Sem “Natal de Luz”, Jardim de Mariana será interditado para obras de revitalização

Intervenção foi aprovada em audiência pública realizada nesta segunda-feira (11) no Centro de Convenções.

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Por João Paulo Silva Publicado em 12/11/2019, 14:06 - Atualizado em 13/11/2019, 16:49
Foto-Crianças observam a Praça Gomes Freire que passará por intervenções sob o comando da Renova nos próximos meses. Crédito-João Paulo Teluca Silva. Siga no Google News

Representantes políticos, membros do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural (COMPAT) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), comissão técnica da Fundação Renova e moradores do centro histórico se reuniram no Centro de Convenções Alphonsus de Guimarães, em Mariana (MG), na noite desta segunda-feira (11).

O motivo do encontro foi a audiência pública sobre o projeto de revitalização da Praça Gomes Freire. O evento que contou também com grande número de servidores comissionados, teve como objetivo a apresentação, discussão e votação das propostas de intervenção no Jardim.

Projeto é aprovado pela “população”

O prefeito Duarte Júnior afirmou que a revitalização do Jardim sempre foi defendida por ele e que os recursos oriundos da Fundação Renova são condicionados justamente a esse fim. "Não havia nenhuma possibilidade de que tal recurso fosse investido em outra área". Além disso, conforme ressaltou o chefe do executivo municipal, o projeto "foi escrito a lápis", juntamente com os moradores, rebatendo as críticas de que a ação teria sido construída de "cima para baixo".

Em seguida, a equipe da Fundação Renova que conduziu o projeto de revitalização, apresentou um vídeo baseado nas intervenções que foram inicialmente pensadas para a praça. O mesmo material foi apresentado para uma parte da população na Casa Jardim, logo após uma visitada guiada no dia 03 de novembro e foi alvo de inúmeras críticas. Isso fez com ele fosse adaptado às exigências da comunidade.

Logo após, o arquiteto e paisagista mexicano Marco Nieves expôs o resultado final do projeto, de acordo com a equipe, “baseado em opiniões e críticas dos moradores do entorno do Jardim”. “Uma parte importante levada em consideração na construção do projeto foi a preocupação em criar nas pessoas novas lembranças positivas em relação ao espaço. As formas mudam, a essência permanece”, afirmou.

Foto-O arquiteto e urbanista mexicano Marco Nieves, ligado à Fundação Renova um dos responsáveis pelo projeto de revitalização do Jardim. Crédito-João Paulo Teluca Silva.

Jardim sem luzes

O prefeito Duarte Júnior solicitou aos presentes que se posicionassem “contra” ou “a favor” do fechamento imediato da Praça Gomes Freire. A maioria das pessoas presentes foram favoráveis ao início da obra ainda em 2019 e não após as festas de fim de ano ou do Carnaval, como também foi sugerido, principalmente pelos comerciantes do entorno.

“Deste modo, a Praça Gomes Freire não receberá iluminação e enfeites para o seu já tradicional “Natal de Luz”. No entanto, outros pontos da cidade deverão ser enfeitados para as comemorações das festas de final de ano”, informou o executivo municipal.

Embora o projeto ainda não tenha sido avaliado pelo IPHAN e ainda precise passar pelo crivo do COMPAT. Uma série de questões burocráticas deverão tramitar antes do início das obras. O cronograma está nas mãos do executivo municipal e deverá levar cerca de sete meses até a sua conclusão.

Marianenses contra e a favor

Vários marianenses presentes na audiência pública se inscreveram com a intenção de fazer proposições, críticas ou elogios ao projeto de revitalização da praça Gomes Freire.

Bernardo Campomizzi Machado, especialista em Direito Ambiental e Minerário e diretor na 172ª Subseção da OAB/MG, leu um texto de sua autoria. Singelo, porém firme, a carta lembrou o crime da Samarco em 2015.

Foto-"Quem somos e o que queremos, marianenses?", questiona Bernardo Campomizzi. Crédito-João Paulo Teluca Silva.

“Somos filhos daqueles que frequentaram o Jardim para comemorar vitórias, chorar derrotas, abraçar amigos, beijar na boca, tomar cerveja, recitar versos, ouvir música, trocar ideias, jogar conversa fora, rir de palhaços, deixar o tempo passar, simplesmente passear. Somos filhos do Jardim. Hoje querem renovar o Jardim transformando-o em Praça. Projeto moderno, originado de um crime que não se cala e não vai se calar nunca. A lama não sairá de nós e não deve ser lavada. Precisamos de cuidado, só.Temos outras prioridades”.

