Por João Paulo Silva Ouro Preto se tornou capital simbólica de Minas Gerais na manhã da última quinta-feira (21). A cidade foi palco da cerimônia de entrega da Medalha da Inconfidência e teve o ex-presidente uruguaio, José Alberto Mujica Cordano, mais conhecido como Pepe Mujica, como grande agraciado. O político recebeu o Grande Colar, grau máximo da Medalha da Inconfidência. Essa foi a 65ª cerimônia e, como era de se esperar, em virtude do atual contexto político do Brasil, foi marcada por protestos. Na abertura da cerimônia, hinos nacionais do Brasil e do Uruguai foram executados pela Orquestra Sinfônica da Polícia Militar de Minas. Segundo a PM, cerca de 3.000 pessoas estiveram na Praça Tiradentes. Ruas próximas ao evento, como de costume, foram cercadas por grades e até detectores de metais, a fim de restringir o acesso do público e segundo o cerimonial do governo do estado, garantir a segurança do governador e convidados. O público que necessitava transitar como de costume, não pode usar as vias nos arredores da Praça Tiradentes e, como acontece todos os anos, nessa data, foram muitas as reclamações dos ouro-pretanos. O senador Pepe Mujica chegou à praça por volta das 10h 15 min. e foi recebido com entusiasmo pelo público. Manifestantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que segundo a organização, receberam credenciais para adentrar à Praça Tiradentes, empunharam faixas e cartazes repudiando o pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. A solenidade foi interrompida diversas vezes pela multidão entoando palavras de ordem como “não vai ter golpe”. Uma parcela da classe dos professores, que também esteve presente, trajava camisetas pretas com os dizeres “Luto em defesa da democracia”. Autoridades, representantes políticos estrangeiros, professores e estudantes foram agraciados com a medalha, dentre eles António Ribeiro Gameiro, deputado da assembléia de Santarém (Portugal); Carlos Daniel Amorín-Tenconi, embaixador do Uruguai no Brasil. Ao todo, 148 pessoas e entidades foram homenageadas. Entre os homenageados da região de Ouro Preto estão a Banda Euterpe Cachoeirense e Lar São Vicente de Paulo de Ouro Preto. Em um discurso acalorado, o Governador do Estado de Minas Gerais, Fernando Pimentel rememorou a história de Tiradentes, que “foi morto em nome da soberania e independência do Brasil”. Pimentel ainda acrescentou que “a única fonte real de legitimidade da democracia é o voto e é a ele que devemos recorrer quando crises institucionais agudas como esta assolam e ameaçam a estrutura democrática que tanto sangue e lágrima nos custou, para trazer até aqui”, disse ele em referência ao processo de Dilma Rousseff. Dirigindo-se diretamente ao povo mineiro, José Pepe Mujica, ressaltou em seu discurso a importância do fortalecimento da democracia brasileira, além de afirmar que os conceitos políticos de esquerda e direita são invenções da Revolução Francesa. "Mineiros e mineiras, a vida me ensinou algumas coisas. Os únicos derrotados são os que deixam de lutar. Mas vocês têm de saber que não há um prêmio no final do caminho. O prêmio é o caminho mesmo, é o andar mesmo. Nossa luta é muito velha. São falsos os términos. Esquerda e direita são inventos da Revolução Francesa. Na realidade, são caras permanentes da condição humana, como as caras de uma moeda, e fluem e refluem permanentemente na história", discursou. Sobre o momento político do Brasil, sobretudo a respeito do que se convencionou ser chamado de “golpe”, Mujica não teceu um comentário direto, embora tenha defendido o resultado das urnas. Em referência a um ditado uruguaio, afirmou: “Eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem. Não gosto que corrijam o voto do povo”. Cerca de 20 jovens foram os verdadeiros antagonistas do evento. Há alguns metros do lugar, rapazes e moças com os corpos cobertos de lama protestavam visceralmente contra a Samarco, lembrando o “desastre ambiental” de Mariana. Eles foram impedidos de entrar no espaço da cerimônia e fizeram a performance numa das ruas de acessos à Praça Tiradentes, a Cláudio Manoel (Do Ouvidor), onde havia barreira policial que impedia a passagem. Em outra rua de acesso ao palco do 21 de Abril, manifestantes, usando camisas com dizeres contra o Governador Fernando Pimentel, que fazem parte da ASPRA-Associação dos Praças, Policias e Bombeiros Militares de Minas Gerais; CSCS-Centro Social dos Cabos e Soldados da Polícia Militar de Minas Gerais; AOPMBM-Associação dos Oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais e Ascobom-Associação dos Servidores do Corpo de Bombeiros e Polícia Militar de Minas Gerais, foram impedidos de se aproximarem. Na Rua Padre Rolim, próximo da Igreja de Nossa Senhora das Mercês e Misericórdia, a poucos metros da cerimônia, cujo adro foi tomado por uma tenda onde os participantes se credenciariam, uma barreira policial foi montada para impedir a entrada dos manifestantes anti governo. Houve confusão e uso de gás de pimenta, por parte dos policiais em serviço, segundo os manifestantes. Um evento atípico, se comparado aos anteriores. O calçamento histórico diante do Museu da Inconfidência, local onde normalmente se encontra o tapete vermelho, e para onde são chamadas as pessoas condecoradas a ocuparem seus lugares no momento de serem agraciados com a Medalha da Inconfidência, esse ano, foi ocupado por cadeiras, usadas pelos membros dos movimentos sociais que tiveram acesso à Praça. A distância entre manifestantes que não tiveram acesso ao evento e a Praça Tiradentes foi consideravelmente aumentada esse ano, ao contrário do que aconteceu no evento de 2015, quando os manifestantes ocuparam a metade da Praça e os gritos a favor e contra o governo podiam ser ouvidos durante os discursos, inclusive do governador. O volume das falas e do som mecâncio eram aumentados no intuito de abafar o som dos protestos, naquele ano. O prefeito de Ouro Preto, José Leandro Filho, que é alvo de investigação da Procuradoria de Justiça de Combate aos Crimes de Prefeitos, na Operação Minerva, que apura crimes relacionados a licitações e desvios de recursos públicos na execução de contratos de engenharia em valores que superam R$46.000.000,00 estava presente à cerimônia, mas não discursou, como ocorreu em anos anteriores. O monumento à Tiradentes recebeu flores e houve o acendimento da Pira da Liberdade. O evento se encerrou por volta das 12h com uma salva de 21 tiros em memória de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.
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