Quem usa transporte público nas históricas Ouro Preto e Mariana, em Minas Gerais, já se cansou de ver essa cena: idosos, obesos, passageiros com criança de colo, com deficiência ou mobilidade reduzida entram no ônibus lotado e têm que esperar um tempão até alguém ceder o lugar. Isso quando alguém tem a boa vontade de se levantar e oferecer os assentos, principalmente os preferenciais, às pessoas que necessitam e têm o direito de realizar o trajeto com mais segurança e tranquilidade.
No dia 19 de outubro, uma leitora entrou em contato com o Jornal Voz Ativa para relatar uma situação de descaso enfrentada por ela em uma das linhas "Ouro Preto X Mariana". Grávida de quatro meses, a mulher que pediu para não ser identificada, conta que embarcou por volta das 10h30 em um circular da Transcotta, empresa responsável pelas linhas urbanas nas duas cidades e passou por uma situação de desrespeito e constrangimento.
Relato da usuária
“Entrei pela porta da frente e não consegui me sentar pois, infelizmente, há muitas pessoas mal educadas. Parece que esse negócio de assento preferencial não existe, pelo menos para alguns”, relatou. Ainda de acordo com a moradora de Ouro Preto, ela teria solicitado ajuda ao trocador com o intuito de encontrar um assento, pois “além de estar sentindo dores nas costas, temia uma possível queda”.
“Mas ele simplesmente falou que se eu quisesse, podia pedir o lugar a alguém. Foi quando perguntei a uma jovem se ela poderia me ceder o assento, mas ela se negou. Nesse momento, o trocador apontou um lugar mais elevado no ônibus, no chão mesmo e disse que eu poderia me sentar ali. Achei um absurdo!”.
Ainda de acordo com a leitora, ela chegou a ligar para a central de atendimento da empresa, mas teria sido informada pela atendente de que “nada poderia ser feito”. Ao questionar a funcionária sobre o assento preferencial, ela contou que a resposta foi decepcionante: “Se a pessoa paga e depois não quer sair do lugar, mesmo sendo preferencial, não há o que fazer”, teria dito a pessoa apta a solucionar o problema exposto.
“Depois eu perguntei à atendente: e se eu caísse e me machucasse, o que a empresa faria? A atendente disse se tratar apenas de uma hipótese, que não havia acontecido nada. Novamente perguntei: e se acontecesse, como agiria a empresa? ela nada respondeu. Achei um absurdo a falta de educação das pessoas no ônibus e o despreparado da moça”.
Como anda o respeito aos assentos prioritários em Mariana
A equipe de redação do Jornal Voz Ativa foi a alguns pontos de ônibus em Mariana conversar com os usuários do transporte público e entender como anda o respeito aos assentos preferenciais na cidade histórica.
Suzana dos Santos conta que pega a linha “Mariana X Ouro Preto” quase que diariamente para ajudar a cuidar de sua neta na cidade vizinha, enquanto a sua filha trabalha. A aposentada de 63 anos relata ainda que geralmente, por ainda ser bem cedo, não enfrenta esse tipo de problema, mas que nem sempre é assim.
“Diariamente eu pego o ônibus para Ouro Preto por volta das seis e meia, sete da manhã. Nesse horário o circular ainda está bem vazio e eu posso escolher onde me sentar. Sempre procuro os assentos preferenciais, pois eu já ouvi falar que é lei e tenho esse direito, já que sou uma idosa. Mas já aconteceu sim de ter que voltar para Mariana, quase a viagem toda em pé, porque o ônibus no horário da tarde é bem mais lotado”.
Maria dos Anjos Santana também já teve que enfrentar situação parecida em uma viagem intermunicipal. A dona de casa de 71 anos conta que certa vez discutiu com uma moça na faixa dos 20 anos que se recusou a ceder o lugar a ela.
