Ouro Preto foi palco neste domingo, 21 de abril, da tradicional solenidade de entrega da Medalha da Inconfidência, criada em 1952 pelo então governador Juscelino Kubitschek. Esta é a maior distinção concedida pelo governo estadual e reconhece os serviços prestados por cidadãos ao Estado. Neste ano, o ex-presidene da República, Fernando Henrique Cardoso foi escolhido pelo governador Romeu Zema e Conselho para receber as medalha de grau mais elevado, o Grande Colar, principal honraria que condecora somente chefes de Estado, chefes de governo e chefes dos demais Poderes da União. O orador oficial da solenidade foi o vice-governador de Minas, Mateus Simões.
A celebração marca os 232 anos da morte de Tiradentes e, neste dia, de acordo com a Constituição, a capital do Estado é simbolicamente transferida para Ouro Preto, cidade que foi o palco do movimento contra os altos impostos cobrados pela colônia portuguesa, chamado Inconfidência ou Conjuração Mineira.
As outras 170 medalhas se dividiram da seguinte maneira: 40 Grandes Medalhas, 58 Medalhas de Honra e 72 Medalhas da Inconfidência. Entre os agraciados, está o deputado estadual, João Júnior (PMN), que receberá a Medalha de Honra.
As medalhas da Inconfidência foram entregues ao Professor Reginato Fernandes dos Santos - Diretor Geral do IFMG - Campus Ouro Preto; Walysson Roberto de São Severino Bonifácio - Músico compositor da Banda do Rosário e Wanir Aparecida Nascimento Rocha - Diretora da Escola Estadual Nossa Senhora Auxiliadora - Cachoeira do Campo. Monsenhor Edmar, recentemente convidado pelo Papa Francisco para servir como Bispo auxiliar Arquidiocese de Belo Horizonte recebeu a Grande Medalha. Já a Medalha de Honra foi entregue ao Professor Jorge Adílio Pena.
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Reparação histórica
Este ano, a cerimônia teve uma homenagem especial à poeta Bárbara Heliodora. Ela foi casada com Alvarenga Peixoto e na residência deles eram realizadas reuniões dos Inconfidentes. O casal participou do movimento e Bárbara Heliodora ganhou o título de Heroína da Inconfidência Mineira.
Ela morreu em 1819, no Sul de Minas, e foi enterrada numa vala comum. Como reparação histórica, será realizado o despojo, com a retirada da terra do túmulo onde foram sepultados seus restos mortais, na cidade de São Gonçalo do Sapucaí. Eles serão transportados para o Panteão dos Inconfidentes, no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, neste 21 de abril.
Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira nasceu em 1759, em São João del-Rei. Ela também se destacou como uma das pioneiras da literatura brasileira.
Primeira parte
Como vem acontecendo nos últimos anos, a solenidade teve dois momentos e lugares distintos. A primeira parte da cerimônia se deu, por volta das 9h, na Praça Tiradentes, onde está erguido o monumento em homenagem a Joaquim José da Silva Xavier, símbolo da Inconfidência Mineira, executado no dia 21 de abril de 1792, no Rio de Janeiro, por fazer parte do movimento de independência de Portugal no século XVIII. Esquartejado como pena por “trair a coroa”, restos de seu corpo foram colocados nesse local. Historiadores relatam que sua cabeça foi roubada e nunca se soube quem foi o ladrão.
Como de costume, na cerimônia deste domingo, rica de simbolismos, o atual governador de Minas Gerais, Romeu Zema, passou pela ala dos Dragões da Inconfidência. A Banda de Música da Polícia Militar de Minas Gerais executou o Hino Nacional, reverenciando a memória de Tiradentes, foi realizada a aposição da coroa de flores aos pés do Mártir da revolução e o corneteiro, também da Banda Militar de Minas Gerais, executou o toque de silêncio. Houve também a salva de 21 tiros de festim, a Pira da Liberdade foi acesa pelo governador, como marco dos ideais de civilidade e liberdade de Minas Gerais. Por fim, os despejos da inconfidente Bárbara Heliodora foram conduzidos pelas autoridades ao Museu da Inconfidência. Também foi executado o toque da vitória, fechando a primeira parte da cerimônia cívico-militar.
