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Exposição “São Francisco na Arte de Mestres Italianos” chega a Belo Horizonte

Obras de importantes coleções italianas, que datam dos séculos XV a XVIII, traduzem as fases mais relevantes da representação de São Francisco. A mostra gratuita, que acontece na Casa Fiat de Cultura, inclui um passeio virtual à Basílica Superior de Assis, na Itália.

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Por João Paulo Silva Publicado em 17/08/2018, 13:14 - Atualizado em 17/08/2018, 13:14
Foto- Abertura Exposição São Francisco-Na arte de Mestres Italianos. Crédito-Leo Lara/Studio Cerri Siga no Google News

Foto-Abertura Exposição São Francisco-Na arte de Mestres Italianos Crédito-Leo Lara/Studio Cerri

Séculos se passaram e as artes renascentista e barroca continuam encantando a humanidade. Obras de mestres como Tiziano Vecellio, Perugino, Orazio Gentileschi, Guido Reni, Guercino, Carracci e Cigoli fazem, hoje, parte de importantes coleções italianas e chegam pela primeira vez ao Brasil. Este incomparável acervo poderá ser apreciado na Casa Fiat de Cultura, de 8 de agosto a 21 de outubro, na exposição “São Francisco na Arte de Mestres Italianos”, que reúne 20 pinturas realizadas entre os séculos XV e XVIII. A curadoria é dos italianos Giovanni Morello, especialista em História da Arte – que idealizou e curou diversas exposições de arte antiga na Itália, no Vaticano e outros países e integra a comissão permanente de tutela dos monumentos históricos e artísticos da Santa Sé – e do professor Stefano Papetti, diretor da Pinacoteca Civica di Ascoli. A mostra apresenta as fases mais relevantes da representação de São Francisco por meio de obras que se integraram à cultura local de toda uma época e que ainda encontram espaço na cultura ocidental por seus valores artístico, histórico e simbólico.

Proporcionando uma experiência imersiva e única, a mostra também inclui uma sala de Realidade Virtual que vai transportar o visitante da Casa Fiat de Cultura para a Basílica Superior de Assis (1228), na Itália, com o uso de óculos de tecnologia 3D.  Será possível fazer um passeio visual por uma das mais importantes e belas basílicas do país e conhecer obras-primas do pintor italiano Giotto (1267-1337), artista símbolo dos períodos medieval e pré-renascentista. Tradição, arte e tecnologia se encontram nesta exposição. A Casa Fiat de Cultura também preparou uma programação paralela com diversas atividades desenvolvidas pela equipe do Programa Educativo, tudo com entrada gratuita.

O percurso expositivo possibilita ao público visitante acompanhar a evolução da representação iconográfica de São Francisco, o santo católico mais retratado na história da arte, de acordo com o curador Papetti. O simbolismo de Francisco é universal, “isso por causa das ações que seus seguidores vêm fazendo há séculos em favor da evangelização e do progresso social”, explica o curador Morello. Para o presidente da Casa Fiat de Cultura, José Eduardo de Lima Pereira, “São Francisco chega à Casa Fiat de Cultura com sua grandiosa simplicidade. Homem santo que faz parte da construção da nossa identidade cultural. Em Ouro Preto, antiga capital de Minas Gerais, uma das principais igrejas carrega seu nome e revela toda a riqueza do nosso barroco. Em Belo Horizonte, um dos seus ícones é a Igrejinha da Pampulha, que de forma ousada imortalizou São Francisco pelas mãos do mestre Portinari. Sua história se faz atual com valores de amor ao próximo, humildade e respeito à natureza. Uma imagem que passou por transformações ao longo da história da arte com obras-primas dos grandes mestres italianos que  os brasileiros poderão apreciar nessa exposição”.

Entre as obras, o público conhecerá quadros de grandes mestres do Renascimento e Barroco italianos. Artistas que, em seus ateliês, receberam, ensinaram e influenciaram outros expoentes da história da arte. Perugino, por exemplo, foi o mestre de Rafael Sanzio, e Tiziano teve Tintoretto e Veronese como seguidores. As pinturas de destaque da mostra são “San Francesco riceve le stimmate” (1570), de Tiziano Vecellio, “San Francesco sorretto da un Angelo” (primeira metade do séc. XVII), de Orazio Gentileschi, “San Francesco confortato da un angelo musicante” (1607-1608), de Guido Reni, que também pintou o estandarte “Francesco riceve le stimmate (frente); San Francesco predica ai confratelli (verso)” (séc. XVII), “San Francesco d’Assisisi e quattro disciplinati” (1499), de Perugino, e “San Francesco riceve le stimmate” (1633), de Guercino. Segundo o Embaixador da Itália no Brasil, Antonio Bernardini, “há grande satisfação e orgulho em poder oferecer, pela primeira vez, ao público brasileiro uma parte tão rica e importante do tesouro da arte e da história italianas e de compartilhá-la com os muitos admiradores da herança cultural italiana no Brasil. Esta mostra é uma iniciativa inédita e altamente relevante por seu alcance e valor cultural, entre as que realizamos nos últimos anos”.

