Antonio Marcelo Jackson Doutor em Ciência Política; Professor da Universidade Federal de Ouro Preto Corria o ano de 1513, há exatos cinco séculos, quando o florentino Nicolau Maquiavel redigiu aquele que se transformaria em seu mais famoso livro: “O Príncipe”, publicado postumamente em 1532. Nessa obra, que se pretendia ser apenas “mais um manual para governantes”, conforme o autor chamava a atenção, as regras e conselhos apresentados muito rapidamente se alavancaram num conjunto de argumentos que surpreenderam e surpreendem a qualquer um que lê suas páginas, isto porque, ao contrário de todo o escrito até então, “O Príncipe” trata as relações políticas a partir de dois fundamentos básicos: como alcançar o poder e como manter-se no poder. Para o leitor contemporâneo pode parecer estranho que esses dois fundamentos sejam tão escandalosos; porém, vejamos com mais cautela. Se efetivamente um poder público apenas funciona na medida em que tenha um conjunto de pessoas para gerir a “máquina”, então a afirmação retirada d’O Príncipe torna-se assustadora, visto que, toda a estrutura governamental (funcionários públicos, órgãos públicos, empresas públicas, sistema de gestão etc.) passaria a servir tão somente aos interesses daquele que a governa. Em outras palavras, uma possível “razão de Estado” (lógica que explica as ações e projetos que um poder público deve ter na administração da sociedade e do território) tornar-se-ia somente uma fachada para os objetivos mais mundanos do governante, a saber, manter-se no comando de tudo. Tal questão tornou-se cabo de guerra nos últimos quinhentos anos, e para facilitar um pouco nossa narrativa, foi um dos principais motivos para a criação de uma série de medidas na esfera do Estado tais como a profissionalização do serviço público (para se evitar uma interferência desmedida do governante), e fora dele, como a inúmera lista de pensadores que versaram sobre o tema e elaboraram formas distintas do funcionamento do poder; os exemplos são vários: da “divisão de poderes” de Montesquieu, passando pelos “freios e contrapesos” de Madison e Hamilton, os “direitos das minorias” de Tocqueville, entre tantos outros. Em outras palavras, o simples fato de que as observações de Maquiavel poderiam se transformar em regra usual foi mote para um sem número de reflexões e soluções sobre o problema. Obviamente, o leitor deve estar se pergunto sobre o porquê dessa breve dissertação sobre o autor florentino e as consequências de suas ideias. A resposta reside no fato de que, em última análise, quanto mais às observações de Nicolau Maquiavel estiverem certas e forem adotadas pela classe política, mais a classe política se iguala e se afasta tremendamente de qualquer modelo ideológico ou de princípios. Num bom português, se em nome de se chegar ao poder e manter-se nele vale a ruptura com a ética, então até a aparente “melhor das intenções” virá impregnada dos piores malefícios. Tomemos dois exemplos clássicos de nossa atualidade, o “bolsa-família” e a qualidade do ensino no Brasil. Do primeiro caso os resultados são inegáveis e é fato que a miséria e a desigualdade social em nosso país diminuíram. Contudo, as ações para a redução do número de pessoas abaixo da linha de pobreza não estão acompanhadas de uma melhora no ensino básico e secundário. Sei perfeitamente que o projeto bolsa-família é de responsabilidade do Governo Federal e que a educação básica cabe aos municípios e o ensino secundário, aos estados. Contudo, a distribuição e controle do bolsa-família cabe às prefeituras e um dos requisitos é a criança estar devidamente matriculada na escola. Pois bem, ao que parece, para as prefeituras, governos estaduais e o Governo Federal a simples matrícula já basta, ou seja, cobra-se da família que a mesma mantenha seus filhos na escola, mas elimina-se a responsabilidade dos prefeitos, governadores estaduais e presidência da República (os dois últimos porque repassam inúmeras verbas aos municípios para a manutenção do sistema educacional) quanto à qualidade daquilo que se ensina nas salas de aula. Resumo da ópera: o bolsa-família é um excelente projeto; contudo, por não vir acompanhado de melhorias na educação, é tão-somente um suporte maquiavelicamente eleitoral: manter-se no poder. Deixo claro, portanto, que sou favorável ao bolsa-família e numa oportunidade futura terei prazer de explicar o porquê de minha posição. Entretanto, distribuir renda sem melhorar a formação do cidadão e da mão-de-obra significa apenas garantir votos na próxima eleição. Nesse sentido, apenas para começar a conversa, sempre me pergunto qual a diferença entre PT, PSDB e os demais partidos políticos?
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