Antonio Marcelo Jackson F. da Silva Doutor em Ciência Política; Professor da Universidade Federal de Ouro Preto Desde que a análise política passou a privilegiar o conjunto de interesses das pessoas, atores políticos e instituições – isso por meados do século XX -, inúmeros itens que tradicionalmente faziam parte das considerações a respeito de governantes, povo etc. foram desconsiderados. Não que isso fosse uma novidade absoluta, afinal o bom e velho pensador florentino já chamava a atenção no livro O Príncipe para a ausência de ética nas relações em que qualquer forma de poder que estivesse em jogo; assim, por exemplo, inexistiria qualquer constrangimento em se abrir mão de ideologias defendidas até o dia de ontem quando a obtenção e manutenção de um cargo político fossem metas primordiais: o Lula apertando a mão de Paulo Maluf para a defesa da candidatura de Haddad à prefeitura de São Paulo é um magnífico exemplo atemporal disso. Entretanto, nem mesmo Nicolau Maquiavel (nosso estimado pensador de Florença, Itália) cogitou que suas anotações servissem como justificativa para qualquer coisa. O problema, mesmo, aconteceu na metade do século passado, como disse acima. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a vitória do argumento liberal – noves fora o universo socialista liderado pela União Soviética -, os modelos democráticos se restringiram às eleições e, com isso, muito mais importava a maneira pela qual se conquistava o voto do que, propriamente, o projeto de governo deste ou daquele grupo. A coisa toda piorou um pouco mais quando foi publicado um estudo realizado na cidade de Elmira, Estados Unidos, onde foi detectado que o eleitor médio pouco se preocupava com as ideologias, votava de acordo com seus interesses mais mesquinhos, pela simpatia com o candidato, entre tantas outras coisas tantas das vezes simplesmente fúteis. O livro “Voting” surpreendeu a todos os analistas e foi determinante na compreensão de que as relações políticas possuem de tudo...exceto política! Ou seja, num bom português, a escolha deste ou daquele candidato é movida por interesses absolutamente particulares e não necessariamente abnegados e vinculados ao bem-estar público. Com isso as campanhas também passaram a ser forjadas de tal forma que os candidatos fossem apresentados como seres palatáveis e vazios de conteúdo. Já nesse caso, um bom exemplo foi o caso de Fernando Collor (apresentado como “caçador de marajás”) transformado de um obscuro governador de uma pequena unidade da Federação em vitorioso na eleição de 1989. Dito de forma distinta, praticamente tudo passou a ser possível quando o assunto é política. Entretanto, em todas as coisas há um bônus e um ônus. Se a nova forma de se realizarem as relações com o poder tornou-se campo fértil para os especialistas em marketing e publicitários, por outro lado, a política, no sentido mais simples que se pode conhecer, perdeu muito. Vejamos sucintamente o que ocorre nos dias atuais. De um lado observamos o infindável conjunto de acusações aos membros do PT (Partido dos Trabalhadores) quanto a Ação Penal 470 (vulgo, “mensalão”) que vem acompanhado das seguintes respostas: “mas, também há o ‘mensalão’ tucano dos mineiros”, ou então, “o Brasil nunca teve uma distribuição de renda dessa monta”. De outro lado, ouvimos as críticas feitas aos diversos escândalos de corrupção no estado de São Paulo sob o governo do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) e que têm como resposta falas como “mas, a economia paulista cresce mais que a brasileira” ou então “cadê a punição real dos ‘mensaleiros’ do PT?”. Notem que apenas uma coisa não aparece: pouco importa quem acusa e quem é acusado, as acusações propriamente não são rebatidas! Em outras palavras, parece-nos que roubar, corromper, furtar, não entram como itens importantes no cálculo político, ou seja, não merecem um único minuto de tempo para serem desqualificados. Nesse sentido, de duas, uma: ou bem todos são ladrões e, portanto, não possuem argumento algum, ou bem o ato de roubar está tão naturalizado que não espanta ou incomoda a mais ninguém. Tudo indica que a antiga e famosa máxima do ex-governador de São Paulo na década de 1950, Ademar de Barros, atingiu patamares jamais imaginados. No final de tudo, parece-nos que roubar não entra nas contas de nossa democracia; ao que tudo indica, seremos nós a primeira sociedade política integralmente formada por bandidos. O maior problema de todos, ainda mais em um ano de eleições, é lembrar que os bandidos, entre eles, possuem ética. Frente a isso, pergunto eu: será que os membros de nossa classe política seriam aceitos em algum grupo de marginais em qualquer país do mundo? Antonio Marcelo Jackson F. da Silva Doutor em Ciência Política; Professor da Universidade Federal de Ouro Preto
Em tempos de aprofundamento e adaptação da norma neoliberal, é comum a ausência de valores éticos como a permanência da predileção fútil e mesquinha do mercado. Aclamar a saga democrática ocidental é se submeter às suas regras. Um exemplo clássico refere-se ao primeiro congresso do PT, em 1990, quando este abdica de suas próprias origens. O PT deixa de ser uma poderosa máquina de mobilização para se tornar e priorizar suas ações como uma poderosa máquina eleitoral. Em defesa da governabilidade institucional joga no lixo suas bandeiras mais sagradas. O que é constatado, por exemplo, em relação a impunidade anunciada no que se refira aos criminosos de lesa humanidade do regime militar de 64. Porém, entre retrocessos e estagnações ainda alimento esperanças no que é jovem e, em sua condição essencial de promover rupturas.