‘A classe média está morrendo?’, por Emilio Moreno Plascencia

“Finanças para todos”: Leia o novo artigo do colunista mexicano Emilio Plascencia.

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Por Emilio Moreno Plascencia Publicado em 06/05/2025, 16:11 - Atualizado em 06/05/2025, 16:11
Foto — Emilio Moreno Plascencia. Crédito — Reprodução. Siga no Google News

Durante décadas, a classe média foi o símbolo do equilíbrio. Não era riqueza excessiva nem pobreza estrutural, mas a promessa de estabilidade em troca de esforço: casa própria, estudos universitários, férias modestas e uma vida melhor para os filhos. Hoje, essa promessa está se desfazendo. De Guadalajara a Milão, de Ouro Preto ao Porto, milhões de pessoas com formação, trabalho e disciplina já não conseguem manter esse padrão de vida. A classe média está desaparecendo? A pergunta é legítima. E a resposta tem implicações graves.

Enquanto o PIB global cresce e as empresas batem recordes de lucros, o cotidiano se torna mais caro, mais incerto, mais instável. Em apenas cinco anos, o preço da moradia aumentou 70% em Lisboa, mais de 40% na Cidade do México e cerca de 30% em cidades como Milão ou Barcelona. Ao mesmo tempo, os salários permaneceram praticamente estagnados. No Brasil, por exemplo, o salário mínimo perdeu 20% do seu poder de compra entre 2014 e 2022. Nos Estados Unidos, um trabalhador que recebe salário mínimo precisa trabalhar mais de 100 horas por mês apenas para pagar um aluguel básico. O vínculo entre produtividade e salário foi quebrado. O acesso à moradia virou privilégio. O ensino superior já não garante mobilidade social. E os sistemas públicos de proteção estão saturados ou em retrocesso. Aquilo que antes era básico hoje se tornou inalcançável. E isso não é apenas um problema econômico: é um desequilíbrio social com consequências perigosas.

Quando milhões de pessoas deixam de acreditar que o esforço leva ao progresso, o tecido democrático enfraquece. A frustração se transforma em radicalismo, violência ou fuga de cérebros. Na América Latina, a falta de oportunidades reais leva muitos jovens a entrarem em redes criminosas. Na Europa, o desinteresse alimenta a polarização política. Em ambos os casos, o desaparecimento do centro social abre espaço para os extremos. E sem centro, as democracias desmoronam.

Não basta apontar o que deveria ser feito. Precisamos de soluções concretas. Uma delas, viável e replicável, é a criação de um fundo nacional de capital semente para jovens trabalhadores, financiado por impostos progressivos e contribuições empresariais, administrado com transparência pública. Esse fundo ofereceria, ao completar 23 anos, um capital direto entre 5.000 e 10.000 dólares (ou o equivalente em moeda local) a todos os jovens que tenham trabalhado pelo menos dois anos no setor formal. Esse capital não seria um subsídio assistencialista, mas um instrumento de partida: para empreender, estudar, comprar moradia ou investir.

Mas entregar capital sem educação é apenas adiar o problema. Por isso, essa proposta deve vir acompanhada da implementação obrigatória e contínua de educação financeira e cívica prática no ensino médio: gestão de dinheiro, investimento responsável, impostos, previdência social, aluguel, poupança, contratos, habitação, aposentadoria. Em poucas palavras, ensinar como funciona a economia real. Não se trata de formar especialistas em finanças, mas cidadãos capazes de sobreviver — e prosperar — dentro do sistema.

Com isso, não se cria dependência, e sim autonomia. Reconhece-se que, em um sistema onde as condições de partida são cada vez mais desiguais, o justo é nivelar a linha de largada, e não apenas premiar quem chegou mais longe. É uma política que gera esperança sem criar clientelismo. E tem um efeito colateral imenso: reconstrói a confiança no sistema.

Se não agirmos agora, o custo será muito mais alto. A classe média funciona como amortecedor da sociedade: equilibra, estabiliza, contém. Seu desaparecimento não arrasta apenas quem a compõe, mas todo o modelo. A democracia, a paz social, a confiança coletiva — tudo isso está em risco.

A classe média não está morta, mas seu pulso enfraquece. E se cair, não cairá sozinha.

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