“O que seu preconceito não te deixa enxergar”

Um mergulho na realidade de Lucimara Resende Costa, ativista, candidata a vereadora e profissional do sexo assumida, pelo ouro-pretano Tulio Dutra

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Por Tulio Dutra Publicado em 19/07/2021, 12:41 - Atualizado em 19/07/2021, 14:05
Foto – Reprodução. Crédito – Arquivo pessoal. Siga no Google News

“Hey, Hey” é a saudação que marcou a campanha dessa personagem no mínimo interessantíssima nas eleições municipais da cidade de Ouro Preto, em 2020. Mas não estamos aqui para falar de personagens, afinal, esse termo pode parecer muito fictício para descrever uma pessoa tão autêntica como Lucimara. Essa autenticidade me fez pensar onde mulheres como ela foram forjadas. Para minha surpresa, precisei abrir a Bíblia e voltar mais de 2 mil anos no tempo, encontrando, assim, Maria Madalena.

A princípio, pensei que não poderia fazer essa comparação, não só por ter dito que Lucimara é única, mas porque me veio outra indagação, aliás, me vieram várias. Qual a verdadeira história de Maria Madalena? Seria Lucimara uma Madalena do século 21? Por que minha mente fez essa analogia?

Fazendo minha pesquisa, me deparei com várias versões de Maria Madalena, dentre elas: prostituta, uma possível apóstola e até mesmo esposa de Jesus. Nessa confusão de prováveis enredos, percebi que, desde que o mundo é mundo, julgamos as pessoas pelo que fazem e nunca pelo que elas são, pois não conhecemos a fundo as pessoas. Então tive a audácia de tomar a liberdade de escrever um “Evangelho” segundo Lucimara.

Foto: Acervo pessoal

Se pudéssemos comparar a vida com as estações do ano, acredito que a trajetória de Lucimara começa no inverno. Com uma voz bem pausada e pensativa, ela começa a descrever sua infância: família humilde, pais separados, abusos sexuais,  casa de pau a pique bem simples, com uma fossa no lugar do banheiro. No que parecia um raio de sol em um dia frio, aquela menina de 7 anos ganha um padrasto que tira sua família daquela casa para morar de aluguel, começando assim sua peregrinação pelos bairros de Ouro Preto.

Aos 18 anos, a rebelde garota que brigava muito em casa é expulsa de casa pela mãe. Ao se ver sem rumo e sem planos, não tendo onde morar e como se sustentar, encontra uma amiga que morava no seu bairro. Ela conta que foi para “zona”, ganhou mais de R$ 1.000 em pouco tempo e comprou uma câmera Tekpix. “Se ela, que não é tão bonita assim, conseguiu essa grana, eu consigo muito mais”, disse a sempre bem humorada Lucimara Costa, com o seu sorriso fácil como de criança.

Diante da sua situação, uma realidade nada fácil e infeliz, decidiu ir para Belo Horizonte para trabalhar em uma casa de prostituição, em uma zona boêmia da cidade conhecida como “sobe e desce”. Lugar que me disse ser bem cansativo. Para “descansar”, ia para motéis com homens, mas não conseguia dormir com um estranho ao lado. Com uma vida bem dura desde o início, passando por  abandono paterno e histórias terríveis e assustadoras na sua profissão, a superação e alegria constante fazem Lucimara parecer uma mulher forte. Não que não seja, mas a entrevistada diz que, apesar de todos acreditarem nisso, há momentos em que ela desmorona.

“É preciso endurecer, mas sem jamais perder a ternura”. Essa frase, que é atribuída ao revolucionário Che Guevara, descreve bem os relatos de Lucimara na nossa entrevista. Mesmo com toda a dureza que o mundo lhe impôs desde criança, ela disse acreditar no amor verdadeiro, pois é isso que ela tem dentro de si. Nesse momento, revela que uma paixão por um cliente a afastou por um tempo da prostituição e que sua candidatura a vereadora era baseada no amor pela sua cidade e na preocupação com outras profissionais do sexo da região. 

Esse ativismo e essa preocupação social, principalmente com sua categoria profissional, lhe deram destaque nacional e internacional. Em um protesto reivindicando a vacinação contra a Covid-19 para os profissionais do sexo, em Belo Horizonte, a entrevistada – que faz parte da Associação das Prostitutas de Minas Gerais (APROSMIG) – apareceu em jornais do Brasil e do exterior. O interessante desse episódio é que a menina que sonhava ser artista famosa agora estava em jornais mundo afora. Por falar em sonhos, ela ainda espera crescer na política, ficar rica e adotar duas crianças: uma preta e uma branca.

Ao final da entrevista, percebo que, mesmo com uma vida extraordinária e bem distinta da maioria, Lucimara é uma pessoa comum, no melhor sentido da palavra, igual a qualquer ser humano. Sendo assim, maior que qualquer preconceito social que busca apagar sua trajetória. Apesar de muitos acreditarem que foi um caminho escolhido por ela, durante a entrevista, Lucimara me relata que é técnica em análises clínicas, mas, por ser profissional do sexo assumida em uma cidade tão conservadora, o preconceito impede a sua inserção em outro ramo.

Sobre o autor

Tulio Dutra tem 26 anos é nascido e criado na cidade Ouro Preto. É apaixonado por Jornalismo e por histórias como essa que de escreveu.
Contato: [email protected]

Texto originalmente publicado no Lamparina, portal de notícias dos alunos da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), mediante autorização do autor.

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