Vale ressaltar que Campomizzi também atua como Conselheiro do Codema e do Compat de Mariana.

A advogada e secretária do Conselho de Patrimônio Histórico de Mariana, Fátima Melo, parabenizou o projeto apresentado pela Renova e agradeceu o acolhimento das reivindicações dos moradores envolvidos em todo o processo de elaboração.

Foto-A advogada Fátima Melo foi uma das que aprovou o projeto. Crédito-João Paulo Teluca Silva.

“O projeto está lindo e acredito que ele ficará para a posteridade. Mas gostaríamos de pedir ao senhor prefeito que mantenha a beleza do Jardim. Não adianta fazer esse projeto lindo se a prefeitura não continuar apostando nele. Sobretudo, precisamos acabar com essa cultura de que um prefeito entra, realiza ações e o próximo apenas deixa para lá. Nós temos que buscar e lutar pela mantença do Jardim. Nós vamos cobrar da administração pública essa continuidade”.

Lúcio Tadeu, morador do entorno do Jardim participou, junto à Associação dos Moradores do Centro Histórico, de todo o processo de construção do projeto. De acordo com ele, mais importante que a revitalização é a manutenção pós-obra.

Foto-Lúcio Tadeu também se mostrou favorável ao projeto de revitalização. Crédito-João Paulo Teluca Silva.

“A prefeitura deve se atentar às ações educativas que podem, por exemplo, serem levadas às escolas. Hoje, infelizmente, o que se vê no Jardim é um completo descaso por quem utiliza o espaço. Parabéns, vocês foram muito felizes e realmente atenderam todas as demandas da associação”.

O comerciante Arthur Moreira também parabenizou o projeto da Fundação Renova, mas propôs que as obras fossem iniciadas apenas com o término do verão, visto que as obras, de acordo com ele, poderão impactar as vendas no comércio do entorno do Jardim. “Eu gostaria que as obras fossem postergadas para depois do Carnaval, porque é o momento que a cidade recebe menos turistas. É apenas uma proposição, mas estou de acordo com o que seja melhor para a cidade”.

Aida Anacleto, presidente do Conselho da Igualdade Racial, também opinou sobre o projeto de revitalização e apontou outras demandas para a cidade.

Foto-Para Aida Anacleto a atual situação do jardim é resultado de anos de descaso. Crédito-João Paulo Teluca Silva.

“Essa discussão do que vamos fazer com o nosso Jardim, construído pelo meu povo de origem africana, só atesta que o local chegou a essa situação porque ali faltou cuidado. O local está imundo, não tem segurança, a não ser quando está lá o nosso povo preto. Aí sim, sabemos bem como as coisas funcionam. Nós não somos contra a revitalização, apenas queremos saber qual o valor real dessa obra. Nós temos uma cidade que passa por sérios problemas de infraestrutura, haja vista as praças dos nossos distritos”.

O projeto de revitalização da Praça Gomes Freire

O projeto de revitalização é uma iniciativa no âmbito das ações compensatórias da Renova, entidade responsável pela mobilização para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em 2015.

Solicitado à Fundação pela Prefeitura Municipal e incluída em um termo de cooperação assinado em 16 de julho, quando se comemorou o “Dia de Minas”, está sob responsabilidade da empresa Gema Arquitetura e Urbanismo, já foi alvo de críticas e tema de uma primeira audiência pública, realizada no auditório do Cine Teatro Municipal (antigo SESI Mariana), em 1° de outubro.

Primeiro encontro: população resiste

Na ocasião, foi apresentado o pré-projeto arquitetônico e paisagístico proposto pela equipe técnica da Renova que se pretendia realizar no Jardim, além de esclarecimentos sobre a ação. Essa primeira audiência pública apenas evidenciou o posicionamento de parte da população da cidade histórica que se colocava contra qualquer tipo de intervenção capaz de descaracterizar o “estilo bucólico da praça” que passou por inúmeras transformações ao longo dos séculos e foi até cenário para gravação de novela da Rede Globo em 2018.

Foto-Audiência pública realizada no dia 1° de outubro. Crédito-João Paulo Teluca Silva.

Um grupo autointitulado “Amigos do Jardim” chegou a listar prós e contras do projeto de revitalização e chegou a questionar - “Qual o levantamento feito pela Prefeitura para propor o projeto de reforma do Jardim?”. Um abaixo assinado chegou a circular pelas redes sociais. Alguns itens expostos pela equipe técnica da Renova geraram manifestações espontâneas e contrárias na maioria dos presentes que desaprovaram o corte ou remanejamento de árvores, de acordo com os especialistas, “doentes” e a construção de palco permanente para eventos no Jardim, sendo que o último já foi descartado do pré-projeto.

