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Inelegibilidade ganha rigor com Lei da Ficha Limpa

Norma é apontada como um filtro moral das candidaturas, capaz de dar efetividade às punições, apesar de alguns excessos.

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Por João Paulo Silva Publicado em 20/09/2018, 18:44 - Atualizado em 02/07/2019, 00:52
Lei da Ficha Limpa busca barrar candidatos que não tenham os requisitos morais necessários para o cargo que almejam
Crédito-Guilherme Dardanhan

“Seu passado lhe condena!”. O provérbio popular, muitas vezes empregado para evitar um mau negócio ou uma enrascada, entrou de vez para a política em 2010, com a Lei Complementar (LCP) 135, mais conhecida como Lei da Ficha Limpa.

O comando na Constituição Federal era claro. O parágrafo 9º do artigo 14 determinava ao legislador a proteção da probidade administrativa e da moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato.

Lei Complementar 64, de 1990, buscou atender esse comando. Mas a Lei da Ficha Limpa, que a alterou, trouxe um novo rol de crimes e ampliou o prazo de inelegibilidade de três para oito anos, dando efetividade à punição. Ela já nasceu popular, fruto da mobilização social e da coleta de 1,6 milhão de assinaturas.

O presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG), Wederson Advincula Siqueira, salienta que a inelegibilidade por três anos muitas vezes permitia a candidatura já na próxima eleição. “Não servia pra nada”, resume.

Beatriz Maria Ladeira, técnica do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), sintetiza que o objetivo geral da lei é barrar candidatos que, de acordo com critérios da própria norma, não tenham requisitos morais necessários para o cargo e que, por isso, trazem risco ao sistema representativo.

Políticos cassados ou que tenham renunciado para evitar a cassação também são alcançados pela Ficha Limpa. Beatriz Ladeira cita, ainda, inovações como a inelegibilidade para os condenados por captação ilícita de votos ou para aqueles que simulam o fim de um vínculo conjugal para evitar as restrições eleitorais por parentesco.

Em artigo publicado no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ela enumera outros casos, como a previsão de inelegibilidade para os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão do órgão profissional competente, em virtude de infração ético-profissional, dos que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial e para os magistrados e membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente.

Minas – A iniciativa propagou-se para outros Poderes e para os Estados. Em Minas, a Emenda à Constituição 85, de dezembro de 2010, impediu a nomeação de secretários, secretários-adjuntos e subsecretários que não estiverem enquadrados nas exigências da Lei da Ficha Limpa.

A proposição abrange ainda cargos e empregos de direção na administração indireta estadual (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista) e veda também a inclusão de “fichas sujas” nas listas tríplices a serem enviadas ao governador para a escolha e nomeação de autoridades.

A norma foi originada da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 63/10, assinada por 26 parlamentares, tendo à frente o deputado Alencar da Silveira Jr. (PDT).

Inovação gera polêmica no caso Lula

Uma das inovações da LCP 135, a que aboliu a exigência do trânsito em julgado da decisão judicial para fins de inelegibilidade, ganhou destaque nesta eleição com o caso do ex-presidente Lula (PT), condenado e preso pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ele próprio sancionou a norma.

A decisão transitada em julgado é aquela sobre a qual não cabem mais recursos. Esse era o entendimento anterior à Lei da Ficha Limpa, mas a demora no julgamento de todos os questionamentos muitas vezes levava à prescrição dos crimes e tornava sem efeito a punição.

A LCP 135 tornou esse parâmetro mais rigoroso e determinou a inelegibilidade para o candidato após condenação em segunda instância, por órgão colegiado, mesmo ainda cabendo recursos da decisão. Foi o que ocorreu com Lula, que teve a sentença confirmada pelo colegiado de desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).

Para Beatriz Ladeira, após a segunda instância, quando um condenado entra com recurso especial ou extraordinário nos tribunais superiores, a inocência já não é rediscutida, mas apenas questões processuais que possam ter sido infringidas. “O espírito da lei é de punir pela prática do crime, que já não estará mais em discussão”, reforça.

Wederson Siqueira, por outro lado, afirma que é comum tribunais superiores reformarem uma sentença. “Lula foi condenado, mas o acórdão (decisão do colegiado) fala em ‘atos indefinidos’ que o levaram a receber propina. Será que tem que ser um ato específico? Alguma coisa pode ser de sua propriedade sem documento? O tribunal pode revalorizar isso”, pontua.

