Roberto Santos, 47 anos, nascido em Dores de Guanhães, chegou ao Distrito Ouro-pretano de Antonio Pereira em 1979. É porteiro na Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP e tem uma sensibilidade peculiar na apresentação de seus textos. É casado com Márcia, que é a aguerrida diretora da Escola Municipal Alfredo Baeta e têm o filho Antônio, de 13 anos.
Beatriz morava em Antônio Pereira e conhecia cada cantinho daquele lugar. Viveu sua adolescência brincando nas ruas simples do distrito e aos fins de semana dava uma voltinha no campinho de terra onde o futebol durava o dia inteiro. Torcia pelo seu time e depois voltava para casa, almoçava e no restante do domingo, se ocupava dos afazeres adolescentes.
Aquela menina franzina e olhar tímido amava aquele lugar incrustado em meio às montanhas de Minas e que trazia também em sua história traços da majestosa Vila Rica.
Beatriz era inteligente e observadora. De onde morava conseguia ver ao longe a serra do Frazão, lá pelos lados da Vila Residencial Antônio Pereira, a Vila Samarco. As ruínas da Igreja queimada lhe fascinavam. Nem tanto pela história, mas pela suntuosidade da edificação, onde pedras gigantescas foram erguidas em tempos de tão pouca tecnologia, sendo a mão de obra escrava responsável por tamanha engenhosidade.
A bondade de seu coração a fazia pensar no sofrimento dos negros escravizados. Embora de pouca idade, Beatriz tinha pensamentos grandes e analisava as coisas procurando nas entrelinhas explicações que fugiam aos olhares comuns.
E a vida daquela pequena seguia seu curso. Continuava a usufruir das maravilhas que Antônio Pereira lhe oferecia. Buscava lenha na mata que ficava acima da gruta da Lapa, percorria aqueles caminhos como ninguém. Tomava banho na cachoeira lá pelos lados da Pedreira. Brincava nos paredões de pedra encontrados pelos caminhos da serra. Ouvia o apito do trem antes que desaparecesse na grande montanha. Tinha consigo a curiosidade de saber o que aqueles vagões todos os dias iam fazer dentro daquela imensa montanha de pedra. Mas nunca pode ir lá, e teve que se contentar com as explicações que conseguira com os moradores mais entendendidos.
Tudo isso fazia parte da vida de Beatriz. Ela amava aquele lugar rico em Topázio Imperial, ouro e minério de ferro.
Os dias iam passando e no compasso do tempo aquela jovem ia se formando e dentro dela um turbilhão de pensamentos agitava seus sentidos e impulsionava seu existir.
Ela era simples, e não admitia uma vida inconsequente só para obter das amigas um feedback positivo.
Quem gostasse dela teria que nutrir um sentimento polido, daqueles que respeitasse o seu jeito de ser e de viver.
Mas Beatriz pagava caro por assumir essa forma de vida. As incompreensões vinham de todos os lados e a carga era pesada para aquele coraçãozinho meigo e delicado.
Numa linda manhã de sol, Beatriz saiu para caminhar. Passou pelo Largo Santo Antônio, subiu a Rua Água limpa, passou pela rua “B” e alcançando a Rua da Lapa desceu em direção à Igreja das Mercês. Enquanto seus passos vagarosos avançavam, seu pensamento aventava mil coisas, aquele caminhar se constituía em passos de reflexão. Beatriz tinha os olhos vermelhos por conta de um choro contido que nem ela sabia explicar o motivo.
Quando chegou à Igreja das Mercês, virou à direita e seguiu a rua de mesmo nome. Caminhou um bom pedaço de chão e encontrou um jardim a beira da Rua. Ela já estava na Rua Timbopeba, conhecida pelos moradores do distrito como baixada. Essa rua margeava a rodovia que seguia rumo às mineradoras e que depois passava por Catas Altas indo até Santa Barbara.
O citado jardim onde ela acabara de chegar era obra das mãos de Dona Dulce, que morava nas imediações e todos os dias cuidava para que as flores nunca perdessem sua beleza e encantamento.
Beatriz sentou numa pedra que delimitava o espaço das flores e ali terminou sua caminhada. Dialogou com elas na esperança de que pudessem ajuda-la a entender certos momentos de sua vida, contou para as violetas e margaridas todas as suas angústias, algumas flores ela nem sabia o nome, mas mesmo assim não excluiu nenhuma de seu olhar bondoso e compassivo.
Beatriz já estava moça feita, e já começava a assumir feições de mulher. Era essa a imagem que se via entre as flores as margens da rodovia. A única flor ausente naquela hora era a dona Dulce, a flor viva que dava vida a todas as outras.
