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Incidente no Catete: Psicanalista da UFMG explica preconceito envolvendo o termo “surto psicótico”

De acordo com Evaristo Magalhães, o desgaste da estrutura psíquica, cada vez mais presente nos ambientes de trabalho, é um reflexo do mundo moderno.

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Por João Paulo Silva Publicado em 17/09/2019, 17:18 - Atualizado em 17/09/2019, 17:18
Foto 1 – Muro derrubado na Travessa São Gonçalo em Mariana-MG. Crédito-Reprodução/WhatsApp. Siga no Google News

Colaboração – Estagiário Rodrigo Fontenelle, estudante de jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), sob supervisão de Tino Ansaloni.

Um incidente causou preocupação nos moradores da Avenida do Catete, mais precisamente na Travessa São Gonçalo, na madrugada da última segunda-feira (16/09). A via, repleta de estabelecimentos comerciais, é uma das mais importantes de Mariana (MG) e dá acesso ao centro histórico da cidade.

De acordo com um comunicado da prefeitura da cidade histórica “um funcionário da Setriccal, empresa terceirizada responsável pela execução de uma obra de drenagem na via pública, teve acesso ao local, ligou uma retroescavadeira e provocou a derrubada de um muro, além de outros transtornos aos residentes da localidade”.

Baseados em declarações do proprietário da empresa, portais da região chegaram a afirmar que o funcionário, o qual terá o seu nome resguardado, sofreu “um surto psicótico”. Contudo, a afirmação não partiu de nenhuma fonte legítima, como por exemplo, um profissional da saúde mental.

A equipe de redação do Jornal Voz Ativa entrou em contato com Valadares Balbino de Paula, o proprietário da Setriccal. Quando questionado sobre o porquê de ter usado a definição “surto psicótico”, o empresário afirmou: “Ele falou comigo que surtou. Eu perguntei o que aconteceu e ele disse: “Eu não sei, eu surtei!, ele mesmo falou”. 

Valadares afirmou que “ele é um bom trabalhador, uma pessoa de confiança e sem histórico de problemas desse tipo na empresa”. O proprietário ainda esclareceu que encaminhou o funcionário para acolhimento em instituições especializadas.

Ainda no comunicado oficial, o Executivo de Mariana, por meio da empresa Setriccal, informou que o funcionário “foi encaminhado à delegacia do município e todas as providências serão tomadas, bem como o ressarcimento dos danos causados”. 

“Surto psicótico”

O Jornal Voz Ativa entrevistou também na tarde desta terça-feira (17/09), Evaristo Magalhães, mestre e doutor em psicanálise pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O profissional explicou que o “surto psicótico” é caraterizado por um desgaste da estrutura psíquica.

“No entanto, a expressão já caiu em desuso tanto na literatura quanto no vocabulário médico. Pessoas apresentando altos níveis de estresse são tachadas à revelia de "psicóticas", "surtadas" e "histéricas". Temos que tomar muito cuidado com esse tipo de expressão, carregadas de estigma e preconceito”.

Uma classificação genérica

A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, frequentemente designada pela sigla CID, fornece inúmeros códigos relativos à classificação de doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas para doenças.

Transtornos psicóticos agudos e transitórios estão enquadrados no CID 10, entretanto, existem várias subcategorias dentro da própria classificação, por exemplo: transtorno psicótico agudo polimorfo, sem sintomas esquizofrênicos; transtorno psicótico agudo polimorfo, com sintomas esquizofrênicos; transtorno psicótico agudo de tipo esquizofrênico, entre outros.

Importância do acolhimento

Evaristo Magalhães afirmou também que não é capaz de diagnosticar o caso do trabalhador, tampouco pode fornecer qualquer tipo de laudo, mas ao que tudo indica parece que ele passou por um sério problema emocional.

Psiquiatras são os profissionais mais indicados a emitirem esse tipo de laudo. “Espero que ele tenha sido encaminhado para um hospital com esse tipo de serviço. Certamente ele precisará ser medicado e procurar um psicólogo ou psicanalista para fazer um acompanhamento e entender o que está por trás desse problema”.

Excesso de trabalho e exaustão mental

Em um mundo marcado pelo consumo e pela competitividade, o acúmulo de tarefas e cobranças excessivas tem levado ao esgotamento profissional de trabalhadores dos mais diversos segmentos do mercado.

Ainda em conversa com o dono da empresa, o mesmo afirma que o funcionário passa por problemas pessoais, portanto, o Jornal Voz Ativa não afirma que o caso citado configure excesso de trabalho, mas é nossa obrigação explorarmos o assunto, de forma didática, após entrevista com mestre e doutor em psicanálise, para que mais pessoas se inteirem do que vem acontecendo pelo país.

Esse tipo de crise, de acordo com o profissional da saúde mental, como a enfrentada pelo trabalhador em Mariana, tem sido cada vez mais comum no campo profissional.

 “As doenças mentais estão intrinsecamente ligadas às pressões no ambiente de trabalho e todo o estresse provocado por eles. Em Belo Horizonte, por exemplo, temos acompanhado inúmeros casos de motoristas de ônibus que em função do estresse no trânsito e da conturbada relação com os usuários, abandonam a função no meio da viagem e saem andando sem rumo”.

Perguntando sobre o que leva os trabalhadores a esse tipo de crise, Magalhães explicou: “O que chamamos, às vezes erroneamente de psicose tem muito a ver com o desgaste da nossa estrutura psíquica, vivemos em um mundo muito conturbado no campo dos valores”.

Foto 2 - Evaristo Magalhães é psicanalista, participa do programa Ponto de Encontro, aos domingos, na Rádio Itatiaia BH e escreve para o Portal Uai do Jornal Estado de Minas. Crédito-Arquivo pessoal.

O psicanalista ainda fez um alerta: “crises dessa natureza podem levar ao suicídio. Nessas ocasiões, o indivíduo está tentando falar do seu sofrimento e desespero, é um pedido de socorro. Muitas vezes a psique não consegue absorver tal situação e responde com atitudes diversas como paralisar, chorar, gritar, entre outras. O incidente nos remete à importância da campanha Setembro Amarelo que tem como objetivo a conscientização sobre a prevenção do suicídio’’.

Setembro Amarelo

No Brasil, a campanha foi criada em 2015 pelo CVV (Centro de Valorização da Vida), CFM (Conselho Federal de Medicina) e ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), com a proposta de associar à cor ao mês que marca o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio (10 de setembro).  

Não apenas nas redes sociais, mas também através de portais de notícias e em emissoras de televisão e rádio, a campanha mundial de prevenção do suicídio tem sido divulgada de modo a alertar sobre como os sofrimentos mentais podem afetar o bem-estar das pessoas, fazendo-as buscar até mesmo o autoextermínio.

“Ainda que a conscientização sobre a depressão e outros males psíquicos sejam importantes, fica claro que mais urgente ainda é a necessidade de uma abordagem humanizada e criteriosa a partir das particularidades de cada paciente”, finaliza o psicanalista.

Em Ouro Preto, o Núcleo de Apoio à Vida (Naviop) instituição sem fins lucrativos e mantenedora do Programa CVV, realiza um importante trabalho de valorização à vida. O atendimento presencial do Naviop é realizado de quarta a domingo, das 8h às 11h, no prédio do Trem da Vale, que fica na Estação.

Mais informações podem ser obtidas pelo site www.cvv.org.br. Já o telefone para atendimento é o 188.

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