“Eu tinha ido resolver alguns assuntos pessoais em Ouro Preto e após andar quase o dia todo subindo e descendo ladeiras, subi no ônibus que já estava lotado. Ninguém se prontificou a se levantar para que eu me sentasse e eu ainda estava com duas sacolas. Foi quando eu pedi a mocinha que estava de fone de ouvido para que se levantasse, já que eu sou uma idosa, com idade para ser sua avó. Ela simplesmente deu de ombros e fingiu não ter ouvido nada. Achei uma falta de respeito. Sou de uma época em que bastava ver uma pessoa com alguns fios brancos na cabeça que já nos levantávamos imediatamente. Ninguém precisava pedir”.
Pedro Gonçalves, 26 anos, é estudante de Letras na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). O jovem não faz parte do grupo específico de passageiros que têm, por lei, alguns lugares prioritários para se sentar, mas defende uma maior empatia e respeito àqueles que necessitam.
“Eu penso que a própria empresa deveria lançar alguma campanha de conscientização aos passageiros em geral. Explicar de forma objetiva e simples essa lei, se é que ela existe mesmo. No entanto, a consciência deveria abranger principalmente os que possuem o direito a lugares prioritários e eles não deveriam temer ou se envergonhar de pedir que as pessoas se levantem e cedam o assento”.
Direito garantido por lei
No Distrito Federal, por exemplo, de acordo com informações da Agência Brasília, todos os assentos de transportes públicos coletivos são prioritários para idosos (pessoas a partir de 60 anos), gestantes, obesos e passageiros com criança de colo, com deficiência ou com mobilidade reduzida.
Ainda de acordo com o órgão de impressa do Governo Federal, a ampliação da preferência desse público sobre outros usuários — antes restrita aos bancos sinalizados com essa informação — foi determinada pela Lei nº 5.984, que entrou em vigor em novembro de 2017. A medida é principalmente educativa e didática, com o objetivo de incentivar valores de respeito e a cidadania da população.
Posicionamento da Transcotta
A equipe de redação do Jornal Voz Ativa entrou em contato com a empresa de transporte público Transcotta, informando que estava produzindo uma matéria sobre a postura dos usuários do transporte coletivo e da empresa no que tange a concessão de assentos (preferenciais ou não) dentro dos coletivos.
Além disso, foi citada também a denúncia da ouro-pretana grávida de quatro meses que teria sido orientada pelo trocador a se sentar no chão. Outro questionamento à empresa diz respeito a campanhas de conscientização promovidas por ela e orientações a motoristas e cobradores sobre questões que envolvam o assunto.
Guilherme Schulz, representante das empresas de transporte no Conselho de Transporte e Trânsito de Ouro Preto e Mariana, esclareceu alguns fatos.
“Em Ouro Preto existe uma lei que garante cem por cento de prioridade aos idosos, passageiros com criança de colo, com deficiência ou mobilidade reduzida. Não existe mais aquela situação de vinte por cento ou apenas duas poltronas prioritárias, como era no passado. No entanto, muitas vezes o motorista não consegue ter uma ação direta sobre isso e o que se deve levar em consideração é a boa educação das pessoas”, explicou.
Schulz também afirmou que a empresa vem realizando diversas campanhas com a intenção de conscientizar os usuários. “Realizamos diversas campanhas sobre o assunto em nossas redes sociais e nos jornais da empresa afixados dentro dos ônibus. A intenção é tentar conscientizar as pessoas sobre a importância e necessidade delas cederam o espaço para quem precisa. Mas é tudo uma questão de bom senso, caráter e respeito, sequer deveria existir lei para ensinar as pessoas a serem gentis”.
O gerente de relações institucionais da Transcotta afirmou que até então desconhece o fato supostamente ocorrido com a moça grávida. Depois de ouvir atentamente o relato do jornalista responsável por essa matéria, ele afirmou: “Tentaremos identificar se houve o fato e em caso positivo, daremos prosseguimento às medidas cabíveis ”.
Deixar Um Comentário