Segunda parte
Num segundo momento, por volta das 10h40, os 171 agraciados se reuniram com as autoridades e demais representantes políticos no Centro de Artes e Convenções da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Isso vem acontecendo há alguns anos para não atrapalhar o trânsito e a circulação de pedestres na região da Praça Tiradentes. Acompanhado pelo governador Romeu Zema, o prefeito Angelo Oswaldo, assinou o decreto que transfere simbolicamente Ouro Preto como capital de Minas Gerais.
Leia, logo abaixo, a íntegra do pronunciamento do chefe do executivo ouro-pretano:
Exmo. Sr. Governador do Estado de Minas Gerais Romeu Zema
Exma. Sra. Presidente do Tribunal Regional Federal de Minas Gerais, Desembargadora Mônica Sifuentes,
DD. Autoridades, Ilmos. Agraciados e Agraciadas, Senhoras e Senhores.
Sra. Vice-Prefeita Regina Braga, Sr. Presidente da Câmara Municipal, Vereador José Geraldo Muniz.
Povo de Ouro Preto, que tenho a honra de representar nesta cerimônia.
A celebração da Inconfidência é uma espécie de vacina que Ouro Preto aplica-nos, a cada 21 de Abril, a fim de nos imunizar contra a epidemia dos diferentes vírus do fascismo. Um grande médico prescreveu essa vacinação. Em 1952, governador do Estado, o dr. Juscelino Kubitschek receitou a peregrinação anual à cidade dos Inconfidentes de Minas Gerais como melhor meio de evitar-se qualquer contaminação.
Quem alcança a consciência do papel do Tiradentes e dos ideais dos conjurados de 1789, insurgentes no mesmo ano da Revolução Francesa, saberá que o Brasil tem compromisso de raiz com a república e a democracia, a justiça social, a paz e a liberdade. Se há 60 anos o presidente Juscelino foi vítima do golpe e da ditadura, vacinado que fora, jamais perdeu a fé na liberdade e na democracia.
Liberdade não é apenas a palavra que significa um estado abstrato, do qual só temos efetiva ciência quando dele privados. Não se pode fingir com essa palavra. Ela deve ser, para todos os mineiros, a tradução da coragem com que os Inconfidentes buscaram aplacar, por meio da insubmissão ao arbítrio, a angústia em que os mergulhara o despotismo da era colonial. Liberdade é a luz com que os martirizados da Capitania das Minas clareiam os nossos caminhos na História.
Desde a primeira escola, as crianças mineiras precisam ser também vacinadas pela lição do Tiradentes. E conhecer todos aqueles que, envolvidos na trama, deram sua contribuição ao alvorecer da liberdade.
Ainda agora, descobrimos e desvendamos lances decisivos do movimento libertário. Hoje, no memorial da conjuração, no Museu da Inconfidência, uma mulher recebeu o reconhecimento e a homenagem que lhe eram devidos, em mais um gesto que amplia a revelação de fatos sequestrados pela nossa amnésia histórica.
Uma porção dos despojos de Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira, recolhida na sepultura de São Gonçalo do Sapucaí, onde faleceu em 1819, aos 60 anos, foi guardada sob a lápide simbólica que indica o nome da heroína. Ali estão as relíquias de seu corpo, como as de Marília de Dirceu, Maria Doroteia Joaquina de Seixas, cujos restos mortais se encontram exatamente ao lado.
Três mulheres acham-se agora no Panteão da Inconfidência como partícipes daqueles atos fundadores da república brasileira. Bárbara, Marília e Hipólita Jacinta Teixeira de Melo, presentes!
