Antonio Marcelo Jackson* Há tempos, Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, jantava com sua esposa em um restaurante e foi agredido verbalmente por dois jovens; há meses, Guido Mantega foi agredido verbalmente em um restaurante; há pouco, Chico Buarque, acompanhado de Caca Diegues e Eric Nepomuceno, foram verbalmente agredidos por três jovens na saída de um restaurante na Zona Sul da cidade do Rio. O que essas três situações envolvendo pessoas, de matizes ideológicos e caráteres totalmente diferentes, têm em comum? A inacreditável incapacidade de 90% de nossa classe média e de 100% de nossa elite de diferenciar o que é público do que é privado. Tais pessoas são capazes de demonstrar enorme virilidade e dureza de opinião em momentos completamente inúteis à vida e, concomitantemente, são submissos e dóceis em circunstâncias cruciais. Vejamos mais de perto o último caso. Ao terminar um jantar entre amigos, o cantor, compositor e escritor Chico Buarque torna-se alvo de três jovens, um deles herdeiro do grupo Monteiro Aranha, e passa a ser achincalhado no meio rua. Sem perder a linha, Chico responde com ironia a cada um deles e isso os irrita ainda mais. Fico pensando nesse jovem herdeiro que nunca suou a camisa para obter seu sustento: será que ele sabe como seu avô, Mário Garnero, se associou ao embaixador norte-americano Lincoln Gordon na vinda de ideólogos liberais que apoiaram o golpe militar de 1964? Será que seu avô o explicou como se transformar de um bacharel em Direito formado pela PUC-SP em um coordenador da campanha de Juscelino Kubitschek e pouco depois ingressar no mundo corporativo? Será que vovozinho falou com altivez e arrogância ou colocou o rabo entre as pernas perante os norte-americanos? Eu adoro nossa elite e nossa classe média! O netinho deve ter aprendido tudo! Antes que alguém me acuse de ser parcial, de apenas criticar um dos lados da moeda, vamos a um outro exemplo. Há algum tempo lecionava em um curso de Serviço Social em uma determinada instituição universitária onde cotidianamente entrava em choque com uma professora que, do “alto” (ou seria “do baixo”) de seu “marxismo” (sempre entre aspas), criticava minhas opiniões como professor de Ciência Política que eu efetivamente era e sou. Um dos principais atritos foi quando disse a ela que não existia pensamento político em Marx, mas apenas, pensamento sociológico e a dita professora a partir daí não perdia a chance de me provocar, principalmente se estávamos perante a um grupo de alunos informalmente ou em uma mesa redonda. Pois bem; num belo dia, em uma reunião do departamento de Serviço Social, a referida mestre que à época era a responsável pelo estágio dos alunos apresentou um problema a todos os demais professores: disse que entrara em contato com diversas empresas na região, mas que nenhuma delas aceitou os parâmetros da instituição de ensino; frente a isso, ela não via outra alternativa, salvo a de aceitar sem discussão a determinação dos empresários. Com honestidade, tive de segurar a gargalhada! A grande revolucionária, aquela que bradava seu fervor ideológico aos alunos, humildemente abaixava a cabeça e dizia “sim, senhor”, da mesma forma que o avô de nosso rebeldezinho citado no parágrafo acima fez em relação aos norte-americanos e bem provavelmente seu neto faz em relação a qualquer um do hemisfério norte. Por essas e outras é que digo sempre a respeito das ideologias no Brasil de que, aqui, não existe esquerda ou direita: o que temos são canhotos e destros...nada além disso! O resumo da ópera nesses casos e em tantos outros que poderia citar é retornarmos ao início de nosso texto. Quando há a necessidade de realmente assumir uma posição, de enfrentar o mundo com todos os seus riscos, o brasileiro médio se acovarda, abaixa a cabeça e aceita as ordens de quem quer que seja; quando, ao contrário, não há sentido algum em apresentar sua opinião, visto que, o momento é privado e/ou de baixa conotação social em termos de ambiente, nessas horas parte significativa das pessoas grita, esbraveja, esperneia, como se a humanidade se alterasse pelo tom de sua voz. E qual a moral de nossa história? Dizem os termos da sociologia política que se uma pessoa não assume sua opinião publicamente é porque ela tem medo e esse medo, por razões um tanto óbvias, não diz respeito a sua índole ou pessoa privada, mas sim, a aquilo que ela representa no meio público, seu status quo. E se isso ocorre é porque o meio social aonde esse indivíduo transita - ou ele próprio - não possui dinâmica ou mobilidade ou não se acredita que tal dinâmica seja viável. Em outras palavras, essa sociedade ou essa pessoa crê que sua posição no mundo se dá por critérios que não envolvem a capacidade individual ou as circunstâncias que se apresentam ao longo da vida. Acredita que existe uma hierarquia rígida onde há alguém acima que deve obedecer e se possível solicitar favores e outra abaixo de quem pode exigir obediência e gentilezas. Numa palavra, vivem em um universo puramente aristocrático, sem qualquer nuance democrática – como diria Aléxis de Tocqueville, de onde retiro tais considerações. E talvez seja um de nossos principais problemas. Na medida em que não aceitamos as diferenças e nos revoltamos apenas quando nada nos acontecerá, contribuímos para que nosso medíocre mundo permaneça como está, ruminando eternamente nossa miséria de agir e pensar. * Doutor em Ciência Política. Professor da Universidade Federal de Ouro Preto.
Prezado Israel Francisco Gomes, informo a você que Chico Buarque de Holanda jamais lançou mão de recursos públicos – seja via Lei Rouanet, seja de qualquer outro modo – para a realização de shows e discos e, nesse sentido, sua afirmação está completamente equivocada. Sugiro que busque maiores e melhores esclarecimentos nas próximas oportunidades.