banho de coragem que faltava. Eu acho que a mídia séria sabe disso”.

“O silêncio na mídia sobre os suicidas é um dos poucos que deve ser mantido e protegido. Esse silêncio protege milhares (ou milhões) de vidas em todo o mundo. A minha mente suicida está descansando há 12 anos e eu gostaria que a mídia me ajudasse a nunca torná-la ativa de novo.”, conclui.

Rodrigo Fontenelle é estudante de Jornalismo da UFOP e trabalha como repórter em um site de Mariana (MG). O jovem afirma que há assuntos delicados no curso de jornalismo, discutidos tanto por alunos quanto por professores durante toda a graduação e a ética jornalística nos casos de suicídio é apenas um dos temas.

“A ética no exercício da profissão é um deles. E não por acaso. Dentre muitas outras razões, o dever de informar do jornalista não deve ultrapassar o bem-estar de outras pessoas, principalmente as em situação de vulnerabilidade. As narrativas da informação deveriam cumprir certos limites em favor de convenções já há muito discutidas entre nós, jornalistas. Convenções essas que muitas vezes podem salvar vidas e prevenir danos emocionais a quem consome e se informa através de nossas produções”.

Mais empatia, por favor

A leitura de jornais nos torna estúpidos? É a pergunta de Rubem Alves, educador e escritor, em artigo para um grande veículo impresso. “Diante de jornais e revistas, me comporto como diante de uma mesa de bufê – provo, rejeito muito, escolho poucas coisas. Concordo com Zaratustra: Mastigar e digerir tudo é uma maneira suína”.

Se ainda estivesse vivo, talvez Rubem Alves estenderia a sua crítica à importância de selecionar melhor o que compartilhamos e deglutimos nas redes sociais. Afinal, são os nossos valores, posicionamentos éticos e consciência que irão determinar se vale a pena repassar (compartilhar) uma notícia totalmente desprovida de empatia e respeito à dor do outro.

“Não vai ser expondo as vítimas que combateremos o suicídio, mas discutindo as questões, os problemas, os sintomas, pensamentos, medos, identificando as causas e oferecendo auxílios diversos, como por exemplo, a rede de saúde mental em Ouro Preto, o CVV, e demais entidades e profissionais que trabalham no combate ao suicídio,  deixando claro que falar realmente é a melhor solução e que é possível buscar um reequilíbrio mental, promover autoaceitação e autoconhecimento mesmo após um momento crítico como quando a pessoa chega a tentar o autoextermínio”, finaliza Luiz França.

O Jornal Voz Ativa apoia e já publicou várias matérias sobre a importância da prevenção ao suicídio. Leia algumas delas clicando nos links abaixo:

CVV abre inscrições para Programa de Seleção de Voluntários em Ouro Preto-MG

Representantes do CVV participam de reunião da Câmara de Ouro Preto-MG 

Prevenção ao suicídio: Seja um voluntário da Unidade do CVV em Ouro Preto-MG

Ligações para o CVV passam a ser gratuitas, além de abranger todo o território nacional

Campanha Setembro Amarelo estimula a prevenção do suicídio em todo o mundo

Jornal Voz Ativa – Dever de Informar!

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