Na Coluna Viagens Literárias – Você adora um “se”, Capitu? Mas, e se Dom Casmurro quisesse, depois de tudo, um amor, desses de cinema?

- Ora, ora, essa não é uma questão tão simplória –

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Por Tino Ansaloni Publicado em 21/02/2015, 11:49 - Atualizado em 21/02/2015, 11:49
Foto-Divulgação - Priscilla Porto - Crédito Vitor Secchin   O que sentiria Dom Casmurro ao escutar a música “Se” de Djavan?   “Você disse que não sabe se não Mas também não tem certeza que sim.”     Prevalecendo, então, o “se”.  E com o mesmo ingrato “se” perpetuando a angústia do ciúme, em uma obra de crítica à sociedade, na qual Capitu, uma das principais personagens femininas da literatura brasileira, é até hoje julgada. E são apenas as personagens femininas que são, até hoje, julgadas, em nossa crítica sociedade? Mas, a vítima era um “nobre” personagem de Machado de Assis. E nobres não podem ser traídos. Ou homens não podem ser traídos? “Dom Casmurro” configura-se, então, como um relato inquestionável de adultério ou como a expressão do ciúme doentio de um marido que se cega e que se cerca de uma imaginária traição? Como a “premissa antes da consequência” e “a consequência antes da conclusão”? Mas, Capitu! E se Dom Casmurro quisesse “um amor, desses de cinema”? Afinal, romances de cinema são emocionantes, estonteantes, muitas vezes mirabolantes, mas, acima de tudo, os verdadeiros amores de cinema, são leais. E “quer saber?/ quando é assim/ deixa vir do coração”. E Capitu era mulher de classe inferior, mas era uma mulher inteligente, avançada para seu tempo, de iniciativa e independente. Capitu gostaria, então, de “tomar um banho de chuva”, com vento em brisa, afinal devemos “brindar a vida, meu bem”? Em um lugar “onde não haja quem possa com a nossa felicidade”? Em um lugar de configuração “de um amor desses de cinema?” Ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai... E ao final de tudo (ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai), estar com olhos e coração de ressaca. Pois, “se você quiser eu largo tudo e vou pro mundo com você meu bem”? Ou será que, ao invés disso, Capitu teria sido vítima de Bentinho, já não mais tão Bentinho, em um relato unilateral e subjetivo de um homem sisudo, “Casmurro”, que afirma, por si mesmo, não ter boa memória? Questão difícil, muito difícil! Talvez seria até “mais fácil aprender japonês em braile”. Ou Dom Casmurro seria capaz de desafiar Capitu, para ela deixar de insistir no zero a zero, porque ele queria um a um? Ou ele só queria a certeza certa, bem como a distância precisa do lancinante “se”? Mas, o que não são o amor e o ciúme, dois sentimentos contíguos que caminham, não raras vezes, em “uma barafunda de ideias e sensações”? Amor que nos deixa, não raras vezes, instáveis. E ciúme que, também não raras vezes, nos deixa instáveis, e além de “tudíssimo” arrasados?   Então, a discussão em torno de dois tão conhecidos e fascinantes personagens de nossa literatura se trataria apenas de uma questão conjugal ou de uma condenação social? O certo é que, até hoje, mais de um século depois de publicada e posta a questão, as mulheres continuam sendo julgadas. E, não raras vezes, o ciúme exacerbado pode desvirtuar a figura das mulheres, como pode ter marcado tanto a silhueta psicológica e a imagem de Capitu.   _____________________________________________ Priscilla Porto Autora dos livros “As verdades que as mulheres não contam” e “Para alguém que amo – mensagens para uma pessoa especial”.   Contato: www.priscillaporto.com

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