Prosa na Janela: “Eu, o pico e o vento”, por Roberto dos Santos

Home » Prosa na Janela: “Eu, o pico e o vento”, por Roberto dos Santos
Por JornalVozAtiva.com Publicado em 30/06/2018, 19:39 - Atualizado em 30/06/2018, 19:39
Roberto Santos, 47 anos, nascido em Dores de Guanhães, chegou ao Distrito Ouro-pretano de Antonio Pereira em 1979. É porteiro na Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP e tem uma sensibilidade peculiar na apresentação de seus textos. É casado com Márcia, que é a aguerrida diretora da Escola Municipal Alfredo Baeta e têm o filho Antônio, de 13 anos. Era uma sexta feira do mês de junho, a seleção brasileira de futebol jogava na copa do mundo da Rússia. Fazia frio, o sol proporcionava um espetáculo de beleza quando tocava os telhados de Vila Rica, esse carinho do astro rei fazia com que uma fumaça branca se elevasse das construções centenárias e seguisse em direção as alturas. O céu de Ouro Preto ostentava um azul semelhante àquele que a seleção canarinho vestia na terra de Lenin. O jogo era contra a seleção de futebol da Costa Rica, país da América Central que conseguiu sua vaga para a copa do mundo da Rússia pela  CONCACAF (Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe). Os jogadores brasileiros e os torcedores mundo afora, tinham em seus rostos a expressão tensa oriunda da necessidade de vitória e o temor em não alcançar o intento. Eu trabalhava neste dia e a impossibilidade de procurar uma televisão para ver o jogo, fez com que eu transformasse meu celular em rádio para não perder os detalhes do confronto. E sobre o efeito da voz do locutor eu imaginava como estava a nação brasileira. No Pico do Itacolomy não tinha nenhuma nuvem, não sei se a pedido dele ou se elas em algum lugar aguardavam para torcer pelo Brasil. O vento também cessou naquela manhã, talvez tenha se aquietado para ouvir comigo os lances do jogo. Eu, o pico e vento empreendemos naquela manhã uma relação de profunda amizade, e naquelas manifestações simples e imperceptíveis aos olhos comuns, a natureza voltava as atenções para a Rússia. O silêncio só foi quebrado pelo canto do bem- te -vi que ao longe sobre uma árvore fez ecoar uma melodia estridente e bela, constituindo a trilha sonora da esperada vitória. Eu segurava na mão direita o meu celular e apreensivo olhava o pico lá do outro lado, não sei se o vento estava lá, o certo era que tudo se mantinha inerte parecendo aguardar comigo o momento maior do futebol. Mas os Costarriquenhos lutavam com bravura e o momento se prolongava a ponto de causar ansiedade e temor. A primeira parte do jogo chegou ao fim e tudo permanecia inalterado, o Brasil precisava vencer o jogo, mas no caminho do gol tinha um adversário difícil de ser batido. Na segunda parte, as coisas continuaram difíceis, mas a seleção canarinho insistia acreditando no triunfo. Algum tempo depois o narrador informava a proximidade do fim do jogo, embora estivesse jogando melhor, a superioridade brasileira não era transformada em vantagem numérica. Eu na solidão da labuta acompanhava angustiado a reta final da partida, a esperança era que surgisse um gol naquele restinho de jogo. Ouvi do meu lado uma voz me perguntando o placar da peleja, era o rapaz responsável pela coleta do lixo. Informei a ele o triste zero a zero e ele cabisbaixo seguiu com a sua tarefa. Instantes depois o grito de gol ecoou em terras ouro- pretanas era o Brasil convertendo o tento tão esperado. Gritei o rapaz da coleta do lixo e o informei sobre o gol, ele gritou “Brasil” e de punhos cerrados desferimos no ar um soco que significou toda a nossa alegria e contentamento. Aquele rapaz de uniforme verde foi embora feliz em direção ao Bairro da Bauxita e novamente eu, o Pico e o vento vibrávamos com o fim triunfante da esquadra brasileira. Observávamos juntos os fogos de artificio romperem o silêncio e a fumaça azul passear com rapidez pelo céu de Ouro Preto. Algumas horas depois a cidade retomava o costumeiro movimento, as nuvens apareceram sobre o pico e à sombra delas a montanha repousou a tarde toda. O vento também veio com certo furor e a Bandeira do Brasil tremulou no ponto mais alto do mastro no Campus da Universidade Federal de Ouro Preto. As Bandeiras de Minas Gerais e Ouro Preto seguiram no mesmo compasso e juntas não deixaram ninguém se esquecer da emocionante vitória que manteve acesa a chama do hexacampeonato. Até a chuva quis participar da festa aqui em baixo, mas resolveu recuar e se manteve entre as nuvens. No jogo seguinte estaria de folga e certamente não iria usufruir da companhia dos meus companheiros de torcida, mas desejei com todas as forças que o universo conspirasse a favor deles e de alguma forma não os deixassem sem saber a história do jogo, contudo firmei com eles o compromisso de que após a partida, quando voltasse ao trabalho comandaria uma resenha entre amigos e então partilharíamos os pormenores da batalha, esperançoso de que os relatos dessem conta de mais um triunfo brasileiro.

Um Comentário

  1. Queles 11/01/2019 em 08:04- Responder

    Amor ler e observar a profundidade e inspiração de cada verso,sempre nos levando a lindos cenários e nos fazendo viver lindas historias! Obrigada por compartilhar!

Deixar Um Comentário