O antigo Paço da Misericórdia de Ouro Preto é um dos edifícios mais destacados da cidade, tanto por sua imponência arquitetônica quanto por sua importância histórica. Originado da antiga Chácara do Xavier, pertencente ao alferes Francisco Xavier no final do século XVIII, esse edifício passou por diversas modificações e ampliações ao longo dos anos, acompanhando seus diferentes usos.

No início dos anos 1830, a chácara foi comprada pelo alemão naturalizado brasileiro Henrique Guilherme Fernando Halfeld, Engenheiro da Província de Minas e responsável pela construção da estrada entre Ouro Preto e o Rio Paraibuna, que passava por Ouro Branco e Lafaiete, e fora iniciada em 1836 (BOHRER, 2013).

Anos mais tarde, em 1841, a chácara foi adquirida pelo governo da província para que fosse adaptada e servisse como Quartel de Polícia da Capital, o que ocorreu algum tempo depois. Entre as adaptações realizadas estão o prolongamento dos fundos (atual salão de exposições), onde foi instalada a estrebaria, e possivelmente a torre sineira e a capela. O quartel funcionou ali durante muitos anos, tornando-se parte da vida cotidiana da cidade, assim como o Quartel dos Dragões, então abrigado onde hoje fica o Colégio Dom Pedro II (MENEZES, 1982).

No início dos anos 1880, a Irmandade da Misericórdia propôs à Assembleia Legislativa a permuta do edifício do quartel pelo antigo Palácio dos Bispos (Fig. 5), na Rua Nova, que fora comprado pela irmandade em 1857, e que desde então abrigava a Santa Casa de Misericórdia[1]. A proposta foi aceita e oficializada em 1884, e já no ano seguinte o Major Engenheiro Modestino Augusto de Souza Martins, membro da irmandade, projetou e coordenou a grande reforma e ampliação das instalações (VEIGA, 1988).

A obra durou cerca de quatro anos e nessa ocasião o prédio dobrou de tamanho, recebendo toda a ala direita, além de ser adaptado para funcionar com um hospital moderno. A Santa Casa foi instalada no novo prédio em abril de 1889, ainda dividindo o espaço com o quartel, que foi transferido apenas no final desse ano (Fig. 6). A reforma dessa ala mais antiga do edifício durou ainda mais dois anos e também incluiu a reconstrução da capela em seu estilo atual (Fig. 7).

O retábulo da capela foi construído em 1890, por Manoel Domingues de Oliveira e Miguel Antônio Tregellas, e seguia o mesmo modelo do altar construído no consistório da Matriz do Pilar nessa mesma época. Curiosamente, a fachada do antigo quartel e que provavelmente também era a mesma da Chácara do Xavier, foi preservada no interior do novo edifício, sendo ainda visível no primeiro andar, no hall de acesso (MENEZES, 1972).

No começo da década de 1900, a fachada principal da Santa Casa foi modernizada, recebendo suas características neoclássicas atuais, com frisos e platibandas (Fig. 8) – parte delas foi retirada pelo SPHAN nos anos 1940. Em 1932, os vicentinos construíram anexo à Santa Casa o Asilo São Vicente de Paula, que em breve abrigará o Museu Boulieu de Arte Sacra (Fig. 9). Vários anexos foram acrescentados ao edifício ao longo do século XX, buscando adaptar o único hospital da cidade aos avanços dos tratamentos médicos e ao crescimento da população local.

Porém, no final dos anos 1990, sua estrutura já não apresentava mais condições de ser modernizada e um novo hospital foi construído pela Prefeitura na região da Bauxita, às margens da Rodovia Rodrigo Melo Franco, sendo assinado um convênio com a Mesa da Irmandade, que para lá transferiu a Santa Casa no final do ano 2000. O antigo edifício, agora sob a guarda da Prefeitura, ficou fechado por alguns anos à espera de novas propostas de uso, que incluíssem sua restauração.

Em 2005, surgiu uma proposta de restauração da antiga Santa Casa e sua requalificação como um espaço destinado à valorização da tradição artística e das manifestações culturais da cidade. Nascia assim a ideia inicial que levaria ao projeto do Paço da Misericórdia-Centro de Artes e Fazeres. Contando com recursos do BNDES e gestão da ADOP, essa restauração teve início em 2007, mas se prolongou por mais de dez anos, sendo finalizada apenas em 2018. O Centro de Artes e Fazeres, no entanto, não foi implementado e atualmente o espaço tem sediado feiras de artesanato esporádicas, além de abrigar algumas repartições da Prefeitura.

Referências
ABREU, Laurinda. O papel das Misericórdias dos lugares de além-mar na formação do Império português. Revista História, Ciências, Saúde - Manguinhos,vol. VIII (3): 591-611, Rio de Janeiro, set.-dez., 2001.
ANDRADE, Bernardo A. B., CHIODI, Carolina F. N., SILVA, Vanessa R. F., SIMÃO, Maria C. R. Ah, se essa Praça Falasse! Apropriação social da Praça Tiradentes em Ouro Preto/MG. Artigo apresentado no Encontro Internacional Arquimemória 4, Salvador/BA, maio 2013.
BOHRER. Alex Fernandes. Breve Histórico da Santa Casa De Ouro Preto. Pesquisa desenvolvida para a Secretaria Municipal de Patrimônio e Desenvolvimento Urbano de Ouro Preto, 2006. Versão digital.
DRUMMOND, Maria Francelina S. I. (Org.). Ouro Preto cidade em três séculos; Bicentenário de Ouro Preto; memória histórica (1711-1911). Ouro Preto: Liberdade, 2011.
FERNANDES, Liliane Alves. As Santas Casas da Misericórdia na República Brasileira 1922-1945. Dissertação de Mestrado em Políticas de Bem-estar em Perspectiva, Universidade de Évora, Portugal, 2009.
GASPAR, Tarcísio de Souza.“Consideração aos merecimentos de Henrique Lopes de Araújo”: notas preliminares sobre a história de um potentado mineiro (1711-1733) Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011.
MENEZES, Joaquim Furtado de. Igrejas e irmandades de Ouro Preto. Belo Horizonte: Publicações do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, 1975.
MENEZES, Ivo Porto de. Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto. Pesquisa e relatório apresentados à Fundação Roberto Marinho, 1982.
XAVIER DA VEIGA, José Pedro. Efemérides
Mineiras, 1664-1897. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1988.
[1] A Santa Casa de Misericórdia de Vila Rica foi fundada em 1730, vinculada à freguesia do Antônio Dias, com a intenção de oferecer tratamento aos enfermos pobres e desamparados. Sua primeira sede foi junto à antiga Capela de Santana, que ficava onde hoje é o CAEM, na Praça Tiradentes, e que foi demolida no final do século XVIII (Figs. 1, 2, 3 e 4). Segundo a tradição local, o prédio original ali erguido para a Santa Casa teria sido projetado por Manuel Francisco Lisboa, pai do Aleijadinho e que também construiu o Palácio dos Governadores, atual Escola de Minas. O prédio original foi comprado pela Assembleia Legislativa em 1857, e depois disso a Santa Casa funcionou em diversos outros imóveis da cidade até a permuta dos anos 1880.
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