Prosa na Janela: “No silêncio da montanha”, por Roberto dos Santos

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Por João Paulo Silva Publicado em 06/12/2018, 17:47 - Atualizado em 03/07/2019, 20:34

Roberto Santos, 47 anos, nascido em Dores de Guanhães, chegou ao Distrito Ouro-pretano de Antonio Pereira em 1979. É porteiro na Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP e tem uma sensibilidade peculiar na apresentação de seus textos. É casado com Márcia, que é a aguerrida diretora da Escola Municipal Alfredo Baeta e têm o filho Antônio, de 13 anos.

A chuva caía mansa e calma nas montanhas de Lavras Novas, distrito da histórica cidade de Ouro Preto. A neblina era soberana e o branco que envolvia a montanha parecia um enorme véu.

Os filetes de água se formavam no chão rochoso e cortavam a estrada que dava acesso ao lugar. De repente o asfalto acabou. Uma estrada de terra bem estreita teria que ser percorrida até chegar ao lugarejo localizado lá no alto da elevação. Dali em diante tudo estava branco e a visibilidade era bem reduzida.

Em alguns pontos a passagem só comportava um automóvel por vez e a atenção redobrada, juntamente com a pouca velocidade era o recomendável para aquele trecho da estrada.

Subindo o rústico caminho, estava Marcos Paulo em seu carro Vermelho enlameado. A paisagem o fascinava, não pelo verde ou pela beleza do lugar, mas simplesmente pela emoção de mergulhar naquela imensidão de branco que ele não sabia onde ia dar.

Ele estava sozinho e sua passagem por ali era estratégica, buscava nos morros de Lavras Novas o silêncio e a solidão. Queria refletir a vida num lugar em que não fosse conhecido e quando voltasse para casa, almejava ter alcançado a solução para uma situação que o estava angustiando e que ele não tinha certeza se havia tomado à decisão certa.

Imbuído dessa busca ele continuou a subida rumo a Lavras Novas.

Fotografou os momentos em que cruzava com outros carros descendo a encosta íngreme.

Tudo estava perfeito. Já havia se apaixonado pelo lugar antes mesmo de chegar.

Após vencer a subida dirigiu-se ao chalé que reservara para sua hospedagem. Tomou banho, descansou, tomou um chá quente, comeu torradas, esperou a noite chegar, olhou-a pela janela e depois lendo um livro adormeceu com ele aberto em seu peito.

Para o dia seguinte ele não tinha nada programado para fazer. Embora estivesse escolhido o lugarejo para seu descanso, seu único objetivo era estar só consigo mesmo.

O panfleto que anunciava as atrações do lugar deixado na cabeceira de sua cama só foi consultado para ver se encontrava um lugar onde pudesse se isolar.

A foto do mirante da pedra chamou-lhe a atenção e de imediato foi eleito o lugar das incursões diárias, e naquele mesmo dia o localizou e por longas horas permaneceu por lá, e cercado de branco por todos os lados pôs se a pensar sua vida.

Nos dias que seguiram voltou lá todos os dias, sempre depois do café da manhã, mesmo com a chuva fina e a densa neblina não deixava de ir lá.

No terceiro dia o silêncio foi quebrado por uma voz de mulher que numa pedra mais abaixo o perguntou em alta voz o porquê de tanta tristeza.

Ele se espantou com a ousadia da estranha. Ela revelou a ele que esteve ali os dias anteriores e ele nem a percebera.

Ana Júlia era o nome dela, e assim como ele, aproveitava a tranquilidade de Lavras Novas para refletir a vida.

Marcos Paulo se Apresentou a moça e ficou conversando sobre a beleza do lugar.

Ana Júlia perguntou por que estava ali e ainda por cima tão triste. Ele esquivou-se educadamente, sem esconder que algo o afligia onde morava, mas sem revelar do que se tratava.

Sem deixar que ela prosseguisse a sabatina, ele fez a mesma pergunta a ela. E Ana Júlia também se esquivou e nada deixou transparecer. A única coisa que revelou foi que tinha motivos sérios para procurar aquela tranquilidade e paz.

Tinha nas mãos um diário e com ele dialogava todos os dias, tinha a esperança de que o motivo que a fez sair estrategicamente de sua cidade se resolvesse a luz daqueles diálogos.