A exposição traz acervos de 15 museus de 7 cidades italianas: Galleria Corsini, Palazzo Barberini, Musei Capitolini, Museo di Roma, Museo Francescano dell’Istituto Storico dei Cappuccini (Roma); Pinacoteca Civica, Sacrestia della chiesa di San Francesco, Convento Cappuccini (Ascoli Piceno); Museo Nazionale d'Abruzzo (L'Aquila), Galleria Nazionale dell’Umbria (Perugia); Istituto Campana per l'Istruzione permanente (Osimo); Museo Civico (Rieti), Pinacoteca Nazionale (Bolonha) e Duomo di Novara (Novara). A mostra conta, ainda, com uma importante obra de Ludovico Cardi (conhecido como Cigoli), “St. Francis Contemplating a Skull”, propriedade do colecionador e ator ítalo-americano Federico Castelluccio. O quadro virá de Nova York para integrar a exposição de Belo Horizonte. "A operação de logística e coordenação geral desta exposição é extremamente complexa, visto que as obras pertencem aos acervos dos principais museus da Itália e abrangem um período que vai do século XV ao século XVIII. Isso implica, por um lado, numa intensa e complexa negociação para a concessão dos empréstimos e, por outro, num tratamento extremamente cuidadoso durante o processo de seu transporte e instalação no espaço expositivo, em função de sua raridade", comenta Ricardo Ribenboim, diretor da Base7 Projetos Culturais.

Após a vinda a Belo Horizonte, a exposição segue para o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, de 31 de outubro de 2018 a 27 de janeiro de 2019.

A exposição “São Francisco na Arte de Mestres Italianos” é uma realização da Casa Fiat de Cultura, do Museu Nacional de Belas Artes, do Ibram e do Ministério da Cultura, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, com apoio institucional da Embaixada da Itália no Brasil, da Associação de Amigos do Belas Artes (RJ) e da Fondazione Giovanni Paolo II per la Gioventù. A exposição conta ainda com os seguintes parceiros: Consulados da Itália em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte e Instituto Italiano de Cultura de São Paulo e Rio de Janeiro. O patrocínio é da Fiat Chrysler Automóveis (FCA), Banco Fidis, FCA Fiat Chrysler Finanças Brasil, FCA Fiat Chrysler Participações e Banco Safra. A mostra também tem apoio do Circuito Liberdade, Instituto Estadual do Patrimônio Histórico (Iepha), Governo de Minas Gerais, Sumisura, Cinex, UnipolSai Assicurazioni e BH Airport. A organização e coordenação geral é da Base7 Projetos Culturais e na Itália da Artifex International.

São Francisco na Arte de Mestres Italianos

Há séculos, a imagem de São Francisco de Assis (1182 - 1226), homem simples e humilde, cativou a sensibilidade de todo o mundo e foi imortalizada pelos grandes artistas que o retrataram, como os mestres da pintura italiana. De acordo com o curador Giovanni Morello, “o objetivo da exposição é proporcionar aos visitantes brasileiros a oportunidade de conhecer a representação de São Francisco de Assis na arte por meio de uma rigorosa seleção de mestres italianos como Perugino (1446 - 1523), Tiziano (1480 - 1576), Guercino (1591 - 1666), Guido Reni (1575 - 1642), entre outros. A mostra é dividida em três núcleos que ilustram a iconografia inicial do santo”.

No que diz respeito à história da arte na Itália, a exposição abrange um período de tempo muito amplo, do século XV ao XVIII. Neste contexto, certamente, os fenômenos artísticos mais importantes são o Renascimento e o Barroco. Durante o período do Renascimento, por conta da bem-sucedida tentativa de retornar aos modelos clássicos de beleza, as imagens de representação religiosa privilegiavam o belo espiritual, que também simbolizava a santidade. No Barroco, período artístico muito mais carnal e vivaz, os pintores foram capazes de interpretar os aspectos mais humanos dos santos, sublimando-os nas virtudes evangélicas transmitidas pelo Cristianismo.

