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Teatro Comunitário: Festeco ocupa espaços em Mariana-MG com mais de 30 peças de variadas categorias

A segunda edição do Festival de Teatro Comunitário de Mariana chegou ao fim neste domingo (23). Intenção do evento foi levar experiências teatrais, normalmente com acesso elitizado, à comunidade.

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Por João Paulo Silva Publicado em 24/09/2018, 12:00 - Atualizado em 02/07/2019, 00:53
Todas as fotos são de autoria do repórter João Paulo Teluca Silva/Jornal Voz Ativa. Siga no Google News

Foto-Os Saltimbancos, peça apresentada pelo grupo Fragmentos do Teatro, de Peçanha – MG
Crédito-João Paulo Teluca Silva

Arte, resistência e comunidade. Estas são apenas algumas palavras capazes de caracterizar o II Festeco – Festival de Teatro Comunitário de Mariana. O evento, que teve início no dia 17 de setembro, com extensa programação gratuita, chegou ao fim na noite deste domingo (23) e contou com a participação de mais de 30 grupos teatrais divididos nas categorias regional e nacional. O objetivo foi fazer com que a comunidade produzisse e ocupasse a cidade com atrações artístico-culturais.

As comunidades do Cabanas e Passagem de Mariana foram os grandes protagonistas da festa que reuniu moradores e turistas nos diversos pontos onde houve apresentações. Amparados por arte-educadores teatrais como agentes de mediação e articulação da prática teatral e educação, mais de 250 jovens se apropriaram dessa arte e muitos pisaram pela primeira vez sobre o palco do SESI.

Mas se engana quem pensa que esses estudantes ficaram apenas se divertindo sob as luzes da ribalta. Os jovens atores também deram duro como voluntários cumprindo diversas funções na Escola Professor Soares Ferreira. A instituição de ensino funcionou como alojamento para centenas de atores, dramaturgos, diretores e técnicos que estiveram na cidade durante a semana de festival.

Além de atuarem nas peças, os estudantes Élen Cristina e Edvandro Pires, ambos de 16 anos, foram responsáveis pela portaria da escola. Além de cuidar do estacionamento, monitoravam a entrada e saída das pessoas no alojamento. “Desde criança, eu sou apaixonada pelo teatro, então me sinto feliz em contribuir com a arte”, disse Élen. “Eu também me sinto feliz em ajudar e faço com muito prazer”, completou Edvandro.

Estudantes e atores

Vânia Lopes é professora na Comunidade Kolping do Bairro Santinho, em Ribeirão das Neves, Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ela dá aulas de teatro no Projeto Vivarte e viajou até Mariana com seus alunos para participar da segunda edição do Festeco. “O evento está maravilhoso, fomos muito bem recebidos e pretendemos voltar no próximo ano”.

Poliane e Vitória Soares, de 18 e 25 anos, são irmãs e participam do Projeto Kolping há pouco mais de um mês. É a primeira vez que elas viajam até outra cidade para atuar. Vieram a convite do Festeco e apresentaram a peça “Bela Linguaruda”, no Jardim. “Eu estou achando maravilhoso sair um pouco daquele mundo, da minha cidade e conhecer outros lugares”, disse Poliane. “É maravilhoso poder viajar fazendo aquilo que amamos. O teatro está abrindo muitas portas para a nossa vida e eu nunca pretendo abandonar os palcos”, completou Vitória.

O Festeco

O Festeco nasceu da parceria entre a escola pública (E.E. Ensino Médio Cabanas) e a Associação Cultural Teatro do Dragão como realizadores do evento. Sem apoio do poder público municipal, a estratégia de inserção da comunidade na apreciação e no fazer artístico se fundamenta em um trabalho realizado nas escolas e associações culturais durante todo o ano, divulgando e estimulando a participação de todos e solicitando a colaboração voluntária desde a organização, preparação e execução da segunda edição do festival.

Zilvan Lima, coordenador geral do Festeco Teatro explica que o teatro é o espaço produtor de impulsos de vida. “Além disso, ele é o espelho onde se reflete algumas imagens, que antes de tudo é pensamento, do nosso cotidiano. Essas imagens, esses aspectos da nossa sociedade, é depois compartilhado. No encontro com o teatro, o indivíduo é capaz de tecer um pensamento através dessas imagens lúdicas, às vezes muito mais potentes que o pensamento racional”.

Ainda de acordo com Zilvan, a sociedade vive um momento onde cada vez mais os pensamentos das pessoas são conduzidos e limitados. “O teatro é capaz de afetar, romper barreiras e mostrar uma série de possibilidades de pensamento. Isso faz com que seja possível mudar a forma como as pessoas enxergam a si mesmas e ao mundo. Isso pode ser o começo de uma transformação extremamente revolucionária”.

Um evento plural

Seja com o polêmico Nelson Rodrigues, o político Chico Buarque, o universal Guimarães Rosa ou mesmo com peças ainda desconhecidas, o Festeco foi capaz de agradar a um público plural que pode assistir apresentações dos mais variados estilos: dramas, comédias, espetáculos infantis, alternativos, épicos.

Uma das mais expressivas obras de teatro musical dedicada ao público infantil no país, “Os Saltimbancos”, que narra as aventuras de quatro bichos que, sentindo-se explorados por seus donos, resolvem fugir para a cidade e tentar a vida como músicos foi apresentada no domingo (23), na Praça Gomes Freire. A fábula musical traduzida e adaptada para o português por Chico Buarque de Hollanda, no final de 1976, agradou também adultos que se emocionaram ao recordarem a infância.

