Prosa na Janela: ‘O amor em dois mundos, um jeito novo de amar’, por Roberto dos Santos

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Por JornalVozAtiva.com Publicado em 12/06/2019, 16:45 - Atualizado em 04/07/2019, 23:40
Roberto Santos, 49 anos, nascido em Dores de Guanhães, chegou ao Distrito Ouro-pretano de Antonio Pereira em 1979. É porteiro na Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP e tem uma sensibilidade peculiar na apresentação de seus textos. É casado com Márcia, que é a aguerrida diretora da Escola Municipal Alfredo Baeta e têm o filho Antônio, de 15 anos. Siga no Google News

Jardel amava Eloá, mas era um amor impossível. Fez essa confidência ao melhor amigo numa linda manhã de domingo.  Sentindo saudades levantou cedo e lentamente se dirigiu para o quintal de sua casa, lá no fundo seu amigo vestido de amarelo o esperava para acolhê-lo.

Seu melhor amigo era um quase centenário ipê amarelo que ele desde criança visitava. Cresceu no cantinho da cerca de arame, depois transformada em muro.

Quem passava na rua enxergava apenas sua copa florida em tempos de primavera.

Jardel desde a meninice, quando estava angustiado ou pensativo se refugiava aos pés do ipê e num silêncio contemplativo recebia o acolhimento e o carinho esperado. Além do aconchego da árvore quase centenária, ele também recebia da mãe natureza um carinho mais que especial expresso pela sinfonia executada pelas juritis, pardais e tico-ticos em meio ao amarelo das flores.

Esses acontecimentos transcorriam em sua casa localizada próxima a capela de Nossa Senhora das Dores entre os Bairros Antônio Dias e Barra. Dali ele via ao longe o Alto das Dores e muitas outras partes da belíssima cidade de Ouro Preto.

Já adulto Jardel ainda mantinha de forma costumeira sua visita ao velho ipê amarelo. Nas visitas que fazia, ele se aconchegava aos pés do ipê e abria o livro da sua vida, partilhando seus segredos mais íntimos.

O céu azul, o sol já claro e bonito fazia da manhã de domingo um dia lindo. E Jardel aproveitando o cenário e a paz que reinava, começou a falar de Eloá para seu melhor amigo. As primeiras palavras diziam da impossibilidade desse amor acontecer deixando claro a seguir que o motivo não seria citado.

Segredo se leva para o túmulo, disse Jardel iniciando o relato.

Estavam presentes nessa conversa, ele, o vento, o silêncio, a solidão e a saudade.

Pegou um galho seco no chão e desenhando no solo começou a falar:

— Eu amo uma linda mulher, mas não posso tê-la. Ela se chama Eloá, é a mulher mais linda da cidade.

Antes de prosseguir com a narrativa, Jardel fez algumas recomendações:

— Peço ao vento que me traga o cheiro dela, a solidão que não me seja cruel, ao silêncio que me leve ao céu e afague minha alma e a saudade que enxugue minhas lágrimas.

Dito isso, Jardel se aconchegou aos pés do velho ipê amarelo e confidenciou em alta voz o que seu coração guardava a sete chaves.

— Eloá é a mulher mais linda que já vi, o sorriso dela é farto e me perco nele. Os olhos parecem uma lança a perfurar os meus. Passos miúdos e cadenciados fazem com que pareça flutuar. As poucas vezes que ouvi sua voz me estremeci. Encontrei nela meiguice misturada com altivez, indícios de sensibilidade e determinação.

A imagem mais bela que já vi, não tem no mundo coisa igual.

Jardel parecia em certos momentos quase deixar escapar o motivo de não poder viver um grande amor com Eloá, mas se policiava e rapidamente se corrigia.

— Eu tentei fugir, mas não consegui desfazer de minha mente aquela obra de arte esculpida pelo criador. Eloá não sabia a intensidade do amor que eu sentia por ela e nem que eu a amava.

Meu amor por ela não era impossível, improvável era construir uma vida juntos.

Jardel não cansava de falar da Utópica certeza, mas também não revelava as razões que o fizera chegar a essa conclusão.

— Ontem encontrei uma rosa vermelha no meu jardim, enquanto eu a beijava e sentia aquele aroma gostoso, imaginava os lábios dela quando envoltos pelo vermelho do batom. Era o que havia de mais lindo, essa imagem formada em minha mente.

Foi então que idealizei criar um mundo só para nós dois, pois sentia saudades, e tudo que eu tinha dela era uma fotografia recortada de um jornal em que aparecia numa reportagem e que eu não cansava de reverenciar.

E dando vida ao pensamento de criar um mundo para nós dois, eu construí dentro de minha imaginação um lugar de rainha só para ela.

Era só fechar os olhos e eu já estava lá, mas antes que ela ficasse comigo nesse mundo que criei, eu precisei conquista-la. E por longos dias eu fechava os olhos e a cortejava. Enviei flores, marquei encontros e numa dessas oportunidades declarei meu amor sem medo. Até que conquistei o amor dela. Tudo se fez real no meu mundo imaginário.

Fiz tudo isso porque o amor é livre. Mesmo sendo no mundo da imaginação eu desejava que ela me brindasse com seu amor de forma livre. O meu amor já era dela.

E nessa toada Jardel falava para seu melhor amigo sobre Eloá. O vento, a solidão, o silêncio e a saudade se fizeram seus amigos e era certo que estavam ali, porém imperceptíveis.

A emoção estava estampada em seu rosto, e a realidade desse mundo irreal, estava fazendo muito bem a ele.

Os mundos se confrontavam quando encontrava pelas ruas da cidade a bela Eloá, esses momentos traziam até ele o paraíso de tanto que a felicidade o tomava.

E assim ele foi encontrando a felicidade intercalando sua vida em dois mundos.

Eloá certamente não sabia do intenso amor de Jardel por ela, mesmo assim ele se viu diante de um amor impossível.

Sem que ela soubesse, ele a amou sem medida e amando criou um jeito alternativo para amar.

Jardel continuou a ama-la do seu jeito, e no seu íntimo alimentava a remota possibilidade de que um dia os dois mundos se fundissem e seu amor pudesse alcançar a plenitude. Isso ele tinha só pra ele, pois nem ao seu melhor amigo revelara o obstáculo que julgava quase intransponível.

E aquela mulher linda, musa dos sonhos de Jardel, continuava a desfilar sua beleza pelas ruas e ladeiras de Ouro Preto sem saber que na mesma cidade existia um homem que a amava com toda a sua força.

Mas não faz mal, importa é saber que o amor está em tudo e em todos, até mesmo noutros mundos.

Jardel ficou a sombra do ipê amarelo até a hora do almoço, depois se despediu do amigo e foi para casa almoçar, deixando com ele, o vento, a solidão, o silêncio e a saudade.

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