“Os modelos de representação de São Francisco mudaram de acordo com as necessidades de promoção das várias famílias franciscanas. É possível notar a mudança no modo de representar os estigmas, por exemplo, que em determinado momento deixam de ser pequenos cortes e se transformam em ferimentos sangrentos, precisamente porque era de interesse dos franciscanos evidenciar, através da pintura, a proximidade da dor de Francisco àquela vivida por Jesus na cruz. Este é um aspecto que começa a se manifestar no final do século XIII e se torna frequente nos períodos seguintes. Até a forma da túnica mudou ao longo do tempo: nas obras mais antigas ela é representada como um pano áspero, cheio de rasgos, costuras e remendos e, ao longo do tempo, torna-se uma vestimenta mais fina. O capuz deixa de ser pontudo e torna-se arredondado. Somente no final do século XVI, quando nasce a Ordem dos Capuchinhos, que pretende trazer os franciscanos de volta à sua condição original de pobreza, a forma do capuz volta a ser pontiaguda”, explica o curador Stefano Papetti.

Núcleos da Exposição

Imagem

O primeiro núcleo da mostra apresenta São Francisco nas artes renascentista e barroca influenciadas pela primeira fase de representação do santo. Morto na Itália em 1226 e canonizado dois anos mais tarde, iniciou-se em meados do século XIII uma grande produção de imagens do santo que focavam em sua aparência simples e sofrida. A figura de Francisco transmitia as privações a que se submetia, sempre com grande força espiritual.

Quatro obras fazem parte deste núcleo:

  • “San Francesco d’ Assisi e quatro disciplinati” (1499), de Pietro Perugino e Giovan Francesco Ciambella.
  • “San Francesco” (sem data), de Giovan Francesco Barbieri, conhecido como Guercino.
  • “Estasi di San Francesco” (primeira metade do séc. XVII), de Cesare Fracanzano;
  • “St. Francis contemplating a skull” (1604-07), de Ludovico Cardi, conhecido como Cigoli.

Os Estigmas

Este núcleo ilustra a segunda fase da representação de São Francisco, advinda da chegada de Giotto (1267-1337) à cena artística, pintor que revolucionou a iconografia do santo. Seu famoso ciclo de afrescos da Basílica Superior de Assis elucida essa ruptura: sai de cena o São Francisco magro e sofrido e entra um santo dotado de um rosto angelical, um ícone de beleza espiritual e física. É como se os pintores dissessem que, com a morte, o santo abandonou todo o sofrimento e renasceu.

Nos afrescos, Giotto também insere a cena dos estigmas – o aparecimento de marcas semelhantes às chagas de Jesus Cristo no corpo de Francisco, ocorrido em 1.224, no Monte della Verna, dois anos antes da sua morte. O fato fez grande sucesso entre artistas dos séculos seguintes, principalmente porque Francisco ficou conhecido por ser o primeiro homem a ter os estigmas. O episódio é, sem dúvida, aquele mais retratado da vida de São Francisco e, por isso, este é o núcleo com o maior número de obras da exposição. Apesar da repetição do sujeito, a sucessão das pinturas escolhidas pela curadoria fornece uma visão variada e expressiva do evento considerado milagroso à época.

Doze obras fazem parte deste núcleo:

·        “San Francesco” (1467), de Antoniazzo Romano;

·        “San Francesco riceve le stimmate” (1570), de Tiziano Vecellio;

·        “San Francesco Penitente” (1583), de Annibale Carracci;

·        “San Francesco in preghiera” (1584), de Annibale Carracci;

·        “San francesco d’Assisi riceve le stimmate ala Verna” (séc. XVII), de Andrea Vaccaro;

·        “San Francesco sorretto da un Angelo” (1612-1614), de Orazio Gentileschi;

·        “San Francesco d'Assisi riceve le stimmate” (séc. XVII), de Cristoforo Roncalli, conhecido como Pomarancio;

·        “San Francesco confortato da un angelo musicante” (1605-1610), de Guido Reni;

·        “La visione di San Francesco” (sem data), de Francesco Solimena;

·        “San Francesco riceve le stimmate (frente); San Francesco predica ai confratelli (verso)” (1629), de Guido Reni;

·        “San Francesco d'Assisi medita sulla morte e sulla vita” (séc. XVII), de Candielight Master (Trophime Bigot);

·        “San Francesco riceve le stimmate” (1633), Giovan Francesco Barbieri, conhecido como Guercino.

