Prosa na Janela – Lembranças de uma noite de junho

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Por Roberto dos Santos Publicado em 20/01/2020, 13:38 - Atualizado em 20/01/2020, 13:48

Sophia estava deitada em sua cama quentinha, e as lembranças de uma passagem de sua vida lhe tirava o sono. Não era sofrimento, mas uma nostalgia motivada por uma chuva fina e mansa que caia lá fora.

Olhando a vidraça embaçada, Sophia revivia em sua mente, os momentos em que sozinha se dirigia a sede do município para tomar chocolate quente e comer a sua torta preferida.

Era uma noite fria de junho, e ela romântica por natureza, de sensibilidade à flor da pele, aproveitava o som melódico da chuva que caia, para entregar-se aos pensamentos e reviver momentos marcantes que outrora povoaram seu existir.

Estava em sua casa no simpático distrito de Antônio Pereira, um pequeno lugarejo de mais ou menos cinco mil habitantes pertencente à cidade de Ouro Preto em Minas Gerais. E a memória que a chuva lhe trouxe, lhe fez chorar. Era um choro de saudade, regado a soluços e suspiros nostálgicos.

A bela mulher de estatura pequena, cabelos a altura dos ombros, jeito de menina, sorriso farto, corpo bonito, tinha além dos atrativos que os olhos podiam ver uma sensibilidade só dela. No trato com as pessoas se mostrava solícita e amável a ponto de provocar sorrisos.

Aquele cenário de chuva, a vidraça embaçada, o som das águas no telhado, trouxe a lembrança de um dia entre os tantos que fora a Ouro Preto tomar seu costumeiro chocolate quente e comer sua torta favorita. Ela sempre fazia isso. Era mais que um desejo. Sempre que podia visitava a cidade histórica, gostava das coisas bonitas que a mão de Deus teceu naquele lugar, paralelo a isso, separava um tempo para saborear as delicias de que gostava.

Depois fazia o caminho de volta com a mesma alegria de quem acabara de realizar um sonho. Era sempre assim.

Sophia estava em seu quarto envolta por um caloroso edredom, e seus pensamentos fluíam com lepidez. Dentre eles, sobressaiam flashes de uma dessas idas e vindas à sede do município.   

A sua memória começou a trazer os acontecimentos de um dia de junho, como aquele que vivia.

Seus pensamentos viajavam pela estrada que liga Antônio Pereira a Ouro Preto. Pensava no silêncio que estava mergulhada naquela tarde fria.  

O ônibus avançava lentamente na pista molhada, o barulho dos pingos no para-brisa, embalava os pensamentos dela. Vez por outra esboçava um leve sorriso parecendo sentir as manifestações de sua alma.

Talvez estivesse materializando interiormente a imagem de alguém que amava. Quem sabe fosse o desejo de que a solidão do momento fosse preenchida por alguém que só ela sabia.

Poderia ser também que estivesse vivendo no imaginário uma pretensa história de amor, e suas reações estivesse expressando sua alegria e contentamento, quem sabe?

Quando desembarcou no ponto de ônibus localizado na lateral do prédio da Escola de Minas, antigo palácio do governador, em Ouro Preto, a tarde findava e a noite já se aproximava.

Em meio à densa neblina caminhou na direção do costumeiro lugar onde suas guloseimas a esperavam, as pedras molhadas que calçavam a cidade, estavam escorregadias, mas Sophia sabia desse detalhe importante, e calmamente desfilava.

Passou pela Praça Tiradentes, desceu a rua direita e quase no final da rua, entrou e sentou.

Uma atendente do local logo providenciou seu chocolate quente, afinal a cliente era conhecida do lugar.

De novo Sophia era só pensamento. A enigmática moça se transformava e parecia sair de si, adentrando noutros mundos. A solidão parecia apenas aparente. Ela demonstrava alegria, suas feições tinham muito de felicidade.

Seus pensamentos tinham algo de mágico e grandioso, provocava nela reações inexplicáveis fazendo tudo parecer real, porém a materialidade dos fatos inexistia.

Depois do chocolate e da deliciosa torta, Sophia fez o caminho de volta com a mesma delicadeza. De diferente apenas os breves minutos que parou na praça Tiradentes para contemplar as belezas de lá.

Esse dia de junho, Sophia nunca mais esqueceu. O que aconteceu ninguém sabe. A bela moça não partilhou e nem registrou em palavras as lembranças desse dia de junho. Certamente era algo muito importante para ela.

A chuva ninou Sophia e ela dormiu. Os pensamentos se transformaram em sonhos e ela repousava sobre o inexplicável que só ela conhecia.

Talvez um dia ela revele o teor de seus pensamentos e confirme que se tratava de uma história de amor ainda não vivida.

E se for isso, será que esses pensamentos se realizaram? Não se sabe.

Sophia ainda hoje ostenta a mesma felicidade. Quem sabe nesse intervalo entre passado e presente o amor tenha acontecido?

Em que será que a bela Sophia pensava?

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