Neste artigo, com licença poética, gostaria de dedicar estas palavras ao silêncio[U1] . Até parece contraditório! Mas, sem o recurso da palavra, não poderei homenagear e mostrar o valor do silêncio.
Estamos vivendo na sociedade do barulho, do ruído e do pancadão. A lógica tola e incômoda que vigora atualmente e tira a paz de muita gente é esta: “quanto mais alto, melhor!”. Esta história é antiga: já em 1660, o filósofo francês Blaise Pascal afirmou: “a única causa da infelicidade do homem é ele não saber ficar quieto em seu quarto”. Pascal certamente sabia que isso é mais difícil do que parece. Muitas vezes, as pessoas usam do artifício do barulho e do ruído porque têm medo de si mesmas, não querem se deparar com sua própria realidade, evitam defrontar-se com suas mazelas, angústias e com os problemas da vida, refugiando-se naquilo que dispersa e aliena. O silêncio e a quietude, nesse contexto existencial, tornam-se insuportáveis e extremamente dolorosos.
Existem diversos tipos de silêncio: o silêncio tímido de quem não fala por vergonha; o silêncio omisso de quem não levanta a voz por covardia; o silêncio medroso de quem não quer denunciar porque teme a represália; o silêncio depressivo de quem se sente vazio por dentro; o silêncio vingativo daquele que recusa a palavra para revidar uma ofensa recebida; o silêncio insensível da indiferença; o silêncio forçado pela disciplina imposta por alguma instituição; o silêncio enraivecido de quem “engole sapo” para não piorar a situação; o silêncio espantado de quem não encontra palavras para expressar o que vê e sente; o silêncio fúnebre de quem amarga a perda de um ente querido; o silêncio respeitoso do ambiente hospitalar e etc. Todos estes silêncios citados acima são muito eloquentes, dizem muito sobre a personalidade, as opções e o modo como cada ser humano lida com a vida e com os problemas existenciais. Mas a qual silêncio me refiro neste artigo?
Refiro-me ao silêncio interior, àquele silêncio que possibilita à pessoa exercitar um encontro e um diálogo fecundo e profundo consigo mesma. É o silêncio para escutar, a princípio não o outro, mas a si mesmo. É aquele saudável silêncio que pode ser motivado por um bom retiro espiritual, por um momento de meditação pessoal, por uma música clássica instrumental, pelo afastamento temporário da vida ordinária. É aquele silêncio que ajuda a pessoa a “escutar” a própria vida e a tomar posse da própria existência. É o silêncio que unifica o ser humano por dentro e, por isso, cria maior capacidade de comunhão externa. É o silêncio contemplativo e meditativo de quem busca a essência de si, do outro e da realidade que o cerca. Todo ser humano precisa de pausas restauradoras para cultivar este silêncio que possibilita recuperar o fôlego existencial e tomar consciência do “lugar” vivencial onde se encontra. Sem este silêncio, a pessoa humana corre o risco de tornar-se dispersa, descentrada, desagregada e desorientada. E a vida torna-se insuportável!
Este silêncio tem tudo a ver com as relações humanas. A qualidade das palavras do ser humano e a sua capacidade de ouvir verdadeiramente o outro, vão depender da sua disposição de silenciar-se para ouvir a si mesmo. O silêncio enriquece a relação e a comunicação com os outros. Só consegue estabelecer relações verdadeiramente humanas e edificantes quem aprendeu a arte de silenciar para ouvir a si mesmo e, consequentemente, ouvir o outro. Silenciar é tão difícil quanto aprender a ouvir a si mesmo e ao outro. O Cardeal Guineense Robert Sarah, autor do livro “A força do silêncio: contra a ditadura do ruído” e grande apologeta do silêncio fecundo, diz que “o silêncio exerce uma função ascética, na medida em que purifica a palavra, e tem também uma função mística, na medida em que que cria comunhão”. Somente aquele que escuta no silêncio é capaz de comunicar-se verdadeiramente com os demais. Para Emanuel Mournier (1905- 1990), famoso filósofo francês personalista, a pessoa humana é um ser de relação e de comunicação. Porém, sem a experiência do “recolhimento em si”, “da intimidade”, “da interioridade” ou da “conversão íntima”, a pessoa nunca viverá uma existência autêntica porque a vida humana é marcada por tensões e questões que só podem ser problematizadas na solidão pessoal e no recolhimento. A pessoa humana é dialética sadia entre a interioridade fecunda do silêncio e a exterioridade abundante da comunhão e do afrontamento.
Meu saudoso amigo e professor Pedro Paulo Christovam dos Santos, inspirado no filósofo Louis Lavelle (1883- 1951), afirmava que “o silêncio é a homenagem que a palavra presta ao espírito humano”. A maior e melhor homenagem que o espírito humano pode receber da palavra é o silêncio. É no silêncio que o ser humano se recompõe, se refaz, se reconstrói, se autocompreende e se autopossui. E a autopossessão é extremamente necessária para a autodoação. Quem não se possui, não se doa verdadeiramente ao outro. Neste sentido, doação de si tem a ver também com silêncio. Serve mais e melhor, quem silencia mais.
Fazer silêncio é uma arte, cada vez mais rara, mas é condição para o ser humano conservar a sua saúde psíquica e espiritual. O silêncio cura, o barulho adoece. O cardeal Sarah constatou que a geração atual é órfã da escuta porque há um déficit de silêncio. O barulho tem crescido nos últimos anos, gerando grande incômodo para quem precisa pensar e se concentrar para fazer algo, escrever algo ou simplesmente ouvir o que precisa ser ouvido. Diante da cultura do ruído, do pancadão e do muito falar, temos que aprender com os monges a venerar o silêncio como caminho de crescimento pessoal, relacional, psíquico e espiritual. Adélia Prado, renomada poetisa mineira, nos ensina o valor do silêncio: “esconder-se no porão, de vez em quando, é necessidade vital. Precisamos de silêncio e solidão, e, não, apenas os poetas. Senão, corremos o perigo de nos esvairmos em som, fúria e esterilidade. O campo para que a palavra se instale para o autor e para o leitor é o campo do silêncio e da audição” (Jornal “o tempo”, 16/10/2010).
Posto tudo isso, solicito à minha própria palavra e à sociedade do barulho um respeitoso “minuto de silêncio” em homenagem ao silêncio!
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