Um dia de luta e de mobilizações em Belo Horizonte dos atingidos e atingidas da Bacia do Paraopeba. A atividade, organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), no dia 13/5/25, denunciou a reparação ineficiente que tem ocorrido nesses mais de seis anos após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Cerca de mil atingidos das cinco regiões da bacia participaram da marcha pelas ruas da capital e acompanharam as reuniões no Tribunal de Justiça de Minas (TJMG) e no Mistério Público.
A mobilização teve como foco a defesa da continuidade do Programa de Transferência de Renda (PTR) através de um Auxílio Financeiro Emergencial, como garantido na lei de direitos dos atingidos (PNAB), e a cobrança de participação na gestão dos recursos do Anexo 1.1 (projetos de demandas das comunidades atingidas), além da transparência na gestão do fundo de Estruturas de apoio (fundo de 700 milhões). O movimento também denunciou a falta de participação das vítimas nas decisões e a postura das Instituições de Justiça, que têm promovido retrocessos no processo de reparação.
Reuniões no TJMG e Ministério Público
Atingidos e atingidas da Bacia do Paraopeba e do Lago de Três Marias, junto ao MAB e às Assessorias Técnicas Independentes, participaram da reunião em BH com três Instituições de Justiça: o Ministério Público Federal, o Ministério Público de Minas Gerais e a Defensoria Pública de Minas Gerais. Durante o encontro, o MAB entregou uma carta às instituições com críticas à recente deliberação sobre o Anexo 1.1 e propôs alternativas, como a prestação de contas dos R$ 700 milhões e a realização de uma consulta popular para definir as prioridades de uso desse fundo. (veja a carta abaixo).
Uma comissão tirada pelo MAB participou de reunião com a juíza da 2ª instância, Maria Dolores Cordovil, relatora da ação sobre criação de um novo Auxílio Emergencial, outro grupo esteve com o juiz da 1ª instância do TJMG, Murilo Sílvio de Abreu, e uma terceira reunião aconteceu no Ministério Público com as instituições de justiça.
Foram discutidas questões como a manutenção do auxílio emergencial sem cortes e os inúmeros problemas enfrentados pela população atingida, como a falta de água, contaminação, perda de trabalho e renda, além da insuficiência do acordo atual para garantir uma reparação justa. Também foi cobrada agilidade na análise das notas técnicas sobre a inclusão dos Povos e Comunidades Tradicionais no PTR.
Como encaminhamento, as Instituições de Justiça se comprometeram a realizar um balanço do processo de reparação, com o objetivo de avaliar os caminhos percorridos até aqui e construir soluções mais justas e eficazes.
Guilherme Camponêz, da coordenação-geral do MAB, após a reunião com a juíza Maria Dolores reforçou que foi um encontro positivo. “Nós temos direito ao auxílio emergencial porque ele está garantido na lei, ele está garantido na PNAB. Segundo, é uma medida de mitigação, é uma medida necessária que os atingidos precisam até que a reparação seja concluída. E terceiro, os elementos todos foram trazidos para mostrar que a reparação não foi concluída e a juíza entendeu isso.”
Segundo Camponêz, a juíza Maria Dolores afirmou que vai chamar as instituições para prestarem novos esclarecimentos, entre elas, a Fundação Getúlio Vargas, para fornecer novos dados sobre o assunto. Ela disse ter ficado impressionada com as informações dos atingidos e que até agora a informação que tinha conhecimento era de que tudo estava certo na reparação. No entanto, está percebendo após esse encontro que é justamente o contrário, o processo não alcançou a reparação integral como está colocado no acordo.
“Neste dia importante de luta, quero destacar que um dos pontos que levamos à mesa do juiz Murilo de Abreu foi sobre o PTR. Afirmamos a importância de termos uma decisão agora que garanta esse direito aos atingidos até à reparação integral”, disse Joceli Andrioli, da coordenação nacional do MAB.
O juiz, segundo Andrioli, se comprometeu a estudar o pedido e parabenizou o MAB pela apresentação da petição, que ele considerou bem qualificada. Reforçou o entendimento do pedido da tutela de urgência na segunda instância, à qual os atingidos esperam que seja revista a decisão da juíza de maneira a forçar a Vale S/A a colocar novos recursos no PTR para retomar os 100% do auxílio aos atingidos.
De acordo com o coordenador-geral do MAB, o objetivo de sensibilizar os tribunais, exigir transparência no uso dos recursos e defender os direitos garantidos na Política Nacional dos Atingidos por Barragens (PNAB) foi alcançado. “Esperamos que as decisões sejam tomadas rapidamente pela justiça, que se retome quanto antes o recurso integral aos atingidos. Não é um favor, não é esmola, é o direito que os atingidos têm pelo crime que a Vale cometeu.”
