Registrar ‘bebê reborn’ como ser humano é crime de falsidade ideológica

Especialista em Comportamento, a psicanalista Fabiana Guntovitch explica que há casos que merecem atenção.

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Por João Paulo Silva Publicado em 16/05/2025, 15:07 - Atualizado em 16/05/2025, 15:10
Imagem ilustrativa. Crédito — Reprodução / Freeík. Siga no Google News

A prática de registrar bebês reborn, bonecas hiper-realistas que simulam recém-nascidos, como se fossem pessoas, configura crime de falsidade ideológica. A Justiça tem se posicionado de forma clara sobre a ilegalidade desse ato, alertando colecionadores e entusiastas para as graves consequências legais.

A falsidade ideológica, prevista no artigo 299 do Código Penal Brasileiro, ocorre quando alguém insere ou faz inserir em documento público declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o objetivo de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Registrar um bebê reborn como se fosse uma criança viva se enquadra perfeitamente nessa descrição, uma vez que a certidão de nascimento é um documento público com fé probatória e destinado a comprovar um nascimento real e a filiação.

Embora a posse e o colecionismo de bebês reborn não sejam ilegais, a tentativa de conferir a essas bonecas um status de ser humano perante a lei é considerada uma fraude. As motivações para tal ato podem variar, desde tentativas de golpes financeiros, como fraudes em benefícios sociais destinados a crianças, até questões psicológicas complexas envolvendo a idealização de uma maternidade ou paternidade.

Casos isolados já vieram à tona, expondo pessoas que tentaram ou conseguiram registrar bebês reborn. Em algumas situações, cartórios desconfiaram da situação e se recusaram a realizar o registro. Em outros, a fraude foi descoberta posteriormente, acarretando a anulação do registro e a responsabilização criminal dos envolvidos.

As autoridades reforçam que a certidão de nascimento é um documento essencial para o exercício de direitos e o cumprimento de deveres de um cidadão. Utilizá-la de forma indevida, atribuindo uma identidade civil a um objeto inanimado, desvirtua sua finalidade legal e pode gerar sérios prejuízos à fé pública e à organização da sociedade.

Portanto, a orientação é clara: admirar e colecionar bebês reborn é uma prática legítima, desde que se mantenha dentro dos limites da realidade. Tentar registrá-los como se fossem crianças é um ato ilícito com implicações criminais que podem incluir pena de detenção e multa. A linha entre o hobby e o crime é bem definida pela lei, e cruzá-la pode trazer consequências.

Bebês reborn: a fantasia da maternidade e o reflexo de dores emocionais

Bonecas hiper-realistas e que parecem bebês dormindo têm chamado atenção — e, por vezes, despertado estranhamento — em redes sociais, vitrines especializadas e grupos dedicados ao tema. Conhecidos como bebês reborn, esses bonecos são cuidados por adultos como se fossem filhos reais: são vestidos, alimentados, levados para passear e até registrados com certidões fictícias de nascimento.

Embora, à primeira vista, a prática possa parecer apenas um hobby exótico ou uma excentricidade, o fenômeno carrega dimensões psíquicas profundas e que merecem atenção. “A relação com um bebê reborn é, muitas vezes, uma forma simbólica de cuidar de si mesma — de partes frágeis, feridas ou não elaboradas da própria história emocional”, afirma a psicanalista Fabiana Guntovitch, especialista em Comportamento.

Segundo a especialista, a prática pode estar relacionada a questões como luto perinatal, infertilidade, solidão afetiva ou mesmo uma forma inconsciente de evitar os desafios reais da maternidade. “O reborn representa uma maternidade idealizada: um filho que não chora, não exige limites, não adoece, não cresce. É uma figura de amor total, mas sem os riscos, frustrações e renúncias da maternidade real”, explica ela.

Sob a ótica da psicanálise, o uso de bebês reborn pode ativar mecanismos como projeção, identificação e tentativas inconscientes de reparar experiências de perda ou abandono. Para algumas pessoas, a boneca se torna um espelho de seus próprios desejos, medos ou traumas não simbolizados. “O que um bebê reborn nos mostra é que o desejo de amar e de ser amado encontra caminhos complexos e, por vezes, silenciosos. Cabe a nós reconhecer que, mesmo nos vínculos com o inanimado, há algo pulsando: um pedido de acolhimento”, entrega Fabiana.

Embora o fenômeno tenha ganhado mais visibilidade recentemente, principalmente nas redes sociais, nos últimos anos, a procura pelos bebês reborn cresceu significativamente, especialmente entre mulheres de meia-idade e idosos. Em contextos terapêuticos, como o cuidado com pacientes com demência ou em processos de luto, essas bonecas podem inclusive desempenhar um papel simbólico positivo. “O problema aparece quando o vínculo com o bebê reborn passa a substituir as relações humanas”, alerta Fabiana. “Quando há um apego excessivo, pode ser sinal de sofrimento psíquico, isolamento afetivo e dificuldade de lidar com a realidade emocional”, emenda a psicanalista.

Mais do que julgar, o convite é à escuta e à empatia. “Esse bebê não é um outro com quem se constrói uma relação, mas um reflexo daquilo que a pessoa deseja, teme ou tenta reparar”, finaliza a psicanalista.

Fabiana Guntovitch, especialista em Comportamento. Crédito - Reprodução.

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