 

Conversas Sagradas

O último núcleo da exposição apresenta a terceira fase da representação de São Francisco, na qual a imagem do santo é associada à iconografia da Virgem Maria com o Menino Jesus, da cruz de Cristo e de outros santos franciscanos. Esta fase decorre do momento em que Francisco de Assis se torna grandioso no imaginário da época. Primeiramente representado como um pobre homem faminto e malvestido, depois como um belo santo com as chagas de Cristo, a iconografia de sua santidade chega ao ápice no momento em que ele divide espaço com as figuras mais importantes do catolicismo, Maria e Jesus, e com seus discípulos, os franciscanos.

Quatro obras fazem parte deste núcleo:

  • “San Francesco d'Assisi abbraccia i piedi di Cristo Crocifisso” (séc. XVIII), Alessandro Magnasco;
  • “La Madonna del latte con i SS. Sebastiano, Rocco, Francesco e Antonio da Padova” (Sec. XVI), de Cola dell’Amatrice;
  • “Natività con i Santi Gerolamo, Francesco, Antonio da Padova e Giacomo della Marca” (sem data), de Cola dell'Amatrice e Ascoli Piceno;
  • “San Francesco d’Assisi,  Sant’Antonio da Padova e San Bonaventura da Bagnoregio” (séc. XVII), de Andrea Lilli.
Obras de destaque

“San Francesco riceve le stimmate” (1570), de Tiziano Vecellio

A maior obra da exposição, com quase 3 metros de altura. Tiziano usava cores fortes como principal meio expressivo. Primeiramente pintava a tela de vermelho para dar calor ao quadro, depois pintava o fundo e as figuras em matizes vívidos, acentuando as tonalidades com cerca de quarenta camadas de tinta. Esse trabalhoso método possibilitava uma pintura convincente de qualquer textura, do metal polido ao brilho da seda, de cabelos louro-dourados à pele cálida. Um dos primeiros artistas a abandonar os painéis de madeira, Tiziano adotou o óleo sobre tela como suporte característico.

Quando pintou a tela “San Francesco riceve le stimmate”, Tiziano tinha quase 80 anos e usava até mesmo os dedos para espalmar a tinta na tela, realizando, assim, imagens que parecem “mal definidas”, de uma modernidade desconcertante. Desiderio Guidoni, personagem mostrado na parte inferior do quadro, foi a pessoa que o encomendou e, possivelmente, era muito rico, já que o pintor veneziano era extremamente exigente na cobrança por suas obras, destinadas à uma elite internacional. Uma avaliação e restauro recentes mostrou que a tela, provavelmente, sofreu uma queda e que, na ocasião, foi danificada por castiçais ou algo pontiagudo. Há marcas de pequenas perfurações causadas por fogo e que foram, posteriormente, restauradas. A tela tem sido exposta em diversas mostras dentro e fora da Itália.

“San Francesco sorretto da un Angelo” (primeira metade do séc. XVII), de Orazio Gentileschi

Na tela de 133cm x 98cm, o pintor conseguiu retratar com maestria um episódio que, embora não presente na vida do santo, foi repetidamente visitado pelos artistas dos períodos renascentista e barroco. Os artistas representavam Francisco como Cristo, quando recebe a visita de um anjo no Jardim das Oliveiras, em Jerusalém, antes de sua Paixão e morte – episódio conhecido como “agonia de Jesus”. No caso do São Francisco de Gentileschi, o anjo o conforta após o aparecimento dos estigmas.  Essa mesma iconografia aparece também na delicada obra de Guido Reni, presente na mostra. Dos amigos do pintor Caravaggio, um dos grandes foi Orazio Gentileschi, que não apenas foi seguidor do gênio, mas inventou, a seu modo, uma forma de iluminar seus quadros.

“San Francesco confortato da un angelo musicante” (1607-1608), de Guido Reni

A menor obra da exposição, com 44,4cm x 37cm, é também uma das mais importantes. Assim como na obra de Gentileschi, Reni retrata a visita de um anjo que conforta Francisco diante do episódio dos estigmas. A pintura mostra o santo em jejum, em Monte della Verna, quando aparece um anjo com grande esplendor e uma viola nas mãos. A doçura da melodia tocada pelo anjo é tamanha que Francisco entra em êxtase, recostado na entrada de uma caverna, de olhos fechados. Em torno dele, nota-se objetos de meditação: os livros, o crucifixo e um crânio. Dentro da cesta trançada no chão, rabanetes brancos, a mísera refeição que espera por Francisco.

