VÍDEO — O curioso caso da estátua de Tiradentes esquecida em uma área de mata

Por JornalVozAtiva.com Publicado em 25/04/2025, 15:22 - Atualizado em 25/04/2025, 15:56

Monumento à Tiradentes em mata de João Pessoa, em 2012. Google Street View/Reprodução

Uma intrigante descoberta agitou as redes sociais nos últimos dias na capital paraibana. Uma estátua de Tiradentes, surpreendentemente envolta pela densa vegetação na encosta do Cabo Branco, em João Pessoa, emergiu como um enigma a ser desvendado.

O monumento, que retrata o mártir da Inconfidência Mineira com correntes nos pulsos e a simbólica corda no pescoço, encontra-se discretamente posicionado na Rua Edvaldo Bezerra Cavalcanti Pinho, nas proximidades do cruzamento com a Rua Padre José Trigueiro, no prestigiado bairro do Cabo Branco.

Apesar da forte representação histórica, a escultura carece de qualquer identificação ou placa informativa que revele sua origem ou propósito. O mistério em torno da obra despertou a curiosidade de moradores e internautas, culminando em uma minuciosa investigação conduzida pelo Jornal da Paraíba, que finalmente lançou luz sobre a história por trás da enigmática estátua e seu responsável. A apuração revelou que o monumento repousa naquele local há quatro décadas.

Vídeo Desvenda Tesouro Escondido e Acende Debate

O acesso à estátua se dá por meio de uma trilha sinuosa, caminho percorrido por Jailson Coutinho, residente da área, que decidiu compartilhar a inusitada descoberta com seus filhos, após anos de relatos sobre a existência da obra, da qual tomou conhecimento de forma fortuita.

A figura de Tiradentes ganhou notoriedade após a publicação de um vídeo por Jailson em suas plataformas digitais, exibindo a escultura em meio à natureza. Em entrevista ao Jornal da Paraíba, Jailson relatou ter conhecimento da existência da imagem há cerca de duas décadas, sem jamais ter informações sobre sua instalação.

“Sei da existência dessa estátua há uns 20 anos. Um amigo meu parou a moto naquela rua, a mata não era tão fechada como hoje. Ele viu, foi até lá, fotografou e me mandou por e-mail. Ainda guardo o arquivo”, compartilhou Jailson.

A recente visita ao local, motivada pela incredulidade do filho de 12 anos, resultou na gravação do vídeo que viralizou. “Parei o carro, descemos e filmamos. Minha esposa postou o vídeo nas redes, e a curiosidade das pessoas foi grande”, explicou o morador.

Inicialmente, a reportagem buscou informações junto a órgãos públicos, como a Coordenadoria do Patrimônio Cultural de João Pessoa (Copac-JP) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep). Ambas as instituições declararam não possuir registros da instalação da estátua ou detalhes sobre sua procedência.

Consultas também foram realizadas com os professores Ângelo Emílio e Ariane de Sá, do Departamento de História da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que igualmente informaram a ausência de registros ou informações sobre a instalação da misteriosa escultura.

Proximidade com Legado de Intelectual Indica Pista

A investigação do Jornal da Paraíba direcionou o foco para a área onde a estátua está situada: a mata que se estende atrás da antiga propriedade do renomado empresário e poeta Paulo Miranda, falecido em 2010, aos 106 anos.

Paulo Miranda, natural do Rio Grande do Norte, construiu sua vida em João Pessoa, possuindo diversos terrenos nos bairros do Cabo Branco e Altiplano, incluindo a área onde hoje se ergue o Farol do Cabo Branco, cedida por ele à Marinha do Brasil.

Próximo ao Farol, em um terreno familiar, encontra-se o Memorial Paulo Miranda, que abriga uma galeria de arte do mestre paraibano Mestre Zaia, com diversas esculturas de sua autoria. Embora não seja o criador da estátua de Tiradentes, Mestre Zaia conhece a obra e já a observou de perto, aventando a hipótese de que ela possa estar inacabada.

“É uma escultura feita em pedra calcária, material menos comum atualmente. Estive próximo a ela e não notei a assinatura do artista”, comentou Mestre Zaia.

Mistério Solucionado: Homenagem Partiu de Visionário Local

Após aprofundada apuração, o Jornal da Paraíba desvendou o enigma: a estátua de Tiradentes, instalada há mais de 40 anos, é uma iniciativa do próprio empresário e poeta Paulo Miranda.

O neto de Paulo Miranda, Roberto Júnior, confirmou a informação ao Jornal da Paraíba, revelando que a escultura foi encomendada por seu avô por volta de 1980 a um artesão do bairro da Torre. “Eu tinha uns 10 anos quando ele pediu a um rapaz, do bairro da Torre, para esculpir Tiradentes e colocar naquele terreno. Com o tempo, a mata cresceu, ele [o avô] faleceu, e o espaço ficou lá”, relatou Roberto Júnior.

As motivações por trás da escolha de homenagear Tiradentes permanecem desconhecidas para o neto.

Roberto Júnior, atual responsável pelo terreno, comunicou ao Jornal da Paraíba que a revitalização do local está em seus planos futuros. “A estátua está finalizada, vou mantê-la ali e pretendo realizar outras intervenções no espaço”, concluiu. A misteriosa estátua, antes um segredo da mata, emerge agora como um testemunho da história e da visão de um notável personagem local.

Tiradentes

Tiradentes, cujo nome completo era Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792), foi uma figura central na história do Brasil, notório por sua participação na Inconfidência Mineira. Este movimento, ocorrido no final do século XVIII, representou uma das primeiras tentativas de contestar o domínio colonial português e buscava a independência da então Capitania de Minas Gerais.

Além de sua atuação política, Tiradentes exerceu diversas profissões, incluindo a de dentista – daí o seu apelido, que significa “aquele que tira dentes”. Ele também foi tropeiro, minerador e militar, chegando ao posto de alferes na cavalaria dos Dragões Reais de Minas.

Na Inconfidência Mineira, Tiradentes se destacou como um dos mais fervorosos propagadores dos ideais de liberdade e república, influenciado pelo Iluminismo e pela recente independência dos Estados Unidos. O movimento, que contava com a participação de outros membros da elite mineira, como poetas e advogados, foi delatado antes de eclodir.

Preso e julgado, Tiradentes foi o único dos inconfidentes a ser condenado à morte por enforcamento, sendo executado em 21 de abril de 1792, no Rio de Janeiro. Seu corpo foi esquartejado e exposto como forma de intimidar outros potenciais revoltosos.

Inicialmente visto como um traidor pela Coroa Portuguesa, a figura de Tiradentes foi resgatada e transformada em herói nacional com a Proclamação da República, no final do século XIX. O dia de sua morte é hoje um feriado nacional, e ele é considerado um mártir da independência do Brasil.

Com informações do Jornal da Paraíba