“Como identificar um amador”, por Paulo Geovane e Silva

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Por JornalVozAtiva.com Publicado em 27/07/2017, 13:19 - Atualizado em 27/07/2017, 13:20
Paulo Geovane e Silva é professor de Literaturas de Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Belo Horizonte (FACISABH) e do Coleguium Belo Horizonte, mestre e doutorando em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa pela Universidade de Coimbra (Portugal). Escreve mensalmente no Voz Ativa. Em tempos de muita informação e poucas certezas, uma figura muito singular criou asas e tem voado bastante por aí: o amador. O nome e o objeto nomeado, ambos, não são novos na língua portuguesa, motivo pelo qual vale a pena destacar alguns de seus sentidos. O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa apresenta algumas entradas importantes, das quais destaco as três primeiras, por motivos que logo apresentarei: a·ma·dor | adjetivo e substantivo masculino
  1. Que ou o que ama; que ou o que gosta muito de algo ou de alguém. = AMANTE, APRECIADOR.
  1. Que ou aquele que, por gosto e não por profissão, exerce qualquer ofício ou arte.
  1. Que ou o que revela inexperiência em algum assunto ou atividade.
("amador", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [on line], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/amador [consultado em 12-07-2017].) Os três significados acima ilustram perfeitamente bem o modo como o sentido da palavra foi se desenvolvendo com o tempo. Contudo, a palavra “amador” é a pessoa que, como mostra o significado 2, faz algo por gosto e não por profissão, isto é, por amor, conforme mostra o sentido 1.  A terceira acepção do termo parece ser mais complexa do que as duas primeiras, tratando-se, portanto, de pessoas que, em qualquer contexto, julgam ter o domínio de um conhecimento que não têm ou tomam como corretas ações extrema e obviamente equivocadas, e sequer se dão conta desse engano – ou às vezes se dão conta, sim... A literatura nos traz vários desses tipos, como Eusébio Macário, de Camilo Castelo Branco (1879), alguns membros da família de Gregor, de “A metamorfose” (Kafka, 1915), o homem que rouba um carro ao cego bem no início de “Ensaio sobre a cegueira”, de Saramago (1995), ou ainda o Tony, marido de Rami e de outras várias mulheres, em “Niketche: uma história de poligamia” (2002), da moçambicana Paulina Chiziane… Tais figuras, ainda que sejam inumeráveis e infindáveis dentro e fora da ficção, não são tão facilmente identificáveis como aqueles amadores dos itens 1 e 2 acima referidos. Em virtude dessa dificuldade de identificar(-se) um amador – no sentido aqui colocado –, eu resolvi compartilhar alguns sinais úteis, os quais venho compilando em minha memória. Como identificar um amador:
  1. O amador toma-se como única referência de verdade e não consegue dialogar com o que lhe é diverso.
  2. Tomando-se como única referência de verdade, o amador padecerá os dramas de suas próprias razões perfeitamente incipientes.
  3. O amador não se questiona a respeito de nada e nem sempre essa postura advém de algum desconhecimento, mas vem de uma certeza profundamente enraizada.
  4. O amador não enxerga que o seu próprio modo de olhar o mundo não é uma verdade, mas sim uma perspectiva viciada. Nada mais.
  5. O amador gosta de opinar sobre temas que desconhece, e ele sabe disso, mas quer opinar assim mesmo, para não ficar para trás e, assim, parecer um amador.
  6. O amador pensa que pessoas não amadoras são miseravelmente amadoras, e por isso ele pensa, age e fala como se essas pessoas não percebessem tal inversão.
  7. O amador costuma confundir direito e desejo.
  8. Além disso, ele confunde também admiração com inspiração, criando ídolos os quais nunca seguirá.
  9. O amador, opinando ainda sobre assuntos por ele desconhecidos, costuma alimentar estereótipos e pensamentos completamente ultrapassados, mormente sem se dar conta disso.
  10. O amador, no trabalho, gosta de ser elogiado em detrimento de um erro alheio, porque assim poderá sair do estatuto de amador e terá uma visibilidade profissional.
  11. O amador não sabe sobre política, mas, para esconder a própria ignorância, diz que detesta tanto o tema quanto o fenômeno.
  12. O amador, em seu discurso, usa pouco ou nada a palavra “equilíbrio” e seus derivados nominais e verbais.
  13. Na vida afetiva, o relacionamento tenderá mais para a possessão do que para a emancipação mútua.
  14. Numa viagem ao exterior, o amador, sem se dar conta de sua perspectiva de turista, pensa que tudo no país visitado é uma beleza e, em contrapartida, afirma – com muita certeza – que o Brasil é uma merda sim.
  15. Se você apontar qualquer um dos itens acima a um amador, ele não se reconhecerá.
Para terminar: Na verdade, não será amador apenas aquele que i) ama muito algo ou alguém; ii) faz algo por amor e não por profissão e iii) não demonstra experiência com determinado assunto ou ramo de atividade. Será amador também – e muito mais amador o será – aquele ou aquela que, somando em sua personalidade duas ou três das características acima, investir-se de certezas em qualquer campo do saber ou da existência, ignorando, assim, as outras possibilidades de agir, pensar e ser; as outras verdades, pequenas ou grandes e, por fim, as outras formas de saber que não apenas a sua amadora e relativíssima verdade – da qual é vítima também esta coluna e este autor que vos “fala”.

Um Comentário

  1. Evandro Oliveira 29/07/2017 em 12:14- Responder

    Ainda bem que Li até o final.
    Durante a leitura, fui concordando, filosoficamente, com quase tudo. Tomei a liberdade de, inclusive, ir imaginando como poderia aproveitar o texto e algumas das características dos amadores para escrever sobre o que sei e como vejo as coisas (assim o farei).
    Discordo, radicalmente, de : “…não será amador apenas … : iii) não demonstra experiência com determinado assunto ou ramo de atividade…”
    Entendi que está “vetado” demonstrar conhecimento, sob a possibilidade de ser taxado do amador.
    Ora… Ora… Ora… diria o falecido narrador de futebol, conhecimento é liberdade e disseminação de conhecimento é obrigação para alimentar debates e ajudar na evolução da mente. não demonstrar experiência é coisa do obscurantismo medieval. Fora este pecado mortal, parabéns !!!

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