Estandarte “Francesco riceve le stimmate (frente); San Francesco predica ai confratelli (verso)” (séc. XVII), de Guido Reni

A obra tem mais de 2 metros de altura (217cm x 152cm). O estandarte, também chamado de Bandeira de Procissão, pintado em ambos os lados, foi encomendado ao pintor bolonhês por Clemente Boncompagni Corcos para a Confraria dos Estigmas de Roma, que então a presenteou ao cardeal Flavio Chigi, um refinado colecionador de arte. O tema é inspirado nos textos da “Legenda Maior”, biografia oficial de São Francisco, escrita por Bonaventura da Bagnoregio. No livro, o autor descreve a aparição de um Serafim (anjo de seis asas) com o semblante de Cristo crucificado que imprime em Francisco os sinais dos estigmas da Paixão de Cristo.

“San Francesco d’Assisisi e quattro disciplinati” (1499), de Perugino

A obra de fundo dourado apresenta São Francisco de Assis em pé, segurando um livro e uma cruz, cercado por quatro devotos ajoelhados em oração, usando o hábito dos flagelantes. A peça foi encomendada pela Irmandade dos Flagelantes de São Francisco, que nasceu do movimento penitencial promovido em Perugia pelo frei Raniero Fasani. O formato, o suporte e a iconografia da tela atestam que, originalmente, ela devia servir de estandarte nas procissões, representando a identidade e as funções da irmandade. Feito de tafetá de seda vermelha, o estandarte foi pintado em têmpera, mas alterado por visíveis repinturas a óleo, em particular no rosto e nas mãos do santo. Tais acréscimos, datáveis do século XVI, fizeram-se necessários presumivelmente devido a problemas de conservação, frequentes para esse tipo de obra, por conta de sua finalidade e constante utilização.

“San Francesco riceve le stimmate” (1633), de Guercino

A obra tem mais de 2 metros de altura (264cm x 176cm). Guercino pintou São Francisco inúmeras vezes, sempre atento a ressaltar as características iconográficas de acordo com as diretrizes da Ordem Franciscana, dadas aos artistas na ocasião do Concílio de Trento (1545 – 1563). O pintor, originário da Emilia Romagna, enfatiza a pobreza das vestes usadas pelo santo, feitas com um tecido áspero e remendado. Concentra-se na representação de um semblante inspirado, que olha para o céu em uma conversa silenciosa e íntima com Deus. O artista sublinha a presença dos estigmas no verso da mão, representada em primeiro plano.

Realidade Virtual: uma visita à Basílica Superior de Assis

Situada na cidade de Assis, na Itália central, a Basílica Superior faz parte do complexo da Basílica de São Francisco. A construção foi iniciada em 1228, dois anos após a morte de Francisco, a pedido do Papa Gregório IX, e os principais arquitetos e artistas daquele período e região estiveram envolvidos na construção do edifício, que muito contribuiu para a difusão do estilo artístico gótico na Itália. Em 1253, a obra foi concluída e inaugurada pelo Papa Inocêncio IV. Na sala de Realidade Virtual da exposição “São Francisco na Arte de Mestres Italianos”, por meio do uso de óculos de tecnologia 3D, o público da Casa Fiat de Cultura poderá visitar a nave da Basílica e apreciar obras-primas do pintor Giotto (1267-1337): o ciclo de afrescos “Le storie di San Francesco”, que mostra 28 episódios da vida de São Francisco, pintados entre 1292 e 1296. Ligada à sala de Realidade Virtual, encontra-se uma sala de vídeo que também mostra o ciclo de afrescos para aqueles que preferirem não utilizar o óculos.

O óculos possui um sistema de audioguia, que vai conduzir o visitante desde a fachada da Basílica, explicando seus aspectos arquitetônicos e a escolha da colina para a construção, conhecida como “Monte do Inferno” no período medieval, onde eram enterrados os condenados e executados. A viagem segue para a nave da Basílica, na qual ganham destaque descritivo nove afrescos de Giotto: “Francisco homenageado por um homem simples”, “A renúncia aos bens paternos”, “A visão dos tronos celestiais”, “A prova do fogo de frente ao sultão”, “Oração aos passarinhos”, “Francisco recebe os estigmas no Monte Alverne”, “A morte de Francisco”, “O pranto de Clara e de suas companheiras sobre o corpo do santo” e “A liberação do herege arrependido”.