Ele percebeu que ela tinha um segredo e não tinha a intenção de partilha-lo. Deu outros rumos a conversa e assim conversaram mais um pouco.

Ana Júlia já havia percebido que Marcos Paulo também tinha algo que não queria falar e também se absteve da tentativa de descobrir.

Combinaram então encontrar ali no dia seguinte. O silêncio pretendido por Marcos e a tranquilidade almejada por Ana não era observado quando os dois estavam juntos.

No quinto dia Marcos Paulo já se mostrava mais calmo e sorridente. Isso foi dito a ele por Ana num dos encontros no mirante da pedra. Era o único local que se encontravam, fora de lá Marcos ficava num Chalé um pouco mais retirado e Ana numa pousada de estilo rústico no centro da localidade.

Ambos já se sentiam melhores, porém os seus segredos permaneciam intocáveis e nenhum deles sabia o verdadeiro motivo de terem fugidos das cidades onde moravam para refugiar-se nesse cantinho de Minas.

Eles já conseguiam esquecer os problemas e viviam momentos descontraídos e de certa paz.

No décimo terceiro dia Marcos Paulo convidou para Ana Júlia para jantar com ele. Ela se alegrou com o convite e aceitou prontamente. Era a primeira vez que se encontrariam fora do mirante. Ambos nutriam uma ansiedade em estarem juntos. Não se deram conta de que os encontros no mirante tinham aproximado à dupla de forasteiros.

Os problemas deixados para traz mesmo que inconscientemente, já estavam sendo vencidos.

Escolheram um restaurante cuja fachada era de pau a pique, e naquela noite fria saborearam juntos as delicias da casa. Depois saíram e foram para um ponto alto onde os turistas costumavam ir para ver a lua e as estrelas. Ambos sabiam disso.

Quando Ana Julia disse a Marcos Paulo que não tinha lua nem estrelas, só nevoa branca e que não conseguiriam ver nada, foi interrompida e ouviu palavras que a deixou muda sem saber o que responder.

Aqui se observa o espetáculo noturno mais bonito do lugarejo, mas apenas nos dias de céu azul, eu a trouxe aqui porque o céu estando azul ou não, você é o que há de mais belo entre essas montanhas. Nada supera seu jeito gostoso e delicado de ser.

Quando for embora certamente à lua e as estrelas recuperarão a primazia, mas enquanto estiver aqui, estando elas entre as nuvens ou visível no imenso azul do céu, ainda sim estarão a um passo de você.

Ana Júlia não conseguiu dizer nada e ficou imóvel.

Marcos a envolveu num abraço demorado e depois um beijo quente que aqueceu os corações, Ana Júlia numa atitude repentina comunicou a ele sua necessidade de retornar a Araxá sua terra natal. Precisava resolver um problema sério que havia deixado lá.

Marcos logo percebeu que era o segredo que Ana não quis contar.

Ele não se opôs a comunicação da moça e disse também que tinha que voltar para casa. Ana também atinou que fosse o segredo que afligia Marcos e que também não contou.

Combinaram então irem resolver suas pendências, e em dez dias se encontrariam de novo ali.

Assim o fizeram.

Marcos foi para Juiz de Fora e Ana para Araxá.

Dez dias depois já estavam de novo em Lavras Novas, e dessa vez hospedaram na mesma pousada.

Marcos perguntou a Ana se havia conseguido resolver a pendência em Araxá, ela sinalizou positivamente com a cabeça e sorriu. Na sequência devolveu-lhe a pergunta. Ele repetiu o gesto dela e depois foram tomar um café.

Antes de partilhar seus segredos Marcos declarou seu amor a ela. Ana se sentindo amada não disse nada, apenas sorriu e com um beijo delicado retribuiu as palavras afáveis de Marcos e lhe deu a certeza de seu amor.

Mais segura e ainda receosa, Ana pronunciou uma frase bombástica:

O meu casamento seria hoje à noite. Essa frase não soou bem aos ouvidos do moço que há minutos atrás declarou seu amor a ela. As palavras que seguiram mais pareciam uma estória de novela, mas explicavam fatos da vida real.

