Médica alerta sobre importância da prevenção do câncer de mama na comunidade LGBT

De acordo com a doutora Joana Coelho Moreira, "as mulheres transexuais, por exemplo, apesar de muitas vezes retirarem a mama para colocação de próteses, precisam manter o hábito dos exames preventivos".

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Por João Paulo Silva Publicado em 28/10/2019, 19:06 - Atualizado em 29/10/2019, 17:31
Foto-Doutora Joana Coelho Moreira ministra palestra no Hospital Monsenhor Horta na tarde desta segunda-feira (28/10). Crédito-Divulgação/Mães da (R)Existência. Siga no Google News

A convite do movimento “Mães da (R)Existência”, a médica pediatra Joana Coelho Moreira ministrou, na tarde desta segunda-feira (28), uma palestra sobre a importância da prevenção do câncer de mama no mundo LGBTQI+. O encontro aconteceu, às 15h, no Hospital Monsenhor Horta, em Mariana (MG) e contou com a presença de integrantes da sigla, funcionários do hospital e membros da comunidade em geral.

Se a população de uma forma geral muitas vezes encontra dificuldades em ter garantido um atendimento em saúde integral, justo e imparcial, a médica Joana Moreira pontua que esse atendimento se torna ainda mais difícil para uma parcela dos brasileiros constituída por lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros.

“Além das dificuldades correntes e dos constrangimentos ligados à orientação sexual, muitas vezes a comunidade LGBTQI+ precisa enfrentar profissionais da saúde que estão muito aquém de um mundo que ainda não aprendeu a reconhecer e respeitar essas novas identidades de gênero”.

Não há dúvidas de que o câncer de mama seja mais frequente na população feminina. De acordo com dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), para o ano de 2019 foram estimados 59.700 casos novos, o que representa uma taxa de incidência de 56,33 casos por 100 mil mulheres.

Câncer de mama na população masculina

No entanto, Joana ressalta que, de acordo com estudos, um por cento desse diagnóstico também se refere à população masculina. “Por força do hábito ou desconhecimento, esquecemos que os homens têm glândulas mamárias, produzem testosterona e estrogênio, e também podem ser acometidos pela neoplasia. Um por cento do total desses diagnósticos diz respeito a indivíduos do sexo masculino, segundo o INCA”.

A estimativa para o Brasil no biênio 2016-2017, ainda de acordo com o INCA, aponta a ocorrência de cerca de 420 mil casos novos de câncer, dos quais os cânceres de próstata em homens (61 mil) e de mama em mulheres (58 mil) serão os tipos mais frequentes.

Novas identidades de gênero

Com o reconhecimento de novas identidades de gênero, pessoas transexuais ou transgêneros precisam ficar atentas à doença. Existe então a necessidade de se analisar separadamente homens e mulheres no tocante à prevalência do câncer de mama.

“Mulheres trans passam por terapia hormonal para obtenção da mama com aspecto feminino. O uso de hormônio instiga um questionamento sobre eventual aumento do risco de câncer na região – o regime conduz ao desenvolvimento de um tecido idêntico ao da mama biologicamente feminina”, explica a médica.

No entanto, a médica pondera que pesquisadores apontam que o tratamento hormonal em indivíduos trans não estaria associado a um aumento considerável do risco de se desenvolver tumor de mama maligno.  A ocorrência foi de 4,1 a cada 100 mil casos, superior à incidência em homens cisgênero (1,2 diagnósticos para cada 100 mil pessoas) e muito distante da reportada em mulheres (170 registros/100 mil indivíduos).

“Nenhuma pesquisa na área médica mostra se é mais fácil ou difícil rastrear câncer de mama em pessoas trans. Ninguém sabe se esses homens e mulheres devem realizar exames de rotina como mulheres cis. Algumas mulheres trans não têm mamas, mas desenvolvem algo parecido. Já os homens trans que optam por não tirar as glândulas precisam fazer acompanhamento normalmente”.

Falta de informação

Para Joana Moreira, a falta de informação é uma das principais barreiras para detecção da doença. “Temos pesquisas mostrando como a terapia de reposição hormonal durante a menopausa aumenta a incidência de câncer de mama. Ou seja, a mulher trans faz uso de hormônio feminino, e isso também poderia ampliar o risco. Infelizmente, essa população não vem sendo amplamente estudada. Em busca de formas mais baratas, muitas mulheres usam óleos minerais ou parafina para aumentar as mamas. Isso prejudica e até impossibilita o uso da mamografia e da ultrassonografia no rastreamento”.

Já em homens trans, conforme explica a profissional, o tórax com aspecto masculino é obtido por meio da mastectomia subcutânea, proporcionando uma redução do risco de câncer de mama – porém não anulando a possibilidade de a doença se desenvolver, uma vez que há pequena quantidade de tecido residual.

