Praça Gomes Freire, fragmento da lembrança cultural e social de Mariana-MG

Espaço físico do Jardim revela fragmentos importantes da história marianense.

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Por JornalVozAtiva.com Publicado em 24/04/2019, 22:07 - Atualizado em 04/07/2019, 23:08
A Praça Gomes Freire é um espaço de pluralidades. Crédito-Samuel Senra. Siga no Google News

Reportagem e fotografia – Samuel Senra

A todos os turistas que percorrem o centro histórico de Mariana (MG), fica a sensação de que no Jardim se tem o encontro mais demorado. Após transitarem pelos vários pontos turísticos da cidade – e olha que são tantos e tão importantes para contar e compor a história marianense –, é no entorno dessa pracinha, e também ali mesmo, oficialmente chamada Gomes Freire e carinhosamente apelidada de Jardim pelos moradores, que todos eles, turistas, estudantes e marianenses, acomodam-se para respirar. Nos barzinhos e restaurantes ao redor da praça têm-se um pedacinho da cultura e culinária mineira.

Em um final de tarde de uma quinta-feira, a turista Heroína Santos, de 82 anos, cuja visita a cidade fora a passeio, faz questão de elogiar a comida dos restaurantes enquanto saboreia um chope gelado, num dos barzinhos, de frente para a praça, diante da vista privilegiada. Para ela, a arborização e o paisagismo presente no Jardim contribuem para compor o charme do lugar, rodeado pelos casarões e junto aos banquinhos sob a sombra das árvores.

A escritora Hebe Rôla, marianense e professora emérita da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), ligada a diversos movimentos culturais na cidade, relembra que ali mesmo, no Jardim, noutros tempos, ainda era possível encontrar flores de tília, hortênsias e rosinhas, em meio aos bancos de madeira, na ideia de um canto bucólico de Mariana. Recordando ainda das bandas que se revezavam para tocar no coreto, em comemorações diversas e festividades.

Mesmo diante de sua extrema importância para o imaginário cultural e histórico dos moradores e turistas na cidade, a praça Gomes Freire carece de informações e estudos sobre sua composição histórica. Fato evidenciado em artigo escrito pelo professor de comunicação da Ufop, Cláudio Coração, e pelo aluno de Pós-Graduação, Filipe Carneiro, chamado “De quem é a praça Gomes Freire?” Eles discorrem que, “talvez por ser um local estritamente público desde a sua origem (sem grandes amarras da Igreja e do poder político, por exemplo), o Jardim não tem sua ‘história oficial’ acessível e declamada de forma tão clara, objetiva e formal como os espaços e os monumentos católicos, das esferas do executivo, legislativo, judiciário e da elite marianense, quase todos exaltados em roteiros e passeios turísticos”.

No estudo, eles ainda citam o livreto “História da Praça Gomes Freire: o Jardim de Mariana”. Segundo eles, esta é uma “rara obra dedicada exclusivamente ao assunto”, na qual é relatado que “a área onde hoje se encontra a praça Gomes Freire se desenvolveu, ainda no período colonial, atrelada ao rossio”. Neste livro, eles contam: “era ali, no limite do Rossio, que paravam os cavalos e as pessoas se preparavam para entrar ou sair da vila, desenvolvendo nesse espaço uma tradição de apropriação informal, um espaço popular (ALVES; FIGUEIREDO; PAIVA, 2010, p. 13)”.

Anteriormente a Gomes Freire, a praça já foi conhecida oficialmente pelos nomes de Largo das Carvalhadas e também Praça da Independência. O local, ponto de lazer para as famílias marianenses, principalmente aos domingos, vive também uma constante e necessária apropriação de seu espaço público. A praça constantemente é sede de eventos promovidos pela prefeitura, promovendo também festivais como o Circo Volante e reuniões culturais entre os jovens, como a Batalha das Gerais.

O Jardim é espaço de pluralidades, mesmo até com certo controle de sua apropriação por órgãos públicos municipais. Marianenses, universitários e turistas, ainda que dentro de uma demarcação simbólica e social, dividem o espaço e se confraternizam. Nos jogos decisivos de futebol dos times mineiros, atleticanos e cruzeirenses se dividem pelos bares, e comemoram títulos na praça, às vezes, é claro, com barulho e foguetório.

É evidente que o espaço social do Jardim oferece uma série de indicativos culturais sobre a constituição da cidade de Mariana para além do que está situado apenas em sua arquitetura propriamente dita. Hebe Rôla ilustra as relações sociais marianenses no tempo ao contar histórias peculiares existentes e vividas ali ao longo de vários anos.

“Tem o lago da ferradura no Jardim, que é chamado ‘ferradura’ por causa da cavalaria do Conde de Alcimar. Mas para nós, aquela ferradura era da sorte, e a gente pedia para arrumar namorado, para o namorado não brigar com a gente, a gente era ingênuo demais”, relembra ela descontraidamente. Conta ainda que o espaço da praça era utilizado frequentemente para reunião de debates políticos entre os pertencentes dos clubes Marianense e Guarany. Fruto de uma rivalidade política histórica na cidade entre os irmãos Gomes Freire e Augusto Freire.

Frederico Ozanan, outro morador antigo de Mariana, também se recorda da praça. Ele conta que era ali que se davam as paqueras entre os moradores da cidade. Enquanto as moças ficavam no passeio do Jardim, os olhares eram trocados à distância, já que os homens ficavam na rua, pois raramente trafegava um carro. Mencionando ainda sobre a bomba de combustível instalada na praça e utilizada pelos poucos automóveis que existiam na época.

O espaço físico do Jardim também revela fragmentos importantes da história marianense. Como é o caso do coreto e seu registro em alto relevo datado em 1937, evidenciando o quão antiga é a pracinha. Talvez muitos não percebam, mas ali dentro do coreto e abaixo ainda existe uma mini sala, usada para alojar materiais para a manutenção da praça.

De fato, o Jardim é um lugar nostálgico para o cidadão marianense e para aqueles que puderam vivenciar parte de suas idas e vindas na cidade. Cada pedacinho dele carrega um significado para cada geração e para cada uma das pessoas que ali puderam passar e confraternizar um tempinho que seja de suas histórias.

Com mudanças naturais em seu espaço físico ao longo dos anos, e reformas necessárias que têm por obrigação preservar suas características principais, Hebe Rôla espera “que o Jardim continue sendo o que ele sempre foi. Um lugar de refúgio para todos, um lugar de descanso para todos, um lugar de lazer para todos, um lugar de vida para a população idosa, para a população adulta, jovem e para a criançada. Onde toda a população se sinta dona daquilo ali, pois ele não pode deixar de ser propriedade da sociedade, da nossa comunidade”.

Foto antiga do Jardim. Crédito-Autoria desconhecida.

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