Lula recorreu enquanto pode, com base na própria Lei da Ficha Limpa, que prevê a suspensão cautelar da inelegibilidade quando houver recursos plausíveis. Saiu derrotado, mas viu seu caso reacender a discussão sobre as controvérsias da norma, já considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Presunção da inocência – Um dos questionamentos mais recorrentes contra a Ficha Limpa se apoia no princípio da presunção da inocência. Isso porque o artigo 5º da Constituição Federal, que trata dos direitos e garantias fundamentais, prevê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Defensores da Ficha Limpa observam, porém, que nem mesmo a presunção da inocência prevista para a esfera penal tem garantia absoluta, já que são permitidas, por exemplo, as prisões provisórias. Para essa linha de pensamento, conforme assinala Beatriz Ladeira, “valores tutelados pelos princípios da moralidade e probidade administrativa seriam mais amplos do que a garantia da presunção de inocência, uma vez que resguardam toda a coletividade”.

Também o artigo 15º prevê a cassação dos direitos políticos no caso de condenação criminal transitada em julgado. Beatriz Ladeira salienta, no entanto, que o artigo fala em “direitos políticos”, o que não se aplica a Lula.

“Essa punição implica perda da capacidade ativa e passiva. A pessoa não pode sequer votar”, detalha. Ela acrescenta que o dispositivo constitucional sobre a inelegibilidade (artigo 14º) não menciona o trânsito em julgado.

Advogado aponta rigor excessivo

“Querendo purificar a política, estamos criando um monstro”. A opinião é do advogado Wederson Siqueira, que preside a Comissão de Direito Eleitoral da OAB-MG, e se refere à Lei da Ficha Limpa. Segundo ele, é preocupante o fato de o Brasil ter o maior índice de inelegibilidade do mundo.

Um dos “exageros”, segundo Wederson, seria a contagem dos oito anos de inelegibilidade após o cumprimento da pena. “Seria mais razoável contar o tempo a partir da condenação em segunda instância, quando o candidato se torna inelegível”, opina, citando o princípio da dosimetria de pena.

retroatividade da Lei da Ficha Limpa a fatos anteriores a 2010, decidido em votação apertada no Supremo Tribunal Federal, é outro questionamento. “Isso muda a coisa julgada e gera insegurança política”, reforça, lembrando que vários políticos tiveram o mandato cassado em função da retroatividade da lei.

Alguns tipos de crime punidos com a inelegibilidade também são citados. “Você fica inelegível por oito anos por entregar santinhos no dia da eleição. Se você é condenado em um crime de trânsito, com conduta dolosa, e não tem dinheiro para ressarcir a vítima, também fica inelegível enquanto não pagar, o que pode ser para sempre”, enumera.

E até decisões políticas podem resultar em inelegibilidade, segundo o advogado. Ele cita o exemplo hipotético de uma câmara municipal que, por questões de disputa partidária, rejeita as contas de um prefeito e insere o dolo exigido pela Ficha Limpa, mesmo sem justificativa. “Há várias decisões superiores no sentido de não adentrar nessa discussão. E o ex-prefeito fica inelegível”, afirma.

Cidadania – Para Wederson, o exercício dos direitos políticos é uma garantia fundamental do cidadão, e a LCP 135, de 2010, retira isso em alguns casos de forma desarrazoada e arbitrária. “Isso foge da conveniência constitucional. E infringe também pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário”, pontua.

Wederson Siqueira reconhece, por outro lado, todo o avanço da legislação, inclusive no reforço à ação de investigação eleitoral, que pode resultar na cassação de mandatos. Mas enfatiza que, na tentativa de se retirar o mal do processo político, o excesso de regramento afasta também o cidadão de bem. Voltando aos provérbios, seria algo como “gato escaldado tem medo de água fria”.

Hotsite Eleições 2018 – A ALMG lançou um hotsite com conteúdos especiais sobre o processo eleitoral de 2018. Na página, estão reunidos materiais produzidos pela TV Assembleia, áudios da Rádio Assembleia e notícias da Assessoria de Imprensa da ALMG. O objetivo é oferecer ao eleitor informações que o auxiliem a embasar seus votos e destaquem a importância da sua participação nos pleitos estaduais e federal.

Assessoria de Imprensa/ALMG

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