Desde 1949, reclamava-se a presença de Bárbara Heliodora no memorial da Inconfidência, conforme escreveu o historiador, jurista e parlamentar paulista Aureliano Leite, mineiro de Ouro Fino, em ofício a Rodrigo Melo Franco de Andrade. Em decorrência, foi assentada pelo IPHAN a lápide sobre a qual se inscreveu o nome da grande mulher. Mas, diferentemente das demais pedras sepulcrais, nessa não se continha a materialidade da relíquia.
Precisamos unir Bárbara e Alvarenga Peixoto, exclama a escritora e magistrada Mônica Sifuentes, no final do belo romance em que compôs, a partir de documentos históricos, a saga da menina nobre de São João del Rei e do ouvidor da Comarca do Rio das Mortes. O poeta Alvarenga e a poeta Bárbara Heliodora estão de novo unidos e acendem a chama do amor que não se apaga e da paixão pela liberdade.
A desembargadora Mônica Sifuentes, o prefeito de São Gonçalo do Sapucaí, Brian Drago, e seu secretário Stanley Drago, o secretário de Estado Leônidas Oliveira, o presidente da FAOP, Jefferson Fonseca, e o assessor Juliano Moreira, o diretor do Museu da Inconfidência, Alex Calheiros, e o teatrólogo Ícaro Alba, descendente da família de Bárbara, foram os artífices desse reencontro histórico do casal, na verdade o tardio encontro da História de Minas Gerais e do Brasil com a heroína Bárbara Heliodora.
Senhor Governador do Estado,
Cumprimento V. Exa. pela outorga do Grande Colar da Inconfidência ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, que de longe acompanha esta solenidade, impossibilitado de aqui se fazer presente.
No início de sua brilhante carreira acadêmica, o professor Fernando Henrique Cardoso passou longa temporada em Ouro Preto a estudar documentos relativos à escravidão, tema de sua tese de Sociologia.
Trinta anos atrás, em dezembro de 1994, estando eu no primeiro mandato de prefeito, Ouro Preto recebeu-o como presidente eleito para, ao lado do saudoso presidente Itamar Franco e dos chefes de Estado da Argentina, do Paraguai e do Uruguai, participar da criação do Mercosul.
Hoje, aplaudimos o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como o estadista que, ainda há pouco, em momentos cruciais, deu ao país precisa demonstração de seu compromisso com a democracia, o Estado de Direito, a República e a Constituição Federal. A palavra de Fernando Henrique Cardoso repercute sempre como testemunho de um democrata. A exemplo do presidente Juscelino Kubitschek, o regime autoritário de 1964 também o perseguiu e o exilou, mas não lhe faltou o sentimento inconfidente de crença na liberdade e na democracia.
Senhoras e Senhores,
O legado do ciclo do ouro tem o seu padrão ético no sonho dos Inconfidentes e o marco estético na beleza dos núcleos urbanos nascidos no fundo da bateia. Ética e estética renovam permanentemente os seus frutos.
Comemoramos em 2024 o centenário da célebre viagem dos modernistas de São Paulo às cidades históricas de Minas Gerais. Na Semana de Arte Moderna de 1922, o Brasil descobriu a arte moderna, mas na Semana Santa de 1924, a arte moderna descobriu o Brasil. Aqui nasceu a primeira arte criada pela mão do povo brasileiro, e por meio de seus significados o modernismo da década de 1920 naturalizou-se e conquistou as dimensões infinitas do país.
É preciso que essa herança não desapareça por falta de atenção e dos investimentos necessários à sua adequada proteção e conservação. Preservar o patrimônio cultural mineiro é uma tarefa incontornável e missão de todos.
Quando o governo de Vossa Excelência, Senhor Governador, comemora o notável crescimento do turismo, não nos esqueçamos de que os atrativos turísticos em Minas Gerais são sobretudo derivados da nossa força cultural, pois é a história que nos particulariza no coração do Brasil.
Ilustres Agraciados, Senhoras e Senhores,
Que o sentimento vibrante dos Inconfidentes anime sempre o povo mineiro a salvaguardar os registros históricos de nossa parcela de suor e sangue na construção da pátria brasileira.
Viva Tiradentes, viva Bárbara Heliodora, viva a cultura, viva a liberdade!
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