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Em Mariana-MG, jovem transexual comemora resultado no Enem e sonha com a universidade

Cléo de Paula fez questão de agradecer ao professor Marco Tukoff pelo ótimo desempenho na prova e afirmou: "vai ter transexual na universidade, sim".

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Por João Paulo Silva Publicado em 24/01/2019, 20:52 - Atualizado em 03/07/2019, 21:00

Foto-Cléo de Paula tem 22 anos e quer cursar Letras na Universidade Federal do Espírito Santo
Crédito-Arquivo pessoal

Marginalização. Não reconhecimento da identidade de gênero. Violência. Falta de acesso ao mercado de trabalho. Preconceito. Estes são apenas alguns dos problemas enfrentados diariamente por lésbicas, gays, bissexuais e travestis no país. A cada 25 horas um LGBT é assassinado em crimes relacionados à homofobia. Foram pelo menos 260 homicídios no ano passado. Como mostram as estatísticas publicadas pela ONG Grupo Gay Brasil (GGC), ainda há um longo caminho a percorrer em direção a uma sociedade que, de fato, respeite a diversidade sexual.

Outro grande problema enfrentando principalmente pelas travestis, transexuais e transgêneros é a dificuldade em acessar o mundo acadêmico. A academia, ainda elitista e excludente, necessita cada vez mais de representatividade dos integrantes da sigla. Mas em meio a esse cenário violento, a inspiração pode ser encontrada na mulher transexual Cléo de Paula.

A transexual nascida em Mariana (MG) acaba de tirar 900 pontos na última redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Apenas 100 pontos a separam de outra adolescente marianense. Laura Elisa Araújo Viana é uma das 43 mulheres que comemoram a nota mil no exame. Os resultados foram divulgados Inep na última sexta-feira (18). Ao todo, 4,1 milhões de candidatos realizaram o Enem, em novembro do ano passado.

Estudante de Mariana-MG tira nota mil na redação do Enem

De acordo com o Manual de Comunicação LGBTI+, disponibilizado na internet pela Aliança Nacional LGBTI, Grupo Dignidade e rede GayLatino, transexual é pessoa que possui uma identidade de gênero diferente do sexo designado no nascimento. As pessoas transexuais podem ser homens ou mulheres, que procuram se adequar à identidade de gênero.

O bom desempenho da prova do MEC surge na vida de Cléo como uma importante conquista. Expulsa de casa no ano passado, a jovem contou com ajuda de uma amiga que a acolheu no difícil período. “Após dois meses, uma tia ficou sabendo da minha situação e me ofereceu um emprego em seu salão de beleza. Eu me sentia muito desnorteada e sem rumo”.

Foi através dos estudos que Cléo se encontrou e resolveu mudar de vida. “A minha tia me incentivou bastante e me pagou aulas particulares de redação com o professor Marco Tukoff. Logo em seguida, fiz uma prova para entrar no cursinho PREMAR, ofertado pela prefeitura de Mariana. Foi graças a este curso e ao professor Tukoff que eu consegui este ótimo desempenho”, conta. Foram meses de luta, intercalando o trabalho durante o dia e os estudos à noite.

“Estudar virou um hábito e eu comecei a gostar muito de escrever. A cada dia, eu só pensava em me superar e treinava escrevendo bastante textos dissertativos e argumentativos”. No futuro, a jovem, pensa em cursar Letras. “Optei por esse curso desde que eu comecei a estudar. Penso em ser professora de inglês em um futuro breve”.

De acordo com a Transvest, uma ONG de Belo Horizonte que objetiva combater a transfobia e incluir travestis, transexuais e transgêneros na sociedade, o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais do mundo. A Transvest foi criada pela professora Duda Salabert, de 37 anos. Salabert foi a primeira travesti brasileira a concorrer a uma vaga no Senado em 2018, conquistando 351.874 votos. O projeto de Duda possui várias frentes de ações, tais como cursos pré-vestibular, aulas de idioma, atendimento psicológico, incentivo à prática de esportes, dentre outras.

Uma bandeira vermelho sangue

Se por um lado existe a contribuição no âmbito da assistência social para a comunidade de travestis e transexuais, a realidade ainda expõe dados cruéis. De acordo com a ONG Transgender Europe, a expectativa de vida de travestis no Brasil é de 35 anos; enquanto a média dos demais brasileiros é de 74,9 (IBGE, 2013).

Outra pesquisa realizada na capital mineira pelo Núcleo de direitos humanos e cidadania LGBT da Universidade Federal de Minas Gerais destaca que 91 % das travestis da capital mineira não concluíram o ensino médio. E quase um terço das travestis abandonaram a escola devido às violências física e simbólica recebida no ambiente escolar.

Como se não bastasse, a Tranvest alerta também que centenas de travestis, obrigadas pela profissão a assumirem corpos hiper-sexualizados, morrem por ano ao usarem silicone industrial ou ao usarem hormônios de modo indiscriminado – mortes que apontam para o fato de que a sociedade, na maioria dos casos, destina às travestis exclusivamente o espaço da prostituição.

Futuro

Cléo de Paula já fez a inscrição no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), do Ministério da Educação. No momento, sua média está mais alta que a nota de corte no curso escolhido e ela pode ser classificada logo na primeira chamada. A primeira opção da jovem é Letras na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), mas ela também tentará ingressar no mesmo curso pela Universidade Federal de Ouro Preto, como segunda opção.

Colhendo os frutos do esforço, Cléo não esquece de agradecer àqueles que a ajudaram a alcançar o primeiro degrau do sucesso. “Eu quero agradecer ao professor Marco, que exigiu muito de mim e que me fez sentir vontade de me superar dia após dia. Quero agradecer a minha prima Gabrielle Lima, que praticamente pegou na minha mão e me ensinou a escrever e a minha tia Daliandra, que apesar de todos desentendimentos apoiou que eu estudasse e acreditou que eu fosse conseguir”.

“Gostaria de agradecer também a minha amiga Suzy Damatta, que esteve comigo nos meus momentos de crise e ficou tão feliz quanto eu por essa conquista”.

Cléo não deixou de citar também a grande amiga Júnia Graziela, uma de suas maiores incentivadoras. E para quem pensa que Cléo irá se calar diante das injustiças, ela manda o seu recado. “Respeitar as diferenças é respeitar o que não é igual a nós e que, muitas vezes, nem compreendemos. Vai ter transexual na universidade, sim! ”.

 

2 Comments

  1. Sthephanny 27/01/2019 em 19:14- Responder

    Todas as escolhas têm perda. Quem não estiver preparado para perder o irrelevante, não estará apto para conquistar o fundamental.

  2. Alex 20/10/2023 em 23:49- Responder

    lembrando q a trans Liana Paula formou em pedagogia na ufop esse ano 2023, parabéns a vcs q tem objetivo e seguem firme contro a homofobia

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