Entenda o tom metafórico do discurso de Angelo Oswaldo durante a solenidade do 21 de abril

”A celebração da Inconfidência é uma espécie de vacina que Ouro Preto aplica-nos, a cada 21 de Abril', disse o prefeito.

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Por Daniel Marcos Publicado em 23/04/2024, 10:01 - Atualizado em 23/04/2024, 10:02
Foto — Prefeito Angelo Oswaldo discursa na solenidade de entrega da Medalha da Inconfidência. Crédito — Gil Leonardi / Imprensa MG. Siga no Google News

Angelo Oswaldo fez alusão ao atual contexto político no estado de Minas Gerais, em que o governador Romeu Zema se opõe às orientações do Plano Nacional de Imunização (PNI) em relação à obrigatoriedade da vacinação dos estudantes da rede estadual como requisito para acesso às escolas.

Essa referência sugere uma preocupação com a preservação desses valores democráticos em meio a debates contemporâneos sobre saúde pública e direitos individuais, ameaçados pelo neofascismo da extrema direita brasileira.

O discurso de Angelo ressalta, não apenas a importância histórica da Inconfidência Mineira, mas também sua relevância simbólica na atualidade, como uma fonte de resistência contra ideologias autoritárias. A metáfora da vacinação se torna, assim, um elemento poderoso para contextualizar o evento e destacar sua relevância política e social.

Durante seu discurso na solenidade do 21 de abril o prefeito logo após cumprimentar todas as autoridades já iniciou dizendo:

“A celebração da Inconfidência é uma espécie de vacina que Ouro Preto aplica-nos, a cada 21 de Abril, a fim de nos imunizar contra a epidemia dos diferentes vírus do fascismo. Um grande médico prescreveu essa vacinação. Em 1952, governador do Estado, o dr. Juscelino Kubitschek receitou a peregrinação anual à cidade dos Inconfidentes de Minas Gerais como melhor meio de evitar-se qualquer contaminação. Quem alcança a consciência do papel do Tiradentes e dos ideais dos conjurados de 1789, insurgentes no mesmo ano da Revolução Francesa, saberá que o Brasil tem compromisso de raiz com a república e a democracia, a justiça social, a paz e a liberdade. Se há 60 anos o presidente Juscelino foi vítima do golpe e da ditadura, vacinado que fora, jamais perdeu a fé na liberdade e na democracia”.

Entenda o caso:

PV defende implementação do Plano Nacional de Imunizações em ação no STF

Em fevereiro desse ano, o Partido Verde (PV) apresentou argumentos contundentes em uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) relacionada à exigência do cartão de vacinação nas escolas estaduais e municipais de Minas Gerais. De acordo com o PV, a recusa em implementar o Plano Nacional de Imunizações (PNI) não possui embasamento legal ou constitucional, contrariando a orientação federal que incluiu a vacina contra a Covid-19 no plano.

Além disso, o partido destacou que a dispensa do cartão de vacina poderia expor as crianças a doenças infecciosas antes controladas, cujo índice de contaminação aumentou devido ao desestímulo à vacinação.

A Advocacia Geral da União (AGU) posicionou-se a favor dos argumentos do PV, enfatizando que as escolas podem exigir o cartão de vacinação atualizado dos alunos, mesmo contrariando a posição do governador Romeu Zema, do Partido Novo.

A AGU ainda argumentou que há jurisprudências e diretrizes nacionais de saúde pública que respaldam essa exigência, incluindo adolescentes.

A decisão sobre o assunto está sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, e o Supremo Tribunal Federal julgará a ação considerando as manifestações das partes envolvidas.

Enquanto o governador Zema afirmou que o cartão de vacinação nunca foi obrigatório nas escolas de Minas Gerais, a AGU defendeu a medida como uma forma de proteção à saúde coletiva, principalmente de crianças e adolescentes, fortalecendo o Plano Nacional de Imunização.

Essa questão envolvendo a exigência do cartão de vacinação nas escolas coloca em pauta não apenas questões legais e constitucionais, mas também a importância da imunização para a saúde pública, especialmente em tempos de pandemia.

Leia, logo abaixo, a íntegra do pronunciamento do chefe do executivo ouro-pretano:

Exmo. Sr. Governador do Estado de Minas Gerais Romeu Zema

Exma. Sra. Presidente do Tribunal Regional Federal de Minas Gerais, Desembargadora Mônica Sifuentes,

DD. Autoridades, Ilmos. Agraciados e Agraciadas, Senhoras e Senhores.

Sra. Vice-Prefeita Regina Braga, Sr. Presidente da Câmara Municipal, Vereador José Geraldo Muniz.

Povo de Ouro Preto, que tenho a honra de representar nesta cerimônia.

A celebração da Inconfidência é uma espécie de vacina que Ouro Preto aplica-nos, a cada 21 de Abril, a fim de nos imunizar contra a epidemia dos diferentes vírus do fascismo. Um grande médico prescreveu essa vacinação. Em 1952, governador do Estado, o dr. Juscelino Kubitschek receitou a peregrinação anual à cidade dos Inconfidentes de Minas Gerais como melhor meio de evitar-se qualquer contaminação.

Quem alcança a consciência do papel do Tiradentes e dos ideais dos conjurados de 1789, insurgentes no mesmo ano da Revolução Francesa, saberá que o Brasil tem compromisso de raiz com a república e a democracia, a justiça social, a paz e a liberdade. Se há 60 anos o presidente Juscelino foi vítima do golpe e da ditadura, vacinado que fora, jamais perdeu a fé na liberdade e na democracia.

