Com machismo estruturado, feminicídios aumentam em Minas

Especialistas apontam que homens mantém privilégios e que políticas públicas não consideram demandas das mulheres.

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Por Tino Ansaloni Publicado em 09/08/2019, 21:11 - Atualizado em 09/08/2019, 21:11
Deputadas criticaram falta de estrutura de apoio às mulheres vítimas de violência e cobraram debate racial no âmbito das políticas públicas – Foto: Flavia Bernardo Siga no Google News

“Estamos no mínimo há 30 anos falando a mesma coisa e nada acontece. Não somos escutadas. Enquanto não tivermos democracia nas relações cotidianas de gênero, não teremos relações igualitárias em nenhum nível. A violência vem dessas relações hierárquicas cotidianas”.

O desabafo, da coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre a Mulher da UFMG (Nepem), Marlise Miriam de Matos Almeida, aconteceu durante audiência pública sobre feminicídio da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada nesta quinta-feira (8/8/19).

Segundo ela, a violência vem de um ciclo perverso, no qual os homens mantém privilégios, numa sociedade politicamente hierárquica. “O agressor pode até ir preso, mas a origem da violência é intocada. Quarenta por cento dos lares brasileiros são sustentados por mulheres. A demissão da paternidade e abandono do lar são a origem da violência. Há 100 anos o feminismo fala do privilégio masculino e nada acontece”, explicou.

A diretora de Políticas para as Mulheres da Prefeitura de Belo Horizonte, Viviane Coelho Moreira, disse que foi feito um diagnóstico entre as 12 secretarias da Prefeitura, compostas majoritariamente por homens em suas diretorias.

“Isso acarreta que as políticas públicas não levem em consideração as demandas das mulheres, prejudicando o acesso delas aos direitos. A sociedade é machista e patriarcal e isso leva a um modus operandi que impede o acesso das mulheres ao poder”, ressaltou.Audiência discute combate ao feminicídio

A economista e coordenadora da Rede Feminista de Saúde - Seção Minas Gerais, Maria Dirlene Trindade Marques, enfatizou que se o trabalho doméstico fosse remunerado e reconhecido, os salários de toda a população teriam de aumentar. Assim, na sua avalliação, há um interesse capitalista em que o patriarcado continue.

“O feminismo trouxe pra pauta essa questão da situação doméstica da mulher. Quem cuida das crianças, da casa, dos idosos não é reconhecido. Então temos de lutar por creches, por lavanderias, que são mecanismos que permitem que a mulher se emancipe. Precisamos conquistar os espaços públicos e fazer esse enfrentamento. Lutar por conselhos de mulheres, delegacias e ocupar mais cadeiras nos espaços políticos”.

Representando a Rede Feminista de Saúde, Ermelinda de Fátima Ireno de Melo disse que o poder público sabota as tentativas de ajudar as mulheres. "Para tudo tem dinheiro, menos para nossas políticas. Precisamos permitir que as mulheres falem e assumam suas próprias vidas. Elas precisam ocupar mais, para essas políticas terem vez nos orçamentos”.

Feminicídios aumentam em Minas – Apesar da Lei do Feminicídio ser recente, o Atlas da Violência Doméstica 2019, com dados de 2017, já indica aumento nas taxas. Pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Krislane de Andrade Matias afirmou que houve crescimento de mulheres mortas por armas de fogo de 28% dentro na residência e 6% fora, de 2016 para 2017.

Além disso, a taxa de homicídios brasileiros é de 3,2 homicídios por 100 mil habitantes, sendo que a de mulheres negras é de 4,1. “As mulheres são majoritariamente assassinadas por pessoas próximas e aos sábados, em ambiente doméstico. E as delegacias só funcionam de segunda a sexta. Mulheres negras têm risco maior de morrerem em decorrência da violência doméstica. E esse risco aumentou, enquanto que entre as não negras estabilizou ou caiu”.

Assessor de Direitos Humanos da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, o Major PM Jovanio Campos Miranda disse que o sistema de proteção, como um todo, precisa “falar a mesma língua”. “A taxa de homicídios em Minas é 3,8% enquanto a nacional é 31,6%. Tivemos ações no Estado que trouxeram resultado. Mas acreditamos que a sociedade precisa evoluir e nosso trabalho ainda tem muita margem pra melhorar. Temos uma Patrulha da Violência Doméstica e realizaremos nesse mês um seminário de prevenção à violência doméstica”, ponderou.

O superintendente de Inteligência e Informações Policiais da Polícia Civil de Minas Gerais, Ivan José Lopes, disse que em Minas Gerais, comparando o primeiro semestre desse ano com o do ano passado, houve aumento de 8,6% nos casos de feminicídio, sendo Belo Horizonte a cidade mais violenta em números absolutos, com Contagem em segundo lugar.Em Minas, 67 mulheres foram assassinadas no 1° semestre deste ano

“Montes Claros está bem abaixo da média, o que nos faz suspeitar que a subnotificação seja alta lá. E em todo o Estado 11% do total das pessoas que morreram no primeiro semestre por morte violenta intencional eram mulheres”, completou.

A deputada Marília Campos (PT) criticou a falta de estrutura pública para dar apoio às mulheres vítimas de violência. “Tenho visitado delegacias em todo o Estado e pretendo produzir um relatório robusto. Completaram-se 13 anos da Lei Maria da Penha, cuja importância nacional e internacional é inegável. Mas infelizmente em muitos aspectos ela ainda está ‘na gaveta’. Muitas mulheres ainda procuram o poder público, não são atendidas e acabam desistindo", disse.

A deputada ainda defendeu a reestruturação do sistema para que as mulheres sejam acolhidas, os agressores punidos e para que haja uma conscientização desde a infância contra o machismo. 

A deputada Andreia de Jesus (PSOL) disse sentir falta do debate racial transversal em todas as políticas públicas. “Genocídio da população negra é um projeto de estado. Os homens negros são presos, as mulheres mortas. Precisamos falar dessas pessoas, que não estão aqui hoje, porque estão trabalhando. Que não acessam os equipamentos públicos porque o ônibus é caro e não passa na cidade toda. Não acredito no sistema penal para resolver os problemas sociais. Mas tanto escolas como delegacias como outras instituições públicas reproduzem o racismo. E ninguém fala sobre isso”.

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