A Basílica Superior de Assis é um modelo único em todo o mundo, com duas igrejas e a cripta de Francisco interligadas por três altares, como uma coluna vertebral, sendo que no que o primeiro deles é onde Francisco está sepultado. Antes de sua construção, com apenas a Basílica Inferior pronta, o local era destinado ao recebimento de peregrinos que vinham de todas as partes do mundo para visitar a sepultura do santo e manifestar sua devoção. Já a Basílica Superior foi pensada originalmente para a realização das cerimônias oficiais da Ordem, das reuniões dos frades e das celebrações com a presença do Papa, por isso o trono papal, localizado atrás do altar.

A Basílica sofreu várias intempéries no decorrer dos anos e passou por longos períodos de restauro. Em 1952, um incêndio de grandes proporções tomou a sacristia da Basílica Inferior e restauradores levaram seis anos para recuperar afrescos danificados pelo fogo e pela fumaça. Em 1997 ocorreu um grande terremoto na região e todo o sistema arquitetônico dos arcos da nave da Basílica Superior cedeu. Na mesma noite, para evitar novos desabamentos, teve início a obra de restauro mais longa da história recente da Itália, que ficou conhecido como “O pátio da utopia” (“Il cantieri dell’utopia”, em italiano). Dos 5 mil metros de superfície pintada, 200 metros haviam desabado. Voluntários, orientados por conservadores profissionais, recolheram cerca de 300.000 fragmentos de afrescos, com tamanho médio de 4 cm. Por oito anos, a Basílica Superior esteve fechada ao público, técnicos de diversos países participaram do restauro, foram investidos cerca de 7 milhões de euros, 200.000 fragmentos foram identificados e recolados, outros 100.000 estão guardados nos depósitos do Sacro Convento. Apenas em 2006 a obra foi concluída e a Basílica Superior foi reaberta à visitação.

Os elementos de São Francisco na construção da galeria

 No momento de projetar a expografia de “São Francisco na Arte de Mestres Italianos”, os arquitetos Paulo Waisberg e Clarissa Neves buscaram trazer à galeria diversos elementos que remetem ao santo e à Basílica na cidade de Assis, um dos monumentos mais importantes da religião católica e que está repleta de obras de arte.

Logo na entrada da galeria, o visitante se depara com uma revoada de pássaros. Os pássaros que pendem do teto são feitos de papelão, um material que remete à simplicidade franciscana, e são uma referência ao episódio em que São Francisco prega aos pássaros, no entendimento de que todas as criaturas de Deus são iguais e capazes de ouvir seus ensinamentos. Outros elementos utilizados foram a corda, material que os franciscanos usam para amarrar suas vestimentas, e os tecidos remendados das batas franciscanas, que também exprimem a simplicidade da vida das pessoas que escolhem trilhar os caminhos de Francisco.

Uma das características mais marcantes da Basílica, os arcos plenos, foram utilizados na exposição para dividir os ambientes, como portais de transição entre um núcleo temático e outro. Da Basílica também é usada a rosácea, um avanço tecnológico para as construções da época, e que traz um significado simbólico de iluminação sagrada, pois só com a invenção das rosáceas foi possível iluminar melhor o interior das igrejas. A imagem da rosácea pode ser conferida na sala de Realidade Virtual, uma alusão à “janela para outro mundo” que o óculos 3D representa.

Os núcleos da exposição também podem ser reconhecidos pelas cores das paredes da galeria. O primeiro núcleo, “Imagem”, é azul, retratando a representação “pura” de São Francisco no momento em que é canonizado e suas representações em pintura começam; o segundo, “Os Estigmas”, é roxo, que remete à penitência e morte dentro do catolicismo, relacionando ao momento de maior dor de Francisco; e o último núcleo, “Conversas Sagradas”, é vermelho, uma cor de nobreza, mostrando um São Francisco glorioso, em diálogo com as santidades, e consagrado como um dos santos mais populares da história.

