Vi na televisão que o governo federal lançou o programa “Conta pra mim”, de incentivo à leitura e promoção da alfabetização. Como tenho um olho no peixe e outro no gato, estava trabalhando na internet enquanto a TV estava ligada no home-office, logo “googlei” a expressão e deparo com um texto de uma jornalista chamada Shismênia Oliveira, no Portal do MEC, que informa que o referido projeto faz parte da Política Nacional de Alfabetização - PNA, proposta central do ministro judeu e sobrenome judeu-alemão, aquele mesmo que odeia as universidades públicas e tem declarado aqui e acolá que nessas instituições há extensas plantações de maconha e laboratórios de química empenhados na fabricação de drogas sintéticas.
O polêmico ministro, professor sem doutorado da UNIFESP de Guarulhos, universidade criada nas gestões democráticas anteriores, destaca que o “programa é revolucionário, pela primeira vez existe uma iniciativa de valorização da leitura em família. [...] Cientificamente os resultados são muito robustos para as famílias que leem para seus filhos”.
Não duvido da segunda parte da desse pequeno trecho da declaração do primeiro. Pesquisando a formação de leitores desde 1993, quando fiz meu mestrado, e posteriormente no doutorado, entre 1998 e 2002, continuei me debruçando sobre a questão, tanto em disciplinas ministradas para cursos de Pedagogia e Letras, quanto em programas de mestrado e doutorado em que atuo, já encontrei inúmeras pesquisas que demonstram a efetividade da família como instância promotora e incentivadora da leitura, que chamamos tecnicamente de “agência de letramento”. Quanto a ser um “programa revolucionário” já não tenho a mesma certeza do ministro.
Não precisa ser especialista em educação para chegarmos a certas conclusões. Por exemplo, se atentarmos para nossos vizinhos, parentes e amigos, podemos observar que nas casas em que os pais sempre estão às voltas com livros, jornais e revista (mesmo os jornais e revistas digitais, muito mais comuns hoje em dia), nos lares em que pais e mães leem para os filhos, sejam mansões ou mansardas, para lembrar as palavras de um outro presidente que fez história pelas suas “trapalhadas” que arrasaram bastante o país, podemos encontrar filhos que têm sucesso escolar ou, quando não têm esse êxito, têm sucesso na vida, alcançando empregos rentáveis e em camadas superiores da pirâmide social.
Bem, a própria chamada da matéria, afirma que o Conta pra Mim “pretende estimular o desenvolvimento intelectual na primeira infância com técnicas simples usadas pelos pais dentro de casa”. Ora, se “técnicas simples” não se opõem necessariamente a um “programa revolucionário”, as expressões soam, no mínimo, um pouco destoantes.
Mais abaixo na dita matéria da jornalista de nome esquisito, eu vejo que o Conta pra mim se inspira nos achados da “literacia familiar”. Todos nós, pesquisadores que investigamos a leitura, a escrita e a alfabetização desde meados dos anos 1980, sabemos que a palavra “literacia” é usada em Portugal para se referir ao que chamamos de “letramento”. Literacia é mais próximo da palavra inglesa literacy, que significa alfabetização, e nos países anglófonos, a partir dos estudos sobre a alfabetização fundamentados em bases antropológicas e sociológicas, foram batizados com a expressão “new literacies studies”.
Fortalceu-se, no Brasil, a partir de então, uma área de estudos sobre alfabetização, leitura e escrita que recebeu o nome “estudos do letramento”, posteriormente pensados no plural, como “letramentos”, que podemos pensar também num letramento matemático, geográfico, filosófico e até mesmo político.
A principal base dos estudos sobre o letramento, avançando os estudos da alfabetização, é o seu aspecto social, como já dissemos acima. O eminente filósofo e educador Paulo Freire, um dos pesquisadores brasileiros mais citados e doutor honoris causa por 35 univesidades europeias e americanas, muito embora nunca tenha usado o termo “letramento” em seus trabalhos, partiu exatamente dos princípios sociológicos para pensar as suas propostas de educação, muito mais do que apenas alfabetização.
O nome de Paulo Freire tem estado em voga a todo momento na mídia, tendo em vista a perseguição às suas ideias, considera das “comunistas” e “ideologizantes” pelos atuais mandatários do país. O presidente chamou-o, inclusive, de “energúmeno”. Quem não souber o significado, pode procurá-lo no dicionário, o “pai dos inteligentes”, porque só os sábios buscam sentidos de palavras em tais livros, e então de “pai dos burros” ele nada tem.
O Conta pra mim, em si, parece-me um programa bacana, aparentemente cheio de boas intenções, e com muita possibilidade de “dar certo”, ou seja, ajudar na formação de leitores. Há, no entanto, um grande perigo nisso e isto está relacionado a uma ideia que circulou bastante no início do ano de 2019, quando então tomaram posse o presidente e seus asseclas: a possibilidade da “educação em casa”, a não obrigatoriedade de a criança frequentar escolas, podendo “aprender com os pais”, longe das ideias de professores “esquerdopatas”, longe do convívio com crianças de toda sorte de cor, religião, raça e gênero, palavra proibida pelos manda-chuvas, principalmente o “rei e seus três príncipes”.
Desenvolveremos esta ideia na próxima crônicas: as possíveis relações entre o Conta pra mim e o “educação domiciliar”, que os mais metidos chamam de homeschooling.
Deixar Um Comentário