“Essa peça é muito bonita e com o passar dos anos vai adquirindo ainda mais sentido. Os Saltimbancos é um clássico que fala de opressão e liberdade. Quem não conhece a música História de uma Gata? ”, indaga o administrador César Ribeiro, de 44 anos.

A atriz Natália Nascimento, do grupo Fragmentos de Teatro, interpretou a galinha na peça” Os Saltimbancos” e falou da forte interação do público com o musical. Natália destacou que a escolha da peça se deve ao momento político enfrentado no país. “A peça foi apresentada pela primeira vez em pleno regime militar e a ideia é trazer um pouco de reflexão para os dias atuais, marcados por um forte avanço da intolerância e preconceito”.

Gabriel Pimenta, um dos jovens espectadores, aprovou a apresentação. “A peça é muito engraçada e divertida. Todos os personagens são bons, por isso não posso dizer que gostei mais deste ou daquele”.

Quem também presenteou o público da cidade foi o ator e diretor da Companhia Pais e Filhos, Márcio Sabones, de São João Nepomuceno. Sabones estreou o monólogo alternativo “O Palhaço da Vida”, autoria de José Luiz de Carvalho Nunes, falecido em 1996. “É a história de um ator que fez muito sucesso no passado e devido a uma desilusão amorosa se afundou em uma profunda tristeza e teve sua carreira destruída”, explicou. O espetáculo estreia em São João Nepomuceno na próxima quarta-feira, dia 26 de setembro.

 Com a palavra, os atores e atrizes

Deborah Soares apresentou a peça infantil “A Boneca Preta em Sequestro dos Brinquedos”. A atriz de Poços de Caldas (MG) disse que veio a Mariana fazer o que mais gosta – levar o teatro para as crianças. “A atitude de aproximar a comunidade ao teatro é louvável. As pessoas devem se ligar cada vez mais a ele e saber que todos podem participar. O teatro não tem idade e nem classe social. Que venham outros festecos!”.

O baiano Gutemberg Nascimento, das companhias Teatral Asas e Território Livre Cultural esteve no evento representando Barbacena (MG). O ator destacou o caráter comunitário do evento. “O Festeco é um festival comunitário onde é possível ver as pessoas interagindo na rua, abrindo as portas de suas casas para receber os atores e fazer um grande espetáculo com eles. É um evento grande e muito bonito, com foco na periferia, com um potente discurso social e a busca por uma vida melhor. Ainda bem que eventos como esse estão brotando e trazendo um novo perfume para a sociedade marianense”.

A paulistana Lili Silva fez questão de ressaltar o alto nível profissional de todas as companhias de teatro presentes no evento e destacou a importância do caráter social do Festeco. “A minha inserção no teatro se deu através de um projeto bastante parecido com esse. O Festeco veio para fazer diferença na vida dos marianenses. É preciso acabar com o estigma de que o teatro é feito e produzido apenas pela elite intelectual e econômica do país. É preciso que a população tenha acesso à cultura e à educação, grandes transformadores sociais”, disse a atriz.

Morador de Barroso (MG), Cláudio Severo Júnior, ator da Companhia Fofocas de Teatro, afirmou ser estritamente importante manter o contato entre teatro e público sempre vivo e destacou o caráter comunitário da iniciativa. “É estritamente importante esse contato que se cria com a plateia e mais importante ainda manter esse encontro vivo. Se nós pararmos de ir aonde o público está, o teatro deixa de existir. Por isso devemos ser semeadores da arte”.

Espaço transformador

A má distribuição de renda no Brasil que separa e segrega a minoria rica da grande maioria pobre, gera um sólido processo de exclusão que coloca em xeque até mesmo a consolidação da democracia. Isso vale também para a aquisição dos hábitos e bens de consumo culturais. O resultado disso é a marginalização dos indivíduos, a formação de guetos, o crescimento desenfreado da violência, da criminalidade e da fome. É o que aponta o estudo de Narciso Telles, da Universidade Federal de Uberlândia, em seu artigo “Teatro Comunitário: Ensino de Teatro e Cidadania”.

Ator, pesquisador, doutor em Teatro, Telles afirma que na contramão deste processo, “o uso do teatro no desenvolvimento social vem ampliando seus espaços de atuação a partir da realização de projetos em todo o país, como o teatro realizado em penitenciárias, hospitais e o teatro comunitário”.

Por isso a educadora Juliana Conti, idealizadora e promotora do Festeco, fez um apelo à comunidade de Mariana numa das últimas peças encenadas na Praça Gomes Freire – “Vamos assistir teatro e começar uma nova cultura em Mariana. Nós temos um teatro lindo nessa cidade e precisamos reviver essa experiência. Precisamos estar em contato com essa cultura, senão ficaremos apenas bebendo cerveja nessa praça. Há muito mais a ser feito, para nos divertimos e ficarmos unidos. Temos que investir nesses jovens”.

Encerramento

O encerramento do II Festival de Teatro Comunitário de Mariana aconteceu a partir das 18h no Sagarana com uma grande confraternização entre os envolvidos e premiação das melhores peças. Os premiados receberam o troféu Magdalena Lana Castelois. Patrícia Oliveira e Carlos Alberto Cunha, técnicos de iluminação e som do Centro de Cultura SESI Mariana foram agraciados com o troféu, “pelo empenho, profissionalismo e carinho com os alunos que passaram pelo SESI”, disse Guina, outro idealizador do Festeco.

Aguarde a lista completa com os premiados no II Festeco –  Festival de Teatro Comunitário de Mariana.

Todas as fotos são de autoria do repórter João Paulo Teluca Silva/Jornal Voz Ativa.

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