Curadoria

Prof. Giovanni Morello

Historiador de arte italiano. Ocupou importantes cargos em diversas instituições da Cidade do Vaticano. Foi diretor do Dipartimento dei Musei della Biblioteca Apostolica Vaticana e diretor do Ufficio Mostre. Integra a comissão permanente para a tutela dos monumentos históricos e artísticos da Santa Sé. Foi presidente da Fundação para os Bens e Atividades Artísticas da Igreja Católica de 2004 a 2007. Atuou como professor na Escola de Biblioteconomia da Biblioteca Apostolica Vaticana e no instituto Ecclesia Mater da Pontificia Università Lateranense. Foi professor de mestrado em “Architettura, Arti sacre e Liturgia”, na Università Europea di Roma. Publicou diversos livros e artigos de História da Arte, com destaque para a obra de Michelangelo e de Giovan Lorenzo Bernini; e a história da Biblioteca dos Musei Vaticani, também contribuiu com ensaios para catálogos de inúmeras mostras de arte realizadas na Itália e no exterior.  Foi presidente do comitê nacional para a celebração do V Centenário da Basilica di San Pietro, em Roma. Foi convidado pelo Ministero per i Beni e delle Attività Culturali a integrar comitês de estudos dedicados a artistas como Caravaggio e Beato Angelico. Idealizou e curou diversas exposições de arte antiga no Vaticano, na Itália e no exterior. Entre as mais recentes, destaque para: Francesco nell’arte: Da Cimabue a Caravaggio (Ascoli Piceno, Pinacoteca Civica, 2016), Maria Mater Misericordiae (Senigallia, Palazzo del Duca, 2016), Meraviglie dalle marche II (Buenos Aires, Museo Nacional de Arte Decorativo, 2014). Idealizou e coordenou as mostras em ocasião do evento Giornate Mondiali della Gioventù, realizado em diversas cidades como: Maria Mater Misericordiae (Cracóvia, Polônia, 2016). É presidente da empresa Artifex S.r.l. – comunicare con l’arte e sócio fundador da Artifex International S.r.l.s.

Prof. Stefano Papetti

Historiador e conservador italiano. Diretor da Pinacoteca Civica, da Galleria Civica di Arte Contemporanea Osvaldo Licini e do Museo dell’Arte Ceramica de Ascoli Piceno. Professor de Museologia e Restauro de Bens Culturais da Universitá degli Studi di Camerino e presidente da Fondazione Salimbeni de San Severino Marche. Curou diversas exposições dedicadas ao período Gótico e aos pintores do Renascimento italiano. Publicou diversos textos e artigos sobre Carlo e Vittore Crivelli e outros artistas de origem marchigiana pelas principais editoras de arte da Itália, como Skira, FMR, Electa, Allemandi e Silvana Editoriale. Colabora também com os jornais Il Sole 24 ore e Osservatore Romano.

Programação Paralela

Programa Educativo

Momento para contemplação

Durante todo o período da exposição, aos domingos, haverá um momento em que não será permitido fotografar dentro da galeria, das 10h às 12h. O intuito é proporcionar um momento para contemplação das obras livre de interrupções.

 

Visitas mediadas

Durante toda a exposição, o público poderá fazer visitas mediadas pela equipe do Programa Educativo, formada por historiadores e artistas visuais. As visitas serão realizadas de terça a sexta-feira, em dez horários diários (10h, 10h30, 13h, 13h30, 14h, 14h30, 15h, 15h30, 19h e 19h30) com 45 vagas cada, e podem ser agendadas pelo telefone (31) 3289-8910.

A mostra será abordada em três eixos:

  • Eixo biográfico: apresentação da vida de São Francisco de Assis conectada a valores contemporâneos como ecologia, sustentabilidade, empatia e coletividade.
  • Eixo temático: evolução da iconografia franciscana, discussão do conceito de iconografia e reflexão sobre a cultura contemporânea da imagem, dos ícones e símbolos.
  • Eixo técnico: discussão sobre pintura como linguagem; composição, perspectiva e claro/escuro.

Durante a visita também haverá uma atividade especial para cada tipo de público:

  • Ateliê 1 (crianças de até 6 anos): ​construção de passarinhos de papel colorido. Os temas trabalhados serão estudo de cores, biografia de São Francisco, ecologia e sustentabilidade.
  • Ateliê 2 (crianças de até 10 anos): ​desenho e colagem ​sobre papel a partir de técnicas de composição, perspectiva e claro/escuro. De forma lúdica, serão apresentadas as regras canônicas históricas de composição visual.
  • Ateliê 3 (adolescentes entre 14 e 15 anos): construção de iconografia pessoal a partir do desenho, do recorte e da colagem. Serão trabalhados o conceito de iconografia, cultura visual contemporânea, autoimagem e autorrepresentação.
  • Ateliê 4 (jovens a partir de 16 anos e adultos): análise das obras em exposição a partir de intervenções em reproduções reduzidas. De forma lúdica, serão discutidas as regras canônicas históricas de composição visual.

