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CNJ e CNMP apuram condutas de juiz e promotor que atuaram no caso Mariana Ferrer

Imagens inéditas da audiência, divulgadas pelo Intercept Brasil, mostram defesa do réu usando fotos sensuais da jovem para questionar acusação de estupro. Autoridades e representantes políticos também cobram acompanhamento do caso e punição dos responsáveis.

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Por João Paulo Silva Publicado em 04/11/2020, 17:40 - Atualizado em 04/11/2020, 17:50

A Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) instauraram expediente para apurar a conduta do juiz de Direito Rudson Marcos, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), na condução de audiência em processo criminal movido pelo Ministério Público estadual contra André de Camargo Aranha, acusado da prática de suposto crime de estupro de vulnerável contra a promoter Mariana Ferrer, de 23 anos, no dia 15 de dezembro de 2018, durante uma festa na capital catarinense.

Na Reclamação Disciplinar 0009128-73.2020.2.00.0000, a Corregedoria Nacional de Justiça requisitou informações sobre a existência de eventual apuração sobre o mesmo fato junto à Corregedoria-Geral do TJSC.

A verificação sobre a conduta do magistrado em Santa Catarina também é acompanhada pela Comissão Permanente de Políticas de Prevenção às Vítimas de Violências, Testemunhas e de Vulneráveis do CNJ, composta pelas conselheiras Maria Cristiana Ziouva e Ivana Farina e pelo conselheiro Marcos Vinícius Jardim. O conselheiro Henrique Ávila também se manifestou pela imediata apuração dos fatos.

Entenda

O caso ganhou repercussão nesta terça-feira (03/11), após reportagem do Intercept Brasil e divulgação, pelo mesmo veículo, de um trecho em vídeo da audiência de julgamento da ação penal contra o empresário André de Camargo Aranha, no dia 09 de setembro. André foi considerado inocente.

O promotor responsável pelo caso alegou que não havia como o empresário saber, durante o ato sexual, que a jovem não estava em condições de consentir a relação, não existindo portanto intenção de estuprar – ou seja, uma espécie de ‘estupro culposo’. A argumentação foi aceita pelo juiz. Imagens da audiência as quais o Intercept teve acesso mostram Mariana sendo humilhada pelo advogado de defesa de Aranha, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho.

De acordo com o Intercept Brasil, a defesa do empresário mostrou cópias de fotos sensuais produzidas pela jovem enquanto modelo profissional antes do crime como reforço ao argumento de que a relação foi consensual. “Jamais teria uma filha do nível de Mariana", foram as palavras do magistrado que ainda repreendeu o choro da jovem: “não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”.

O estupro

De acordo com Mariana, na ocasião com 21 anos, o estupro teria ocorrido na noite de 15 de dezembro de 2018, na festa de abertura do verão Music Sunset do beach club Café de la Musique, em Jurerê Internacional, Florianópolis, praia conhecida por concentrar celebridades, ricos e famosos.

Um vídeo feito no local onde Mariana trabalhava como promotora do evento e vazado na internet, mostra a garota, que aparentava estar “dopada”, subindo uma escada ao lado de Aranha, rumo a uma sala restrita da casa. Os dois sobem os degraus às 22h25. Seis minutos depois, ela desce, seguida de Aranha.

Ainda de acordo com o Intercept Brasil, em seu depoimento às autoridades policiais, a jovem afirmou que teve um lapso de memória entre o momento em que uma amiga a puxou pelo braço e a levou para um dos camarotes do Café em que o empresário Aranha estava e a hora em que “desce uma escada escura”. Ela acredita ter sido dopada. A única bebida alcoólica anotada na comanda do bar em seu nome foi uma dose de gim. Mariana era virgem até então. O fato foi constatado por meio de exame pericial.

Repercussão

A repercussão do caso foi grande em todo o país. Em seu perfil do Twitter, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, publicou: “As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram.”

Comissão da Mulher Advogada da OAB

Nesta quarta-feira (04/11), a Comissão Nacional da Mulher Advogada da OAB Nacional também manifestou seu repúdio aos fatos ocorridos no julgamento de Mariana Ferrer, que vieram a público pela exposição de gravação de parte da audiência. Confira a nota:

A Comissão Nacional da Mulher Advogada da OAB Nacional manifesta seu repúdio aos fatos ocorridos no julgamento de Mariana Ferrer, que vieram a público pela exposição de gravação de parte da audiência.

É inadmissível o tratamento recebido pela vítima durante a sessão. É indispensável que seja apurada a ação ou omissão de todos os agentes envolvidos, já que as cenas estarrecedoras divulgadas mostram um processo de humilhação e culpabilização da vítima, sem que qualquer medida seja tomada para garantir o direito, a dignidade e o acolhimento que lhe são devidos pela Justiça.

Infelizmente, o caso de Mariana não é fato isolado em julgamentos de crimes sexuais, e mostra a distância que ainda existe entre os direitos das mulheres no papel e na prática. Os números mostram que 75% das vítimas de crimes sexuais em nosso país não denunciam. E, por mais que sejam feitas campanhas estimulando que as mulheres denunciem, esse número não mudará enquanto o sistema de justiça brasileiro não mudar estruturalmente como atua no julgamento dos crimes sexuais.

A violência de gênero não pode ser usada como estratégia de defesa, o Ministério Público e a Magistratura não podem praticar violência de gênero no curso do processo, nem quedar omissos diante dela.

A injustiça cometida contra Mariana Ferrer também é contra todas as mulheres do Brasil.  Não podemos aceitar esse tipo de postura que criminaliza a vítima. O exercício profissional da advocacia na defesa dos direitos dos cidadãos deve estar sempre pautado na ética e na dignidade da pessoa humana.

Expressamos nossa solidariedade com Mariana Ferrer e esperamos que providências sejam tomadas em todas as esferas competentes para que se opere a efetiva justiça.

Senado

De acordo com informações da Agência Senado, a procuradora da Mulher do Senado, senadora Rose de Freitas, afirmou, nesta quarta-feira (3), que pedirá a anulação da sentença que absolveu o empresário André de Camargo Aranha do crime de estupro contra a influenciadora digita. O juiz, Rudson Marcos, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, acolheu a "tese" da defesa e do Ministério Público, de que o empresário cometeu "estupro culposo". "Estupro culposo não existe", afirmou a senadora, pedindo ação da Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para apurar a atuação dos envolvidos no episódio. O Senado também aprovou voto de repúdio à atuação do juiz, do promotor público e do advogado de defesa do caso.

Câmara dos deputados

Na câmara dos deputados, parlamentares cobraram, nesta quarta-feira (4), um posicionamento oficial do Congresso Nacional sobre as cenas do julgamento do caso Mariana Ferrer. A primeira-secretária da Câmara, Soraya Santos, pediu que o presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre, acione os órgãos de controle.

"Estamos aqui para denunciar a revolta que nos causa a forma de tratamento que foi dada à Mariana Ferrer, mas também a necessidade de proteção institucional das vítimas. O Congresso deve oficiar o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil para acompanhar esse caso e ver os responsáveis punidos exemplarmente", disse a deputada durante a sessão do Congresso para votar os vetos presidenciais.

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