Visita guiada

Com os moradores ainda resistentes, uma visita guiada ao Jardim, com a intenção de esclarecer vários pontos técnicos discutidos durante esta primeira audiência, foi agendada para o dia 03 de novembro. A visita técnica, que aconteceu às 9h, contou com a presença de cerca de 50 moradores do entorno. Nenhum membro do legislativo marianense esteve presente.

Na ocasião, entrevistado pela equipe de reportagem do Jornal Voz Ativa, o responsável pela área de paisagismo no projeto de revitalização do jardim, Marco Nieves, explicou que a intenção da visita guiada foi entender as necessidades funcionais e de composição que necessitam ser melhoradas na praça e as direções que devem ser tomadas no projeto. “Um dos objetivos dessa visita também foi ouvir a população e as suas sugestões e fazer um projeto capaz de continuar sendo amado pelos marianenses”.

Foto-Visita guiada à Praça Gomes Freire. Crédito-João Paulo Teluca Silva.

Dentre as ações propostas e ilustradas em manual entregue pela própria Fundação Renova constavam: remoção de árvores, novos bancos, melhoria na iluminação, ampliação da área de estar, novos jatos de água, ampliação do acesso à praça, reposicionamento do bebedouro de cavalo e do busto de Gomes Freire, além de restauro do mesmo.

Moradores fazem concessões

Algumas dessas proposições foram aceitas pelos moradores, após a visita guiada e apresentação de um vídeo na Casa Jardim. Entre crítica e euforia, ficou acordado entre as partes: a realocação do busto de Gomes Freire e do bebedouro para a região norte da praça, a criação de bancos contínuos e de rampa de acessibilidade, além da transformação da área em frente ao Cine Teatro e ao Hotel Central em área de convivência.        

Em outros aspectos, os moradores foram relutantes. Mudanças como a instalação de bancos contínuos na chamada "área de estar", eliminação da "ponte" existente entre os dois lagos e a substituição do piso da praça foram consideradas inadequadas pela comunidade. A proposta de ampliação da calçada do início da Rua Dom Viçoso em direção à Rua Frei Durão também foi duramente criticada.

Como surgiu a polêmica

Toda a polêmica envolvendo a revitalização da Praça Gomes Freire começou a pipocar nas redes sociais, após a Prefeitura Municipal divulgar um vídeo em sua fanpage informando o “investimento” de mais de R$ 3 milhões em obras que contemplariam a troca de piso, remanejo de árvores, iluminação, instalação de câmeras de segurança, ponto fixo para policiais militares, construção de banheiros públicos, palco permanente, nivelamento da rua, entre outras intervenções. Internautas criticaram duramente o anúncio e muitos afirmaram haver medidas mais importantes e urgentes a serem tomadas no município.

No dia 27 de setembro, O Jornal Voz Ativa publicou uma extensa matéria sofre o fato. A equipe de reportagem do portal ouro-pretano ouviu especialistas da arquitetura e engenharia, pesquisadores, moradores e representantes políticos.

Matéria Especial: Revitalização da Praça Gomes Freire nem começou e já causa polêmica em Mariana-MG.

O vereador Bruno Mól afirmou ter entrado com um requerimento nesta segunda-feira (11) na Câmara de Vereadores, solicitando que o município não iniciasse as obras antes das festas de final de ano. “Mas o vereador Geraldo Sales pediu vista nesse requerimento, impossibilitando a participação do legislativo nesse momento”.

Mól se referiu à audiência pública como “vergonhosa”, afirmou que o encontro foi composto por “noventa por cento de servidores nomeados que votaram pelo interesse da prefeitura”.

Foto- O vereador Bruno Mól afirmou que a audiência pública foi composta por “noventa por cento de servidores nomeados". Crédito-João Paulo Teluca Silva.

“É um absurdo, uma vergonha. Não pode ser dessa forma. Isso não é democracia, mas autoritarismo. Está parecendo o Evo Morales lá na Bolívia. Os comerciantes estão sofrendo e alguns chegaram até a pedir que a praça não fosse fechada nas festas de final de ano. Lamentável”, criticou.

Foto-Audiência pública sobre projeto de revitalização da Praça Gomes Freire aconteceu nesta segunda-feira (11), no centro de Convenções de Mariana. Crédito-João Paulo Teluca Silva.

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