Beatriz reclamou com as flores de algumas coisas que para muitos poderia parecer sem sentido, porém para ela tinha muita importância.
Queixou-se da indiferença dos rapazes de sua faixa etária, dos olhares rasos e sem expressão que os seus olhos sempre encontravam. Queixou-se de sorrisos ausentes.
Lá na outra ponta do jardim uma rosa vermelha a fez sorrir, caminhou até ela acariciou as rubras pétalas, pronunciou algumas palavras que devia ser elogios à bela flor, olhou para todo o jardim e erguendo as mãos fez o sinal característico de despedida e foi embora.
Dois dias depois não se sabe se por influência das flores, Beatriz já tinha pronta sobre a sua cama, duas malas vermelhas. Havia recebido um convite de amigos moradores do Bairro Cabanas para ir morar naquele Bairro. Ela fazia um curso de qualificação em Mariana que terminava tarde da noite e seu deslocamento até Antônio Pereira a colocava em risco. Foi por isso que alguns amigos a acolheu naquele bairro e ela sem titubear aceitou prontamente, e seguiu sua estrada.
Ela deixaria para traz, o lugar que amava tanto e que passara boa parte de seus dias. Enquanto se maquiava aprontando-se para a partida chorava de saudade. Ainda não tinha nem saído de casa e já sentia saudades de tudo e de todos. Deixaria para traz, sua mãe, seu padrasto e as duas irmãs para alimentar seu desejo de ir além das montanhas e saber o que havia do lado de lá. Não era um adeus e sim uma atitude necessária para essa descoberta.
Os laços de amor existentes naquela casa jamais seriam desfeitos, pois os quilômetros marcaria a distância física entre eles, mas aos corações não se pode medir distâncias. Neles o tempo e o espaço inexistem, logo estariam juntos sempre, mesmo que a geografia insistisse em estabelecer números e distâncias incoerentes com os sentimentos do coração.
Por hora seu sonho começaria por Mariana e como tudo parte de algum ponto, a hora era aquela.
Quando se acalmou, ajeitou o cabelo, passou base facial, corretivo, sombra, delineador, blush e aquela pinta a esquerda de seu rosto, logo acima de seus lábios não passou despercebida, avivou-se e deu a ela um toque especial.
Beatriz embarcou ainda antes do almoço alçando voo rumo ao desconhecido. Mariana era seu destino e o bairro Cabanas seu pouso. Arrumou trabalho, mas nem tudo era exatamente como planejara. Na lida diária sofreu com profissionais que não lhe deram o valor merecido. Mas Beatriz era aplicada e estava imersa em desejos e sonhos, e mesmo vivendo dias difíceis seguia firme na direção do futuro.
Na primaz de Minas ficou por cinco anos. Depois se mudou para Tiradentes. Um novo desafio surgiu, e ela entendendo que precisava dar os passos necessários para a realização de seus sonhos, não hesitou e se entregou sem medo a essa nova fase de sua vida.
Reservava alguns momentos para visitar os parentes em Antônio Pereira e sem demora retornava a Tiradentes para seguir com a vida.
O tempo foi passando e Beatriz conquistando cada vez mais o seu espaço. Se as dificuldades ainda persistiam, ela já as tinha sobre controle.
Hoje Beatriz se destaca no ramo da Culinária e vê nesse segmento o caminho das flores. Busca a melhoria contínua para alcançar a excelência no que faz e de cabeça erguida olha o passado, e dele tira lições para seguir firme nos caminhos da vida.
Quando Beatriz voltou a Antônio Pereira para rever parentes, depois de muito tempo ausente, os olhares sobre ela se desenhavam céticos, afinal quem era a mulher de Tiara na cabeça, brincos de argola com detalhes brilhantes, um sorriso delicado e pronto. Uma pinta a esquerda do rosto, logo acima dos lábios dizia que se tratava da pequena Beatriz que agora de pequena não tinha nada. Quando caminhava, parte de seus cabelos, balançavam ao vento, principalmente aqueles que a tiara não conseguiu prender. Ninguém imaginava que fosse a menina franzina que na sua adolescência nem era notada e que muitos não davam nada por ela.
Aquela menina que amava Antônio Pereira vive hoje num corpo de mulher e provoca suspiros por onde passa.
Mais consciente de seu verdadeiro potencial, Beatriz vive muito melhor hoje e até levou suas duas irmãs para Tiradentes, com o pensamento de que conheçam o outro lado da montanha e possam escrever suas histórias, cada uma a seu modo.
As queridas irmãs estão se adaptando bem e já estão a passos largos em busca de novos horizontes.
Beatriz continua a escrever sua história e na sua fragilidade de mulher ainda tem alguns medos, mas isso é outra história para outro por do sol.
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