Leia “Esperando o Natal” na coluna do professor Hércules Tolêdo Corrêa

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Por João Paulo Silva Publicado em 18/12/2018, 09:32 - Atualizado em 03/07/2019, 20:39

Atenção, puristas: esse texto pode conter expressões populares e ironias!

Quando éramos crianças, contávamos os dias até chegar o Natal a partir de 1º de dezembro, aniversário de minha mãe. A cada dia, perguntávamos para ela: Quantos dias faltam agora? E íamos em contagem decrescente durante 24 dias, até a tão esperada data.

Para mim, o Natal era no dia 24 memo. Não era no dia 25. Dia 25 era o dia de exibir os presentes que ganhávamos no Natal. Sim, exibir mesmo, porque para nós era muitíssimo importante esta data. Era praticamente a única data em que ganhávamos um brinquedo novo. Um tão sonhado brinquedo novo. Porque geralmente no dia do aniversário, ganhávamos, dos pais, apenas roupas.

Quando havia uma pequena comemoração – com modestos bolo, ponche de guaraná, cajuzinho e capetinha -, ganhávamos um ou outro brinquedinho de alguns colegas, mas a maioria dava uma meia, uma cuequinha ou um sabonete. Ganhávamos até um corte de tecido para minha mãe fazer uma camisa ou um short na sua máquina de costura. Mas brinquedo bom era raridade. Então, o Natal era o grande dia para nós!

Acreditávamos ainda em Papai Noel. Não escrevíamos cartinha nem colocávamos o sapatinho na janela. Não eram nossos hábitos. O que acontecia é que geralmente éramos acordados no meio da noite para ver as caixas dos presentes debaixo da árvore de Natal, geralmente feita com um galho de jabuticaba envolto em algodão. Havia algumas bolas coloridas, mas poucas, e como eram muito frágeis, sempre quebravam algumas e no Natal seguinte nem todas eram repostas.

Minha mãe, quase todo ano, alguns dias antes do Natal, lá pelo dia 15 ou 20, vinha com a história de que havia “sonhado” com nossos presentes. Misteriosamente seus sonhos se tornavam realidade… Os presentes eram sempre muito parecidos com o que ela descrevia no sonho. Para quem ainda acreditava no Bom Velhinho, acreditar que o sonho da mãe era realmente sonho não era nada difícil.

Tínhamos direito a escolher o presente que queríamos, mas nem sempre esse desejo se realizava. O nosso sonho podia ser maior do que o bolso do pai. Ou talvez até fosse possível nos presentear com o solicitado, mas meu pai sempre foi muito prudente (já chamei de pão-duragem, mas hoje chamo de prudência) e não nos deixou tornarmo-nos megalomaníacos.

Eu me lembro de um ano em que ganhei um revólver de espoleta (presente hoje considerado politicamente incorreto), de ter ganhado um velocípede, um jogo de toquinhos para construir casas chamado “O Pequeno Arquiteto”, um mini-laboratório de química, para fazer “experiências”, um brinquedo chamado “O Farol Encantado”, que brincava com conhecimentos gerais. Também ganhei “pinos mágicos”, que são como os famosos “Legos” de hoje. Nunca pedi e portanto nunca ganhei uma bicicleta.

Meu irmão do meio, mais hiperativo, ganhou uma bicicleta que ele, posteriormente, montava e desmontava, e também ganhou um skate e um carrinho de propulsão a ar chamado “Pé na Tábua”. Meu irmão caçula ganhou o sucesso de vendas chamado “Genius”, que todos usávamos, e também vários outros brinquedos, mas que eu me lembre também nunca pediu nem ganhou bicicleta. Velocípede eu acho que ele teve, ou “Velotrol”, já que ele é 5 anos mais novo que eu e a moda já havia mudado um pouco.

Houve um ano em que passamos o Natal na casa do avô materno. Como eram muitas crianças (além de nós três, outros tios também tinham filhos), e as condições do meu avô não eram das melhores, acredito que meu pai se juntou a ele e cada um de nós ganhou presentinhos simbólicos como latas de goiabada, marmelada e de leite condensado. Ficamos felizes da mesma maneira. Tudo era festa!

Quando eu comecei a adolescer, eu que já tinha gosto por brinquedos mais educativos, comecei a pedir presentes um pouco inusitados. Foi assim que eu ganhei uma máquina de escrever Olivetti Studio 45, semi-portátil, que me serviu de ganha-pão durante a adolescência. Eu datilografava trabalhos para as universitárias de fim-de-semana da cidade e assim ganhava meu dinheirinho.

Certa vez, apareceu na cidade uma escritora de livros infantis. Hospedou-se no hotel da cidade e, quando precisou de um datilógrafo, recrutou meus serviços. Nasceu daí uma bela amizade e parceria. Acho que por quase um ano fui secretário particular dessa escritora e hoje, com 54 anos, professor e pesquisador da área de literatura infantil na Universidade Federal de Ouro Preto, eu sinto saudades daquele tempo em que convivi, pela primeira vez na vida, com uma escritora de carne e osso.

Dando nomes aos bois: trata-se da escritora Mary de Souza, que escreveu um delicado livro infantil chamado A cabeleira do Zezé, intertexto com o sucesso carnavalesco preconceituoso de épocas anteriores: “Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é…” Fui ao Google. Nada localizei sobre a escritora Mary de Souza nem sobre seu livro A cabeleira do Zezé. Fiquei um pouco chateado por constatar, mais uma vez, que nosso país tem tão pouca memória, sobretudo nos meios digitais.

Fui ao site da Estante Virtual e não só localizei o livro A cabeleira do Zezé pelo acessível preço de 10 reais, como também encontrei outras publicações da autora, sempre por editora mineiras: O menino de porcelana, Chão de guerra, Primavera do passado… sugestivos títulos que me levarão, provavelmente, a adquirir tais livros, na esperança de resgatar minha “escritora particular” Mary de Souza.

Foi um tempo feliz da minha vida. Não se trata, aqui, do “mito da infância feliz”, mas de uma infância realmente feliz, resguardadas as situações que me causaram inquietações e que podem ter evoluído para traumas, que eu tratei de curar ou pelo menos minimizar deitando num divã, semanalmente, por um hora… mas essa é uma outra história…

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