Liberdade não é apenas a palavra que significa um estado abstrato, do qual só temos efetiva ciência quando dele privados. Não se pode fingir com essa palavra. Ela deve ser, para todos os mineiros, a tradução da coragem com que os Inconfidentes buscaram aplacar, por meio da insubmissão ao arbítrio, a angústia em que os mergulhara o despotismo da era colonial. Liberdade é a luz com que os martirizados da Capitania das Minas clareiam os nossos caminhos na História.

Desde a primeira escola, as crianças mineiras precisam ser também vacinadas pela lição do Tiradentes. E conhecer todos aqueles que, envolvidos na trama, deram sua contribuição ao alvorecer da liberdade.

Ainda agora, descobrimos e desvendamos lances decisivos do movimento libertário. Hoje, no memorial da conjuração, no Museu da Inconfidência, uma mulher recebeu o reconhecimento e a homenagem que lhe eram devidos, em mais um gesto que amplia a revelação de fatos sequestrados pela nossa amnésia histórica.

Uma porção dos despojos de Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira, recolhida na sepultura de São Gonçalo do Sapucaí, onde faleceu em 1819, aos 60 anos, foi guardada sob a lápide simbólica que indica o nome da heroína. Ali estão as relíquias de seu corpo, como as de Marília de Dirceu, Maria Doroteia Joaquina de Seixas, cujos restos mortais se encontram exatamente ao lado.

Três mulheres acham-se agora no Panteão da Inconfidência como partícipes daqueles atos fundadores da república brasileira. Bárbara, Marília e Hipólita Jacinta Teixeira de Melo, presentes!

Desde 1949, reclamava-se a presença de Bárbara Heliodora no memorial da Inconfidência, conforme escreveu o historiador, jurista e parlamentar paulista Aureliano Leite, mineiro de Ouro Fino, em ofício a Rodrigo Melo Franco de Andrade. Em decorrência, foi assentada pelo IPHAN a lápide sobre a qual se inscreveu o nome da grande mulher. Mas, diferentemente das demais pedras sepulcrais, nessa não se continha a materialidade da relíquia.

Precisamos unir Bárbara e Alvarenga Peixoto, exclama a escritora e magistrada Mônica Sifuentes, no final do belo romance em que compôs, a partir de documentos históricos, a saga da menina nobre de São João del Rei e do ouvidor da Comarca do Rio das Mortes. O poeta Alvarenga e a poeta Bárbara Heliodora estão de novo unidos e acendem a chama do amor que não se apaga e da paixão pela liberdade.

A desembargadora Mônica Sifuentes, o prefeito de São Gonçalo do Sapucaí, Brian Drago, e seu secretário Stanley Drago, o secretário de Estado Leônidas Oliveira, o presidente da FAOP, Jefferson Fonseca, e o assessor Juliano Moreira, o diretor do Museu da Inconfidência, Alex Calheiros, e o teatrólogo Ícaro Alba, descendente da família de Bárbara, foram os artífices desse reencontro histórico do casal, na verdade o tardio encontro da História de Minas Gerais e do Brasil com a heroína Bárbara Heliodora.

Senhor Governador do Estado,

Cumprimento V. Exa. pela outorga do Grande Colar da Inconfidência ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, que de longe acompanha esta solenidade, impossibilitado de aqui se fazer presente.

No início de sua brilhante carreira acadêmica, o professor Fernando Henrique Cardoso passou longa temporada em Ouro Preto a estudar documentos relativos à escravidão, tema de sua tese de Sociologia.

Trinta anos atrás, em dezembro de 1994, estando eu no primeiro mandato de prefeito, Ouro Preto recebeu-o como presidente eleito para, ao lado do saudoso presidente Itamar Franco e dos chefes de Estado da Argentina, do Paraguai e do Uruguai, participar da criação do Mercosul.

Hoje, aplaudimos o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como o estadista que, ainda há pouco, em momentos cruciais, deu ao país precisa demonstração de seu compromisso com a democracia, o Estado de Direito, a República e a Constituição Federal. A palavra de Fernando Henrique Cardoso repercute sempre como testemunho de um democrata. A exemplo do presidente Juscelino Kubitschek, o regime autoritário de 1964 também o perseguiu e o exilou, mas não lhe faltou o sentimento inconfidente de crença na liberdade e na democracia.

Senhoras e Senhores,

O legado do ciclo do ouro tem o seu padrão ético no sonho dos Inconfidentes e o marco estético na beleza dos núcleos urbanos nascidos no fundo da bateia. Ética e estética renovam permanentemente os seus frutos.

Comemoramos em 2024 o centenário da célebre viagem dos modernistas de São Paulo às cidades históricas de Minas Gerais. Na Semana de Arte Moderna de 1922, o Brasil descobriu a arte moderna, mas na Semana Santa de 1924, a arte moderna descobriu o Brasil. Aqui nasceu a primeira arte criada pela mão do povo brasileiro, e por meio de seus significados o modernismo da década de 1920 naturalizou-se e conquistou as dimensões infinitas do país.

É preciso que essa herança não desapareça por falta de atenção e dos investimentos necessários à sua adequada proteção e conservação. Preservar o patrimônio cultural mineiro é uma tarefa incontornável e missão de todos.

Quando o governo de Vossa Excelência, Senhor Governador, comemora o notável crescimento do turismo, não nos esqueçamos de que os atrativos turísticos em Minas Gerais são sobretudo derivados da nossa força cultural, pois é a história que nos particulariza no coração do Brasil.

Ilustres Agraciados, Senhoras e Senhores,

Que o sentimento vibrante dos Inconfidentes anime sempre o povo mineiro a salvaguardar os registros históricos de nossa parcela de suor e sangue na construção da pátria brasileira.

Viva Tiradentes, viva Bárbara Heliodora, viva a cultura, viva a liberdade!

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