A música indie, vista como movimento, pode significar um monte de coisas e, ao mesmo tempo, não significar nada. Afinal, é um conceito tão amplo que ao abarcar qualquer estilo musical, é impossível defini-la a partir de um gênero.
Contudo, assim como o termo indica, ela se refere a um tipo de movimento que se opõe às lógicas culturais e aos padrões estabelecidos pela música. Ou seja, o conceito também muda ao passar dos anos.
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Se na década de 1970, ser indie era ir contra o virtuosismo das bandas progressivas como Pink Floyd e Yes, é possível dizer que o indie estava alocado no punk rock. No Brasil, surgiram bandas como O terço, Casa das Máquinas e Violeta de Outono, que nunca atingiram o sucesso comercial mas fizeram ótimos álbuns que se tornaram clássicos.
Em 1980, Inocentes, Ratos de Porão, Cólera e outras bandas da cena punk paulista percorreram o difícil caminho do underground. E com o boom do BRock chegando às rádios, alguns artistas viram seus conterrâneos se tornarem popstar enquanto se mantiveram à margem das grandes gravadoras. Por exemplo, o TNT e os Replicantes, que nunca atingiram o sucesso dos Engenheiros do Hawaii e Nenhum de Nós. Ou ainda, o Finis Africae, que jamais chegou ao patamar da Legião Urbana ou do Capital Inicial.
1990: A década do rock independente no Brasil
Nos anos 1990, com a chegada da MTV ao Brasil e um cenário econômico que permitiu que o mercado brasileiro se tornasse o 6º maior do mundo em vendas de cd’s, houve espaço até mesmo para bandas gravarem seus próprios álbuns. Na época, a famosa fita demo se tornou moeda de troca (e entrada) das bandas em festivais e uma forma de conseguirem investimento para um álbum completo.
Entretanto, enquanto o mercado fonográfico via as duplas sertanejas e bandas de axé atingirem o topo das paradas, o rock e o pop se reinventaram e ganharam seu espaço. Mas muito além de artistas como Skank, O Rappa, Raimundos e Charlie Brown Jr, o indie criou uma cena própria e característica. Festivais como o Abril Pro Rock (Recife), JuntaTribo (Campinas), Humaitá pra Peixe (Rio de Janeiro), Super Demo (itinerante) e BHRif( Belo Horizonte) deram voz e espaço para as bandas independentes.
Além disso, os fanzines (revistas de fãs, muito comuns no cenário indie daquela época) se espalharam e começaram uma divulgação própria de artistas que ainda buscavam seu lugar ao sol.
Los Hermanos: a banda que rompeu a barreira entre o indie e o mainstream
A banda carioca Los Hermanos merece um capítulo à parte para contar a história da música independente brasileira. Isso porque eles são considerados o ponto de virada entre o pop rock independente e as grandes gravadoras.
Em 1999, após um grande burburinho no cenário indie, os Los Hermanos assinaram com a Abril Music e estouraram com o single Anna Júlia. Sua mistura de hardcore com sopros e letras típicas do samba-canção caiu no gosto popular, abrindo espaço para as gravadoras buscarem no cenário underground mais bandas aptas para o sucesso.
Porém, o Los Hermanos optou pelo caminho contrário e, ao gravar seu segundo álbum em 2001 (Bloco do eu sozinho), eles propuseram remar contra o pop fácil e amargaram um certo estranhamento do grande público com as músicas sombrias e tristes do disco. Mesmo assim, o álbum foi ganhando culto ao longo dos anos, a ponto de figurar entre os melhores discos nacionais, figurando inclusive na lista das 500 maiores músicas brasileiras de todos os tempos.
A importância do Los Hermanos para entender o indie brasileiro é que, após o sucesso da banda, abriu-se um cenário onde todas as misturas passaram a ser melhor aceitas pelo público. Ou seja, se na última década foi possível o rapper Criolo misturar samba, rock, rap e pop sem soar histriônico, o crédito é do Los Hermanos. Pro bem ou pro mal.
A tênue linha que separa o indie do sucesso nas rádios
Falar em sucesso em tempos de streaming pode soar ainda mais complicado. Afinal, a forma de ouvir e consumir música nos últimos anos migrou do formato físico para as plataformas digitais. Em resumo, é possível que artistas sejam incensados por uma parte do público que lota shows, os posicionam no topo do ranking dos serviços de streaming e, ainda assim, não são conhecidos por outras gerações.
Outro exemplo são bandas com público fiel, que realizam turnês nacionais e sequer participaram de um programa de visibilidade nacional. Logo, definir o indie continua sendo uma tarefa bastante ingrata.
Critérios para a lista das 200 maiores músicas do indie brasileiro
A lista com as 200 maiores músicas do indie brasileiro segue um critério subjetivo. Ela foi organizada a partir da lembrança pessoal de artistas relevantes, de diferentes estilos musicais e que merecem a atenção do ouvinte que ainda busca novidades no cenário musical brasileiro.