“Não é necessário realizar rastreamento com métodos de imagem, mas se sugere o autoexame periódico, bem como atenção ao surgimento de nódulos ou secreção sanguinolenta. A avaliação regular é indicada apenas para subgrupos de risco, como pacientes com mutação no gene BRCA 2, síndrome de Klinefelter ou histórico familiar da doença”.

Assim como qualquer paciente com diagnóstico de câncer, trans precisam buscar imediatamente a melhor forma de se tratar. De acordo com pesquisas, as chances de cura são iguais às das pessoas cis, variando de acordo com o tamanho do tumor e o número de gânglios comprometidos.

“Como a maioria dos trans não sabe sobre a chance de ter câncer de mama, grande parte dos casos é diagnosticada tardiamente. Eles não procuram um especialista quando os primeiros sintomas surgem. Ou seja, ao se identificar o problema, muitas vezes o tumor já está em estágio avançado e com prognóstico comprometido”.

Para homens trans optantes por não retirar a mama, a recomendação é igual ao indicado às mulheres cis: mamografia anual a partir dos 40 anos. “Os que retiraram os seios precisam ficar alerta e, caso um nódulo apareça, procurar um médico. Mulheres trans em terapia hormonal com desenvolvimento de tecido mamário ou que tenham colocado prótese mamária devem buscar orientação profissional. “É preciso parar com os hormônios durante o tratamento de tumores. Mulheres cis, por exemplo, interrompem o uso de anticoncepcional. Homens cis não devem de forma alguma usar anabolizantes, mesmo saudáveis). As mesmas orientações se aplicam à população trans”.

“É complicado para as pessoas trans, pois elas conseguem com muito custo iniciar a terapia hormonal e, justo quando estão em direção a seus objetivos de se reafirmarem perante a sociedade, têm que a interromper. A importância do cuidado com a saúde e bem-estar independentemente dos preconceitos estipulados socialmente, demonstrando que a masculinidade e a feminilidade de alguém não estão relacionadas à existência de determinadas características corpóreas ou vestimentas, mas ao sentimento de pertencimento identitário”.

Política de Atenção à Saúde Integral da População LGBT

A Política de Atenção à Saúde Integral da População LGBT foi lançada pelo Ministério da Saúde em 2011 (portaria 2.836). Desde então, cada estado e município foi responsabilizado a operacionalizá-la dentro de seu espaço e de sua competência em oferta de atendimento em saúde. Até o momento alguns serviços ambulatoriais e de referência para cirurgias transexualizadoras foram inaugurados, mas ainda são escassos perante a demanda e, portanto, insuficientes em todas as regiões do Brasil.

“O Ministério da Saúde e as secretarias precisam abordar essas questões nas cartilhas voltadas à população LGBT. Mulher lésbica precisa do exame preventivo de colo do útero, homem trans também; mulher trans precisa realizar o exame de toque aos 50 anos, assim como homem gay”, esclarece Joana Moreira.

Preconceito nos serviços das redes de saúde

Os LGBTs encontram dificuldades, seja por preconceito ou falha na formação, ao procurar atendimento médico. Dados do Ministério da Saúde mostram que 14,5% dos participantes de um estudo feito na Parada Gay de São Paulo já sofreram preconceito nos serviços das rede de saúde. Isso leva muitas pessoas a parar de frequentar os hospitais e clínicas, o que dificulta a prevenção ao câncer e o tratamento. Entre as mulheres lésbicas, doenças como o câncer de mama e de colo de útero são agravadas devido à baixa utilização dos serviços de saúde.

O coordenador estadual do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade (Ibrat), Natan Follador, conta como que “os homens trans também enfrentam dificuldades. Muitos deixam de ir ao ginecologista, aumentando a chance do surgimento de câncer de seios, útero e ovários”.

Por outro lado, muitos trans só procuram médicos para terapia hormonal e se esquecem dos outros cuidados com o corpo. Um estudo sobre câncer de mama com mulheres trans sugere que há evidências de risco de desenvolvimento da doença devido à terapia hormonal. Porém afirmam que é necessário aprofundar o conhecimento sobre esta problemática, principalmente, com a realização de estudos que tenham como público-alvo a população transexual em idade mais avançada.

Mais políticas públicas

A doutora Joana Coelho Moreira defende que a esfera pública deveria intervir mais nas políticas sociais voltadas aos LGBTs. “Muitas pessoas da comunidade não procuram as unidades de saúde e os hospitais por medo de sofrer preconceito ou não saber a quem recorrer. E atualmente, os médicos deveriam ter a obrigação de ter o conhecimento e saber acolher uma pessoa transexual”.

Joana ressaltou que a maioria das pessoas presentes na palestra eram cis e não realizaram o exame para identificar o câncer de mama precocemente. “Imagine as pessoas LGBTs com pouco acesso à informação ou amparo do Ministério Saúde”, questionou.

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