O moço se comunicava em Gestuno. Não havia uma viva alma por ali que soubesse se comunicar com ele. Faltava paciência nas pessoas em aprender, e de mais a mais, que retorno financeiro aquelas gentes teriam, caso aprendessem?
Tempos melancólicos esses em que as pessoas só pensam no retorno do vil metal.
Tanta coisa a fim de ser dita diante de tanto desinteresse em ouvir.
Temendo enlouquecer de vez, por culpa do silêncio social imposto pelos “normais”, o moço que se comunicava em Gestuno passou a dizer as coisas para si mesmo. Foi um grande ouvidor de suas próprias histórias; as mesmas que ninguém nunca se interessou em escutar.
Ria com elas.
Chorava.
Criava.
Recriava.
Gesticulava de tal forma que parecia dar cambalhotas pelos ares, por tanta ansiedade acumulada.
Até o dia em que “os normais” disseram – está louco; prenda-o e jogue-o no hospício – e assim o fizeram: prenderam-no e o jogaram lá, para o silenciarem de uma vez por todas.
Seu Lucrécio, tempos depois, disse-me que ele morreu assim, à mingua, emudecido pelos efeitos dos remédios “tarjas pretas”.
Eu prefiro a versão de Dona Dodô, que diz que um anjo menino veio sorrateiramente de madrugada, enquanto todos ainda dormiam; abriu o portão do hospício, o pegou pela mão e o arrebatou para o céu – onde está até hoje, conversando com Deus em Gestuno.
Sobre o autor
Após um breve hiato em sua produção para o JVA, Márcio Messias Belém está de volta falando de dignidade, respeito e inclusão para as pessoas com deficiência. Filho de pais surdos, o filósofo carioca se utiliza da crônica, do conto e mesmo da prosa para tratar de forma delicada e ao mesmo tempo descontraída de um tema que deveria ser mais discutido na sociedade.
Mas uma matéria interessante é rica de conhecimento. Parabéns ao outro
Muito bom parabéns ao autor