Um pacto de amor feito na adolescência ainda no tempo da escola resultou na angústia que a fez buscar refúgio nas montanhas.

A letra “M” tatuada no ombro esquerdo seria a lembrança de um amor eterno. Era um relacionamento que ia rompendo o tempo, porém num ponto do caminho esse amor convergiu noutra direção. O amor talvez fosse eterno, mas a forma de amor se desenhou diferente fazendo-a refletir sobre isso, e mesmo envolta em dúvidas e incertezas marcou a data do casamento.

Em Lavras Novas tentava descobrir um jeito de romper esse compromisso e junto com seu diário no mirante da pedra descobriu que se tratava de amor, mas de um amor amigo e indestrutível e sendo assim não poderia se casar.

Quando encontrou Marcos e se apaixonou por ele então a letra “M” tatuada em seu ombro teve sentido para ela e repaginada passou a significar essa nova fase de sua vida.

O amor de carnaval no qual começava com a letra “M” entendeu a história dela e se contentou em assumir na vida de Ana a condição de amigo e de comum acordo o pacto foi desfeito e o “M” no ombro de Ana tinha outro significado.

Marcos ouviu tudo calado, mas ao final se alegrou, e o efeito causado pela frase dita por Ana ao iniciar seu relato, se desfez, e Marcos pôs se a dividir com Ana o resultado do que foi fazer em Juiz de Fora.

Marcos tinha o sonho de terminar a faculdade e formar advogado, e tudo já estava próximo de acontecer.  Ele queria ser Juiz e os passos que daria a seguir iriam nessa direção. Mas seu pai o queria no comando dos negócios da família assim que formasse, e sob pena de deserda-lo tentou fazer com que desistisse de seu sonho.

Marcos vivia angustiado e o fato de ter que ir contra seu pai para realizar o seu sonho o consumia de forma voraz.

Nesse tempo de angústia, seu pai ficou doente e já quase sem vida num leito de hospital, chamou Marcos e o fez prometer que realizaria seu desejo. Marcos sem ter escolha prometeu ao pai que assumiria os negócios, e na manhã seguinte a promessa, houve o passamento de seu pai.

A angústia que já o consumia misturou-se a saudade e a frustração de ver em risco a realização de seu sonho.

Esse foi o motivo que o trouxe a Lavras Novas, onde num silêncio reflexivo pensava encontrar um jeito de reaproximar-se de seus sonhos sem ferir as promessas feitas ao pai.

Quando voltou a Juiz de fora, procurou sua irmã mais velha que era advogada já com experiência na profissão e sugeriu a ela comandar os negócios no seu lugar. Disse que iria buscar seus sonhos e que não podia assumir a frente das coisas, mas que se ela o fizesse, ele estaria junto para ajudar na condução dos negócios.

Ela apenas o lembrou de que seu falecido pai não a escolheu e não saberia se devia aceitar. Mas ele a convenceu dizendo que ela sabia as razões que levou o pai a escolhê-lo e nada tinham a ver com aptidão ou competência.

Ela então aceitou, e assim Marcos marchou de volta às montanhas para encontrar Ana.

Após saberem que as aflições de cada um já estavam resolvidas ou encaminhadas e que não era mais motivo de tristezas e abatimento, combinaram um jantar de despedida que marcaria o reinicio de um tempo de muita felicidade. As últimas horas em Lavras Novas tiveram como testemunha uma garrafa de vinho, velas, uma lareira, flores e uma sonora declaração de amor.

Apenas uma pergunta insistia em permanecer na mente dos namorados:

Porque Lavras Novas? Por que pensamos na mesma localidade? Destino? Coincidência?

Com a palavra os amantes, pois o amor talvez não explique tudo, mas com certeza explica muita coisa.

4 Comments

  1. Glorinha Veloso 09/12/2018 em 09:28- Responder

    Parabéns Roberto, lindo texto! Lavras Novas inspira muito romantismo!

  2. Mirtes Perucci 11/12/2018 em 19:08- Responder

    Lindoo!

  3. Mirtes Perucci 11/12/2018 em 19:09- Responder

    Lindooo!❤❤

  4. Queles 03/01/2019 em 06:51- Responder

    E sempre inspirador!!

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