Atividade minerária em municípios mineiros é alvo de denúncias de violências
“Era uma pessoa simples, trabalhadora, mas tinha minha autonomia. Depois do rompimento, adoeci, tomo 3 antidepressivos”, disse o agricultor marianense Marino D’Angelo Júnior.
Descaso com a saúde da população atingida e convívio diário com ameaças e agressões. Essas foram algumas das denúncias de moradores atingidos pela atividade minerária nos municípios de São Joaquim de Bicas, Brumadinho, Ouro Preto, Mariana, Conceição do Mato Dentro (todos na Região Central) e comunidades do Vale do Jequitinhona e do Norte de Minas.
Os relatos foram apresentados em audiência pública da Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) ocorrida nesta terça-feira (20/8/24). A reunião foi requerida pelos parlamentares Leninha, Doutor Jean Freire e Leleco Pimentel, todos do PT.
Uma “arquitetura de impunidade criada em torno do setor minerário” foi o termo usado por frei Rodrigo Péret, membro da Rede Igrejas e Mineração, para definir a situação.
Ele questionou os acordos de reparação realizados em razão dos rompimentos das barragens em Brumadinho e Mariana, pois revitimizam o atingido ao fazê-lo negociar com a mineradora e aceitar os parâmetros impostos por ela. “Esses acordos colocam a empresa dentro do território, controlando a cena do crime”, enfatizou.
Para Valéria Carneiro, liderança do Assentamento Pastorinhas, em Brumadinho, “a reparação é muito mais danosa que o crime em si. O crime tem dia e hora para terminar. A reparação abre o nosso território para a mineração”, disse. Ela acredita que exista hoje uma “indústria da reparação”.
“Com o rompimento da barragem, a Vale entrou em todos os territórios que ela queria. O rompimento se tornou lucrativo. "Valéria Carneiro, liderança do Assentamento Pastorinhas, em Brumadinho.
Danos à saúde afligem moradores
Relatos de doenças de pele e respiratórias aumentaram após a entrada das mineradoras nos territórios atingidos. Simone da Silva, da comunidade quilombola de Gesteira, no município de Barra Longa (Zona da Mata), afirma que sua filha apresentou sintomas alérgicos relacionados à presença da lama. “Nossas crianças estão contaminadas e adoecidas”, afirmou.
Henrique de Oliveira, liderança da Aldeia Naôxohã, em Paraopeba (Central), relatou situação parecida: “Meu filho de 3 anos tem o corpo todo marcado por feridas. Quando o levamos para os médicos da Vale, dizem que é só uma coceira sem relação com a contaminação”.
O caso da comunidade Piauí Poço Dantas, localizada em Itinga (Jequitinhonha), também foi lembrado. Djalma Gonçalves, liderança do Povo Aranã Caboclo, relatou problemas respiratórios em moradores devido à extração de lítio e a poeira que fica suspensa no ar.
“O Vale do Jequitinhonha está sendo transformado em uma zona de sacrifício." Djalma Gonçalves, liderança do Povo Aranã Caboclo
O agricultor Marino D’Angelo Júnior, representante da Comissão de Atingidos de Paracatu e Comunidades Rurais de Mariana, relatou sofrer problemas psicológicos: “Era uma pessoa simples, trabalhadora, mas tinha minha autonomia. Depois do rompimento, adoeci, tomo 3 antidepressivos”, disse.
Mineradoras respondem com ameaças
“A Vale quando não te compra, ela te persegue”. A frase é de Cláudia Saraiva, liderança da comunidade Ponte das Almorreimas, em Brumadinho. Ela conta que teve sua casa desapropriada para construção de uma estação de captação de água após o rompimento. “Fui perseguida por denunciar tudo o que a Vale fazia de injustiças”, afirmou.
De acordo com a liderança, é prática das mineradoras infiltrar pessoas na própria comunidade para vigiar aqueles que se dizem contra a mineração. “Fui coagida no meu emprego e abandonei 32 anos de concurso público para que eu pudesse viver”, relatou.
William de Souza, cacique Sucupira Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe, de São Joaquim de Bicas, reafirma o método de coerção: “Eles entram dentro da comunidade e colocam os parentes uns contra os outros”. Ele consta como réu em um processo aberto pela Vale por tentar impedir a construção de uma estrada que atravessava o seu terreno.
De acordo com o cacique da Aldeia Arapowã Kakya Xucuru Kariri, em Brumadinho, Carlos José da Silva, “a mineradora nos intimidou com caçambas de barro e mais de 30 jagunços impedindo o acesso à comunidade”. Segundo ele, “a Vale diz que é dona do território”, mas isso não os impede de resistir.
Atuação das instituições de justiça é criticada
Segundo Matheus Leite, advogado da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais (Ngolo), as instituições de justiça brasileiras possuem forte relação com as mineradoras, o que leva à impunidade. “É uma vergonha, mas os atingidos precisam buscar justiça nos tribunais internacionais. Nós não podemos contar com o Poder Judiciário que existe no País”, afirmou.
Wagner Dias Ferreira, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG, afirmou que a comissão tem atuado para intensificar visitas in locco a territórios atingidos. "Queremos sair de dentro do espaço institucional e ir a campo para construir diálogos", afirmou.
Já o servidor da Coordenadoria da Região Metropolitana de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos) do Ministério Público do Estado, Jonas Vaz Leandro Leal, ressaltou a importância de violações como as relatadas na audiência serem levadas ao conhecimento do promotor das comarcas locais.
O representante da Cimos frisou que há no Ministério Público mecanismos internos de controle que podem ser acionados pelos atingidos quando a promotoria não atuar a contento. Citou como exemplo a Ouvidoria do órgão, que atende pelo 127.
Segundo o deputado Leleco Pimentel, entre os requerimentos da comissão a serem encaminhados, está o que vai requisitar proteção a todos os presentes à audiência em função das denúncias relatadas.
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