Prosa na Janela: Leia a crônica ‘Complexidade’, por Roberto dos Santos

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Por JornalVozAtiva.com Publicado em 17/07/2018, 14:24 - Atualizado em 17/07/2018, 14:24
Roberto Santos, 47 anos, nascido em Dores de Guanhães, chegou ao Distrito Ouro-pretano de Antonio Pereira em 1979. É porteiro na Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP e tem uma sensibilidade peculiar na apresentação de seus textos. É casado com Márcia, que é a aguerrida diretora da Escola Municipal Alfredo Baeta e têm o filho Antônio, de 13 anos. Depois de caminhar pelas ruas de Ouro Preto, meus passos me levaram até as escadarias da Igreja de Nossa Senhora do Carmo e lá fiquei por um bom tempo. Estando ali aproveitei para recuperar as forças que me abandonaram enquanto eu caminhava. O vento frio característico da cidade monumento mundial trouxe o refresco que eu precisava já a solidão, um turbilhão de pensamentos, e neles viajei por uma infinidade de mundos. Passei pela imaginação, visitei o passado, vivi o presente e entre uma fresta no portal do tempo, dei uma breve olhada no futuro. Eu só queria descansar um pouco e seguir caminho, mas meus olhos captavam imagens deslumbrantes que alimentavam mais e mais meus sentidos. Na grama ao lado de onde eu estava um casal de sabiás ciscavam entre as árvores, me coloquei de pé e subi mais alguns degraus para ver melhor toda aquela simplicidade e beleza. Perdi-me na beleza da cena que mais parecia um espetáculo que a mãe natureza havia preparado só para mim. A paz em que tudo transcorria foi mexendo comigo, e me deixando como que em estado de êxtase. Sem perceber, se formavam em minha mente muitas imagens que num breve instante me permitiram estar em tantos lugares. Mas uma dessas manifestações não se desfez, começou distante e veio tomando forma pouco a pouco, e num dado momento pude ver do que se tratava. Era uma pessoa de feições triste diante de um abismo medonho, o olhar estava fixo na escuridão sem fim. Enquanto aquele olhar tristonho mergulhava naquele abismo que parecia não ter fundo, uma mão tocou-lhe o ombro e a pessoa instintivamente ergueu a cabeça e encontrou bem ao seu lado um sorriso aberto, era alguém de seu convívio que havia sentido a sua falta e saiu a sua procura e encontrando se alegrou e sentou se ao seu lado convidando para que fizesse o mesmo. Sentaram e conversaram por algum tempo, depois se deram as mãos e se afastaram daquele precipício. A imagem era bonita e nas faces estava estampado um sentimento novo que pensei ser a esperança. Subitamente olhei de novo para os sabiás que já haviam se afastado e estavam próximo ao Museu do Oratório, foi então que entendi o que quis dizer aquela visão. Os sabiás me ensinaram o valor de uma amizade, tive essa percepção quando em minha mente as pessoas se afastaram do abismo. Havia ali duas possibilidades: elas poderiam se dar as mãos e pularem juntas no abismo e muitos entenderiam como um gesto de amizade, afinal amigo é para todas as horas, dizem por ai.  Mas fizeram a opção em seguir outra direção, e ao se darem as mãos, escolheram a vida e certamente a pessoa que chegou depois, foi determinante nessa decisão. Na amizade quem estiver melhor tira o outro dos abismos da vida, mesmo que tal situação gere desconforto. Amizade é uma preciosidade e muitos não estão sabendo serem amigos. Estava gostosa minha permanência naquele lugar, mas como as forças já haviam sido restauradas resolvi caminhar mais um pouco. Já estava indo embora sentido Praça Tiradentes, quando parei no paredão lateral para observar detalhes do Museu da Inconfidência que estava logo a minha frente. Ouro preto é como uma obra de arte, a mesma imagem olhada em momentos diferentes nos mostra sempre algo novo e nessa busca parei e sentei mais um pouco, afinal eu e o tempo estávamos em plena conformidade. Uma situação inusitada me tirou esse propósito, quando a alguns metros de mim uma moça enxugava as lágrimas de sua face. Fiquei com medo de que estivesse passando mal e fui até ela perguntar se havia algo errado. Ela misturou a seu choro um sorriso molhado. Revelou que sentia saudades de casa e que faltavam dois dias para ir embora e citou vários nomes de pessoas que amava e que sentia falta. Desejei que tudo ficasse bem e me afastei. Essa cena me fez de novo viajar para outros mundos. Descobri naquela hora que o amor também dói. A dor por ele provocada se dá principalmente na alma. Em minha mente especulei o amor e confrontei alguns pensamentos meus, com regras preestabelecidas. O amor dói porque se dá no campo da gratuidade, ele nada exige, apenas espera. Quando não obtém resposta da outra parte, continua a amar, pois amar não depende do outro. Mas quando o amor encontra amor, as sensações se exteriorizam oriundas da explosão de satisfação e contentamento abundantes dentro de cada um. Ele vem de dentro para fora e os nossos corpos apenas dão forma a esse sentimento que na verdade nunca esteve fora de nós. Diferente disso não seria amor. O coração é terreno fértil, lugar em que se cultiva o amor nas suas várias formas, e dentro da sua complexidade ele comporta muita vida. Quando meus pés pisaram as pedras centenárias tecendo os passos que me levariam para casa, já fora das dependências do “Carmo”, parei brevemente para entender o porquê de todos esses pensamentos, o motivo pelo qual me detive naquele cantinho da cidade e vivi todas essas emoções. Talvez eu tivesse sido envolvido por uma magia especial que povoa a ruas estreitas de Ouro Preto e que transforma passado, presente e futuro num só tempo. E que naquele dia também uniu mundos. O fato é que não encontrei a resposta. A certeza que levei comigo foi saber que a única coisa que o amor me permitiria sem restrições, era dar razões infindas para eu ser amado, contudo a suficiência ou não, era uma resposta presente dentro de outro coração. As outras indagações assim como as respostas, se encontram em algum lugar desses mundos, e quem sabe numa dessas andanças eu as encontre.

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