Falando Francamente, com Antonio Marcelo Jackson: “Quem tem o poder tende a abusar dele”

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Por Tino Ansaloni Publicado em 24/07/2013, 12:24 - Atualizado em 03/02/2014, 22:29
Antônio Marcelo Jackson Historiador e Cientista Político Falando Francamente "Quem tem o poder tende a abusar dele". Essa frase talvez seja uma das mais conhecidas e repetidas na história do Mundo Ocidental e pertence ao filósofo francês Montesquieu. De acordo com sua percepção, há no exercício do poder uma característica que "transforma" a pessoa detentora dessa capacidade de um ser comum em uma espécie de tirano, isto porque, o próprio exercício do poder possui uma qualidade que o deixa semelhante "às avessas" aos gases: para quem estuda ou ainda se lembra das aulas de química, os gases se expandem e se dissipam; O PODER SE EXPANDE E SE CONCENTRA. Curiosamente, quanto mais poder tem uma pessoa ou grupo, mais vai se alastrando para outras áreas e controlando o funcionamento de tudo. Lamentavelmente, são formas que encontramos em larga escala em nosso país desde que as manifestações populares tomaram conta das ruas a partir do mês de junho de 2013 e encontram dois tristes exemplos no Estado do Rio de Janeiro e na histórica cidade de Ouro Preto-MG. No primeiro caso, um surpreendente Decreto do Exmo. Sr. Governador Sérgio Cabral Filho, com data de 19 de julho, mas publicizado no final da tarde do último dia 22, trata da criação de uma Comissão para analisar "os atos de vandalismo cometidos na capital do estado nas últimas semanas" e inclui a possibilidade das empresas de telefonia e Internet abrirem seus arquivos para a melhor investigação dessa Comissão. Deixa eu ver se entendi! Por meio de um Decreto, o governo do Estado do Rio de Janeiro poderá vasculhar telefonemas e correios eletrônicos de qualquer cidadão que seja considerado como suspeito e, a contar daí, tomar as medidas que perceber como necessárias. Se a minha singela memória não me trai, a última vez que tal coisa ocorreu em nosso país foi na data de 13 de dezembro de 1969 (uma sexta-feira nublada e abafada, conforme a inesquecível primeira página do Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, do dia seguinte), VIVÍAMOS NUMA DITADURA MILITAR, e esta implementava naquele momento o AI-5 (ATO INSTITUCIONAL NÚMERO 5): com ele, as prisões tornaram-se indistintas E A TORTURA FOI INSTITUCIONALIZADA PELOS MILITARES EM NOSSO PAÍS. E tudo isso começou com algo que guarda determinadas semelhanças com o Decreto do Exmo. Sr. Governador Sérgio Cabral Filho. O mais surpreendente é que o pai do referido Governador foi um dos presos pela Ditadura Militar. Vá entender a história particular das pessoas!!! Enquanto isso, bem longe das praias cariocas, nas serras mineiras atos estranhos ocorrem na histórica Ouro Preto-MG e, para não apresentarmos uma enorme lista, vamos nos restringir a um dos que o autor dessas mal traçadas linhas vê com curiosidade: o asfaltamento de várias ruas da cidade. Entendamos o problema. Tombada como patrimônio histórico nacional no Governo de Getúlio Vargas e transformada em patrimônio da humanidade na década de 1980 pela UNESCO, qualquer reforma na cidade de Ouro Preto-MG deve obedecer a determinados critérios que não apenas vinculem-se de forma direta ao casario dos séculos XVIII e XIX, mas também, que RESPEITEM A ESTÉTICA DESSE MESMO CASARIO HISTÓRICO. Em outras palavras, não se trata de manter de pé as casas, mas de se saber que todo o em torno também deve lembrar visualmente àquelas construções. Daí a opção de, há alguns anos atrás, calçarem as ruas da cidade com pedras irregulares (assemelhando-as ao clássico "pé-de-moleque") ou paralelepípedos, fórmula que, apesar de artificial, daria ao conjunto um ar bucólico ao sítio histórico (as ruas de Ouro Preto-MG originalmente eram de terra batida em sua maior parte). Um segundo aspecto diz respeito ao entendimento de que qualquer obra em uma cidade deve ser precedida por estudos de impacto urbano (transtornos e soluções possíveis), impacto ambiental e impacto social, e tudo isso apresentado publicamente pelo Governo Municipal como proposta a ser debatida. Por fim, depois de discutido e aprovado, a obra tem início e um cartaz visível por todos deve ser afixado apresentando a responsabilidade do empreendimento (no caso, a Prefeitura), o responsável civil (engenheiro, arquiteto etc.), o valor, a origem do dinheiro (se é recurso próprio, ou seja, da Prefeitura, se é estadual, federal ou mesmo particular) e o tempo de duração da obra. Não custa lembrar que tal prática É LEI FEDERAL. Mais uma vez, salvo engano da falha memória do autor das presentes linhas, somente em um único exemplo alguns desses dados aparecem. Nos demais casos, a obra não respeita a existência de patrimônio histórico, não foi debatida com os moradores, não foi realizado qualquer estudo de impacto urbano, ambiental ou social, e nem possui placa informando sobre custos, origem do dinheiro, duração etc. Mas, o que tudo isso significa? A resposta direta é que a Lei não é cumprida em Ouro Preto-MG; e quando a Lei não é cumprida pelo circunstancial mandatário do poder político, tal gesto é classificado como tirania ou ditadura - basta procurar em qualquer livro de Filosofia ou Ciência Política essa definição. Não deixa de ser lamentavelmente surpreendente que no mesmo local aonde duzentos e poucos anos atrás um grupo de pessoas tentou se levantar contra o poder absolutista do rei e defender a independência das Minas Gerais e Rio de Janeiro, tal prática ocorra de forma um tanto indiscriminada. Notem que não discuto aqui se os moradores concordam ou discordam, mas sim, se a Lei é ou não democraticamente cumprida. Com tudo isso e num mesmo momento de tempo, dois dirigentes políticos de nosso país apresentam atos que somente podemos lamentar e, por razões óbvias, questionar publicamente e procurar as formas DEMOCRATICAMENTE LEGAIS para que sejam evitados. Mesmo porque, se tais gestos se repetirem, a fala de Montesquieu será cada vez mais presente e, como escreveu há tempos um pensador brasileiro, a "democracia em nosso país nunca passará de um lamentável mal entendido". Prof.-Dr. Antonio Marcelo Jackson F. da Silva Professor-Pesquisador do CEAD - Centro de Educação Aberta e a Distância Universidade Federal de Ouro Preto-MG

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