A atingida Patrícia Passarela, que sempre participa das atividades do MAB, disse que veio novamente se juntar ao movimento para levantar sua voz contra os mandos e desmandos da Vale dentro dos territórios dos atingidos/as. “Sou da Região 3, mas hoje estamos aqui com pessoas de todas as regiões, toda a bacia do Paraopeba, para pedir, de novo, às instituições de justiça, que ouçam nosso clamor, pois nossos territórios ainda continuam debaixo de lama, continuamos sem água, sem alimentos, sem reparação e ainda com corte ridículo do PTR , vivendo apenas com R$ 379,50”.
Carta entregue pelo MAB às Instituições de Justiça e à sociedade em geral
“ O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) manifesta, por meio desta carta, sua grave preocupação diante da decisão da decisão recente do judiciário que suspendeu a obrigação da Vale S/A de realizar o depósito judicial de quantia suficiente para honrar o pagamento às famílias que integram Programa de Transferência de Renda (PTR) em seu patamar original, restabelecendo os valores anteriores à redução vertiginosa ocorrida em março de 2025.
O Programa de Transferência de Renda, estabelecido no Anexo 1.2 do Acordo firmado em fevereiro de 2021, é de extrema importância para as pessoas atingidas, pois configura-se como uma medida mitigatória para que as famílias consigam sobreviver e lutar até que, de fato, sejam integralmente reparadas.
O PTR tem sido crucial para mitigar os efeitos sociais e econômicos gerados pelo rompimento da barragem, oferecendo recursos financeiros diretamente às pessoas e famílias atingidas. Em regiões marcadas por vulnerabilidade social e econômica agravadas por danos socioambientais contínuos associados ao rompimento, os repasses garantem acesso a itens essenciais como alimentação, moradia, medicamentos e educação. Além da assistência financeira, o PTR contribui para o fortalecimento do tecido social, permitindo que as comunidades mantenham níveis mínimos de organização, mobilização e reconstrução local.
Entretanto, é importante ressaltar que, em um contexto de reparação atrasada (e em algumas esferas inexistente), como o atual, em que as pessoas ainda não tiveram seus meios de vida reestabelecidos, falar em reduzir ou acabar com auxílio emergencial é caminhar para um cenário de consequências devastadoras para todos os atingidos, especialmente para os grupos mais vulneráveis. As pessoas atingidas entendem que só deve-se falar em redução ou fim do PTR após a reparação integral, com atenção para o andamento da concretização das medidas de reparação socioambiental e reparação dos danos individuais. Acabar com o PTR sem a implementação de um novo Auxílio Emergencial é desamparar por completo as pessoas atingidas.
Assim, defendemos que é de suma importância manter o que determina a decisão original, de primeira instância: que a Vale S/A realize o depósito judicial de 1/3 (um terço) dos valores necessários para que os beneficiários do PTR continuem a receber o mesmo valor pago anteriormente à redução ocorrida em março de 2025, considerando o termo final previsto para o encerramento do Programa em janeiro de 2026, bem como recebam de forma retroativa os valores complementares de março, abril e maio. Para que isso ocorra, a Fundação Getúlio Vargas, mantenedora do programa, apurou em abril de 2025 que são necessários R$ 702.355.294,56 (setecentos e dois milhões trezentos e cinquenta e cinco mil duzentos e noventa e quatro reais e cinquenta e seis centavos).
O valor a ser depositado pela Vale S/A, algo em torno de R$ 235.000.000,00 (duzentos e trinta e cinco milhões de reais) é ínfimo ao compararmos com os lucros líquidos da empresa mineradora, R$ 347.000.000.000,00 (trezentos e quarenta e sete bilhões de reais) desde o rompimento da barragem da Mina de Córrego de Feijão em 25 janeiro de 2019.
Os lucros líquidos, aqueles que são distribuídos aos acionistas da Vale S/A, são incríveis 1.476 (mil quatrocentos e setenta e seis) vezes maiores do que os valores necessários para esse primeiro depósito, capaz manter a dignidade mínima e a subsistência de grande parte da população atingida.
A vida das pessoas e suas histórias no território que sofre cotidianamente com o desastre-crime causado pela exploração mineral tem que valer mais do que cifrões no balanço financeiro de uma corporação!
Afirmamos que:
As pessoas atingidas, suas famílias e suas comunidades necessitam imediatamente do pagamento do PTR em valores justos para sobreviverem. É uma questão que guarda relação com a segurança alimentar. Reivindicamos que:
☑ O depósito integral, pela Vale S/A, dos valores necessários para continuação dos pagamentos mensais às pessoas atingidas que recebem o PTR, nos patamares anteriores à redução de março de 2025;
☑ A estruturação de um auxílio emergencial que assegure a manutenção dos níveis de vida até que as famílias e indivíduos alcancem condições pelo menos equivalentes às precedentes ao desastre-crime, tal qual previsto na Lei 14.755/2023 - Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB).
O MAB reafirma que não aceitará retrocessos. Seguiremos em luta pela reparação justa, transparente e participativa, com base nos direitos conquistados e nos compromissos firmados em acordo judicial. Já são mais de 6 anos de espera pela reparação que pouco avança. Demarcamos que a única forma de se avançar neste processo reparatório é por meio da participação informada com qualidade técnica. É tempo de avançar!
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