Na TV, o comercial de margarina enaltece uma vida plástica e perfeita. Coisa de novela das nove! Em casa, a margarina é dura, o café é amargo e a rotina é cruel. Essa contradição é a essência do curta-metragem "Margarina", um necessário retrato da violência silenciosa contra a mulher.
Com pré-estreia marcada para os dias 3 e 4 de abril, às 20h, na Funec Inconfidentes (Praça Marília de Dirceu, 20, Inconfidentes), em Contagem, o filme de Manu Macedo e Thiago Sobreiro mostra a sufocante vida de Joana, uma mulher casada com um policial penal e mãe de uma menina. Após provocar uma intensa aflição no espectador, a obra suscita a revolta, uma vez que a normalização da opressão é devidamente criticada. Joana, em meio a uma onda de assassinatos, cansou de morrer.
“O filme explora a inércia sufocante de um cotidiano opressor, onde cada dia se torna uma prisão silenciosa e implacável para uma mulher subjugada. O tema central da narrativa é a experiência de uma mulher vítima de violência doméstica, destacando sua luta interna e a dinâmica de poder que ela enfrenta, enquanto sobrevive em uma sociedade apática que normaliza a violência”, explica Manu Macedo, que, além de dirigir o curta com Thiago Sobreiro, interpreta a protagonista Joana. A personagem, a propósito, é casada com Caio, vivido pelo ator e roteirista Gabriel Vinicius.
Produzido pela Catimbó Filmes e distribuído pela Banjo Filmes, "Margarina" conta com uma equipe majoritariamente de jovens e mulheres, que apresentam uma obra que denuncia e provoca reflexão. Com 15 minutos de duração, o curta-metragem foi realizado com recursos da Lei Paulo Gustavo - Fomento ao Audiovisual de Contagem. De acordo com o diretor Thiago Sobreiro, a obra teve como uma de suas inspirações o trabalho da cineasta belga Chantal Akerman. “Em especial, o longa ‘Jeanne Dielman’, além dos filmes de Lynne Ramsay, como ‘O Romance de Morvern Callar’ e ‘O Lixo e O Sonho’. Esses trabalhos foram pontos de referência importantes no início da elaboração estética e da linguagem empregada na realização do curta”, pontua Sobreiro. “A obra ‘A Face da Guerra’, de DALI, reverberou na minha cabeça enquanto eu construía a personagem joana”, completa Manu.
ENREDO. Crítico, o filme “Margarina” acontece em um ambiente que simula a serenidade das propagandas de margarina, o que maquia a dura realidade de uma mulher subjugada, imersa em um cotidiano de controle e de violência psicológica. A obra contrapõe os espaços interno e externo, destacando a indiferença da sociedade à situação de Joana e de tantas outras mulheres. “Queremos produzir uma reação cognitiva no espectador que sirva como base para uma reflexão acerca dos diferentes tipos de opressão sistêmica e seus impactos internos”, pontua Sobreiro. “O nosso objetivo é provocar incômodos e questionamentos, despertando reflexões”, completa Manu.
Sob o viés artístico, com uma estética detalhadamente construída pela direção de arte de Roberta Lisa e a direção de fotografia de Gabriel Freitas, "Margarina" traz à tona a realidade brasileira, em que mais de 21 milhões de brasileiras com 16 anos ou mais sofreram algum tipo de violência só no ano de 2024. “No Brasil, a cada seis horas uma mulher é morta vítima de violência doméstica. Esse dado é alarmante! E o que mais me assusta é o fato de que já estamos acostumados. Ao mesmo tempo, quando o oposto ocorre — ou seja, uma mulher mata um homem —, a mídia faz um estardalhaço, dando proporções gigantescas ao caso. Não estou defendendo o assassinato, longe disso, mas gostaria que meu filme levasse o público a refletir sobre essa discrepância e sobre o tratamento desigual da violência de gênero”, relata Manu Macedo.
SERVIÇO
Pré-estreia curta-metragem “Margarina”
Data: 3 e 4 de abril, às 20h
Local: Funec Inconfidentes (Praça Marília de Dirceu, 20, Inconfidentes), em Contagem
Entrada Franca
Mais detalhes: @margarinacurta
FILME AFETIVO
“Margarina” é um filme afetivo. Estreia de Manu Macedo como diretora, produtora e roteirista, após uma série de trabalhos no teatro, a obra representa o amadurecimento dela no audiovisual e é um elemento importante no seu processo de se entender como mulher. “Sempre me senti julgada em tudo o que eu me propus a fazer. Tive medo e nunca me senti capaz de realizar nada. Vivia duvidando de mim mesma. O filme me ajudou a perceber que lugares de poder poderiam, sim, ser ocupados por mim”, revela a diretora e protagonista.
Além de realizar um sonho, assim como colaborar no debate sobre a violência contra a mulher, Manu imprimiu elementos autobiográficos no curta-metragem. “A ideia da história surgiu de uma lembrança do meu passado com minha avó Maria. Ela sofreu muito psicologicamente com a relação abusiva que teve com meu avô”, conta a artista. “A minha avó foi silenciada durante grande parte da sua vida, precisou abrir mão de seus sonhos e desejos para se submeter a essa relação. Essa memória me inspirou a criar a personagem Joana”, completa Manu, dizendo que, socialmente, fora das quatro paredes, o avô sempre foi considerado um pai incrível, um homem divertido e carinhoso.
“A gravação do filme foi uma experiência profundamente afetiva. O curta foi rodado no bairro Novo Eldorado, em Contagem, onde eu cresci. Eu queria deixar registrado o cotidiano daquele lugar. Alguns dos figurantes são pessoas da minha família: meus pais, meu irmão, tios e primos. A casa do casal Joana e Caio, por exemplo, é a mesma onde meu pai cresceu, e onde meus avós paternos construíram suas vidas”, relata a artista, que co-dirigiu o trabalho com Thiago Sobreiro, roteirista de filmes como “Os Dias Sem Tereza”.

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