Por isso, é possível que tenha faltado algum artista que merece figurar nela, e ela está aberta ao diálogo e mais inclusões. Por ser uma arte dinâmica e atemporal, listar canções, álbuns ou artistas é sempre uma situação polêmica e rodeada de opiniões que envolvem muito mais o gosto pessoal do que certezas.
Então, sinta-se à vontade para discordar ou pontuar qualquer observação sobre as escolhas aqui realizadas. Mas muito mais do que isso, esperamos que você curta a playlist!
10 curiosidades sobre os artistas que compõem a lista de 200 músicas do indie nacional
Gram | A banda paulista Gram surgiu no rastro do Los Hermanos e, com sua formação original, gravou dois álbuns e um ao vivo, com o selo MTV. O clipe de Você pode ir na janela ainda é um dos melhores feitos no Brasil e foi pensado e executado pelo ex-vocalista Sérgio Filho. Sérgio também foi responsável pelo clipe Na sua estante de Pitty, que se tornou o maior hit da cantora baiana e ainda é lembrado pelos fãs pela história triste do homem de lata.
Jay Vaquer | O carioca, filho da cantora Jane Duboc e do ex-guitarrista de Raul Seixas, Anthony Vaquer, chegou a emplacar vários hits na época da MTV. Jay já foi indicado 4 vezes ao Grammy Latino.
Grama Hero | Os belorizontinos estão na estrada há pouco tempo com o primeiro trabalho autoral, que mistura ska, rock alternativo e músicas em inglês. O Grama Hero é produzido pelo ex-guitarrista do Sepultura, Jairo Guedez.
Júpiter Maçã | Mais lembrado pelas novas gerações como o cara da entrevista nonsense no programa Matador de Passarinho, apresentado pelo músico Skylab, Júpiter Maçã possui um hit que é comumente confundido como uma canção de Raul Seixas. Trata-se de “Lugar do Caralho”, que foi trilha do filme “Wood & Stock: Sexo, orégano e rock n’ roll”, inspirado nos quadrinhos do cartunista Angeli.
Diesel/Udora/Oceania | A banda surgiu com o nome de Diesel, em BH, e chegou a tocar no palco mundo do Rock in Rio 3, em 2001, ao lado do Silverchair, Deftones e Red Hot Chilli Peppers. O primeiro álbum misturava o alterna metal com grunge, e após isso, eles lançaram mais um álbum em inglês, antes de trocar o nome da banda e começar a apostar em canções em português, como Udora. Em 2017, a banda foi reformulada e passou a se chamar Oceania. Já possui 2 álbuns gravados e retomou as canções em inglês. O primeiro baterista da Diesel, Jean Dolabella, tocou por alguns anos com o Sepultura e atualmente é o responsável pelas baquetas da cantora Pitty.
Phillip Long | O cantautor de Araras (SP) é um outsider da música e possui 13 álbuns, a maioria com influência folk e da música caipira brasileira. Além disso, Long já gravou discos que remetem a artistas como Belchior e Smiths.
O ritmo alto de lançamentos vai de contraponto a shows, já que Phillip Long sempre tocou muito pouco ao vivo. Em Minas, ele realizou dois, sendo um em BH e outro em Ouro Preto, na Casa da Ópera. Também participou dos tributos brasileiros ao Los Hermanos, Oasis, Belchior, Skank e Engenheiros do Hawaii.
André Frateschi | O músico, ator e multiinstrumentista, filho da atriz Denise Del Vecchio e do ator Celso Frateschi é, atualmente, o vocalista da turnê de Dado e Bonfá tocando as canções da Legião. Mas possui um sólido trabalho na TV, na carreira solo e também como cover do cantor inglês David Bowie.
Alexandre Nero | Famoso por seus papéis como ator na Rede Globo, Nero criou em 2001 a banda Maquinaíma, que chegou a fazer sucesso no cenário independente de Curitiba. Em 2011, lançou seu primeiro álbum solo, que conta com uma versão intimista de “Não aprendi dizer adeus”, de Leandro e Leonardo.
Tom Bloch | A banda esteve na ativa entre 1999 e 2009, e contava nos vocais com Pedro Veríssimo, neto de Érico Veríssimo e filho do cronista Luís Fernando Veríssimo. Ao lado do produtor Iuri Freiberger, eles gravaram dois álbuns.
Cansei de ser sexy | Possivelmente o primeiro hype brasileiro entre as bandas independentes, o CSS lançou seu primeiro álbum em 2005 e no ano seguinte chegou a assinar contrato com a Sub Pop, a gravadora que catapultou o Nirvana ao sucesso.
*Wendell Soares é jornalista, pós graduado em Marketing Digital, escritor, redator SEO, Social Media e aficionado pelo universo e cultura pop. Nascido em Ipatinga, se considera ouro-pretano de coração.
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