Congonhas convive com “rota de fuga” e temor constante por barragem da CSN

Quase dez anos desde a tragédia-crime de Mariana, ocorrido a 70 km dali, a outra construção da empresa continua preocupando e causando adoecimento mental entre moradores, segundo o MAB.

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Por JornalVozAtiva.com Publicado em 25/04/2025, 13:03 - Atualizado em 25/04/2025, 13:05
Foto – Reprodução. Siga no Google News

Em Congonhas, cidade histórica mineira adornada pela arte de Aleijadinho, um cenário incomum se impõe à rotina dos moradores: placas de “rota de fuga” salpicam as calçadas, acompanhadas por setas indicando caminhos para as áreas mais elevadas do município. A razão para essa sinalização defensiva paira no horizonte: a barragem Casa de Pedra, uma imponente estrutura capaz de reter 65 milhões de metros cúbicos, erguida no coração da cidade.

Quase uma década após a tragédia de Mariana, distante 70 quilômetros, a barragem em Congonhas persiste como fonte de apreensão e, segundo o MAB (Movimento Atingido por Barragens), causa crescente sofrimento psíquico entre a população local.

Na vizinhança imediata da barragem residem 4.330 pessoas, enquanto outros 12 mil habitantes se encontram na denominada “zona de auto salvamento”, perímetro demarcado pela prefeitura e equipado com sirenes de alerta para uma possível evacuação emergencial em caso de iminente rompimento.

A CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), por meio de nota oficial, garante a segurança e a estabilidade da barragem, refutando qualquer risco de colapso. Contudo, as estimativas do MAB apontam para um cenário alarmante: em caso de rompimento, os moradores teriam apenas oito segundos para escapar da avalanche de lama.

Uma audiência recente do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), realizada em janeiro, evidenciou relatos de aumento no consumo de medicamentos controlados, além do desconforto com a desvalorização imobiliária e o temor exacerbado nos períodos chuvosos, diretamente associados à presença da barragem.

A intenção do MPMG e de movimentos sociais é realizar uma avaliação preventiva da saúde mental das comunidades próximas a barragens, buscando dimensionar o impacto psicológico da constante ameaça de um acidente.

O MAB ilustra a gravidade da situação com dados de uma pesquisa da Fiocruz, divulgada em novembro, que revelou um aumento significativo nos casos de depressão intensa e ansiedade em Brumadinho entre 2021 e 2023, após o rompimento da barragem da Vale.

Segundo o MAB, novas discussões sobre o tema com o Ministério Público estão previstas para este ano.

Sinais de alerta

Os temores em Congonhas ecoam um passado recente. Em 2017, um parecer do MPMG já apontava a existência de fissuras na estrutura da Casa de Pedra, alertando para o risco de ruptura e demandando medidas de segurança reforçadas.

Em 2019, a prefeitura local precisou interditar duas escolas situadas em áreas de risco próximas à barragem, transferindo os alunos para outros locais. Os prédios escolares permanecem abandonados, mas os moradores vizinhos não foram realocados e seguem residindo na área.

Em 2022, um deslizamento de terra provocado pelas chuvas teria carreado rejeitos de minério para um curso d'água próximo a Congonhas, conforme denúncia do Ministério Público Federal (MPF).

A CSN, por sua vez, alega que o incidente ocorreu em uma área adjacente à barragem. A empresa afirma ter investido R$ 9 milhões em planos de evacuação, núcleos comunitários, veículos para a Defesa Civil, treinamentos, seminários e sinalização.

A companhia também assegura ter realizado obras para aumentar a estabilidade da área do deslizamento e protegê-la da erosão, especialmente durante os períodos de maior pluviosidade.

A Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), órgão do governo de Minas Gerais, também se manifestou, afirmando que um relatório de 2024 atestou a estabilidade e a segurança da barragem, que, segundo o estado, não recebe novos rejeitos desde 2019.

Apesar das garantias, o aposentado Sebastião dos Santos, 64 anos, morador do bairro Gualter Monteiro e agente comunitário, convive com o medo constante, intensificado nos dias de chuva. Há duas décadas, ele testemunhou a mineradora construir e expandir suas operações a cerca de 200 metros de sua residência.

Sebastião relata ter sido alvo de notícias falsas sobre supostos abalos na barragem, o que, segundo ele, gera descrença entre os vizinhos em relação às normas de segurança. Muitos, afirma, sequer deixam suas casas quando as sirenes soam durante os simulados de evacuação. Este, contudo, não é o seu caso.

Sebastião carrega na memória a tragédia de Fundão, onde 19 vidas foram perdidas no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana. Tampouco esquece as 268 vítimas de Brumadinho. Devoto, ele atua como voluntário em uma capela próxima à sua casa.

“A gente se imagina dentro daquela cena. Só que com a gente, a coisa seria muito maior, né?”, lamenta. “É um medo constante. Eu peço a Deus para nos dar discernimento caso um dia aconteça de ela vir abaixo e a gente sair a tempo”.

A CSN reitera que a barragem é monitorada 24 horas por dia, que investe em auditorias regulares conduzidas por empresas externas e que adotou um modelo de construção para “assegurar que ela jamais estaria suscetível a rompimentos nos moldes do que aconteceu em Mariana e Brumadinho”.

O padre Antônio Claret, 60 anos, da paróquia Nossa Senhora da Conceição, propôs à empresa medidas mais radicais, como o reassentamento da população residente nas proximidades da Casa de Pedra.

Desde a tragédia de Brumadinho, o padre se tornou uma voz ativa do movimento de atingidos por barragens no município. A igreja onde atua está localizada próxima aos bairros mais carentes de Congonhas, distante do circuito turístico dos Doze Profetas de Aleijadinho.

Muitos moradores, no entanto, deixaram de participar das audiências públicas para discutir alternativas.

“O pessoal tem medo, mas não tem como sair. Muitos têm familiares ou dependem do trabalho na mineradora”, explica o padre. “Já houve uma reunião com mil pessoas. Mas o pessoal se desiludiu por não ver mais solução.”

No cotidiano da paróquia, as demandas são menos técnicas e mais pessoais. O padre relata ter sido procurado por pessoas com queixas íntimas.

“A gente percebe muito adoecimento mental. A pessoa não dorme direito, aumentou muito o uso de remédio controlado”, constata.

A CSN, por sua vez, considera um reassentamento inviável, alegando potenciais prejuízos ambientais e socioeconômicos, uma vez que a barragem é considerada segura e a sugestão seria “absolutamente injustificável, dada a ausência de riscos.”

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