Percursos Temáticos

Para os sábados, domingos e feriados, uma atividade diferente. As famílias e grupos de amigos poderão participar, juntos, de Percursos Temáticos pela exposição. As inscrições podem ser feitas na Casa Fiat de Cultura 15 minutos antes de cada atividade, com 30 vagas por horário. A visita das 14h é bilíngue (português/inglês).

  • Percurso biográfico (10h30 e 14h): apresentação da vida de São Francisco de Assis conectada a valores contemporâneos como ecologia, sustentabilidade, empatia e coletividade.
  • Percurso iconográfico (16h30): apresentação da evolução da iconografia franciscana ao longo da história da arte. Serão discutidos os seguintes pontos: recursos técnicos e estéticos característicos de cada período representado; conceito de iconografia; e a cultura contemporânea da imagem, dos ícones e símbolos.

Minicurso: Iconografia Franciscana

O conceito de iconografia será trabalhado com foco na construção da imagem de Francisco de Assis. Serão abordados os aspectos biográficos, históricos e semiológicos do tema. O minicurso será realizado nos dias 28, 29 e 30 de agosto, das 19h às 21h, e tem participação livre para maiores de 15 anos. As inscrições devem ser feitas pelo Sympla (30 vagas).

Formação de Professores: Iconografia e Cultura Visual Contemporânea

O conceito de iconografia será apresentado e discutido em sentido amplo, partindo das estratégias de construção de ícones religiosos, mas extrapolando a temática e conectando-se à cultura visual contemporânea. Os professores serão estimulados a desenvolver estratégias para provocar um olhar mais crítico e consciente de seus alunos em relação ao mundo em que vivem. A formação será realizada nos dias 18, 19 e 20 de setembro, das 19h às 21h. Podem participar professores e educadores das redes pública e privada de ensino e as inscrições devem ser feitas por pelo Sympla (30 vagas).

Encontros com o Patrimônio

O Programa Educativo levará o público para um passeio cultural por Belo Horizonte e Ouro Preto, no dia 23 de setembro, das 10h às 18h (chegada a BH).  O encontro começa na exposição da Casa Fiat de Cultura e termina na Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, fazendo uma reflexão sobre a iconografia franciscana na história da arte e discutindo sobre restauro e conservação do patrimônio público. A participação é livre e as inscrições devem ser feitas pelo Sympla. São 30 vagas e o transporte é gratuito (alimentação não inclusa).

Ateliê Aberto de Pintura

Aos sábados, domingos e feriados, o público poderá participar do Ateliê Aberto de Pintura, no qual, por meio da experimentação livre, aprenderão os conceitos básicos da pintura como técnica e linguagem. Serão abordadas técnicas de composição, perspectiva e luz e sombra, além da fabricação de tintas artesanais. Para as crianças, especialmente, as atividades envolverão os conceitos de cor, forma e composição. O ateliê funcionará em dois horários com 30 vagas para cada: das 10h às 11h30, para crianças de até 12 anos, e das 14h às 17h30, para jovens e adultos.

Acessibilidade e Inclusão

  • Mediação em libras.
  • Audiodescrição ao vivo: descrição de obra-chave com acompanhamento de mediador.
  • Circulação descritiva: descrição do espaço expográfico com acompanhamento de mediador.
  • Desenho cego: utilização de fios, cordões e outros materiais em substituição ao traço, ao ponto e outros elementos básicos da técnica de desenho.
  • Pintura acessível: desenvolvida no Ateliê a partir da texturização de tintas e materiais que permitam a identificação das cores.

Ferramentas de acessibilidade

  • Peças em 3D ​para apreciação tátil, uma de cada núcleo da exposição:
  1. Núcleo Imagem: San Francescod'Assisisi e Quattro Disciplinati (1499), de Pietro Perugino e Giovan Francesco Ciambella
  2. Núcleo Os Estigmas: San Francesco Riceve Le Stimmate (1570), de Tiziano Vecellio
  3. Núcleo Conversas Sagradas: San Francescod'Assisi, Sant'Antonio da Padova e San Bonaventura da Bagnoregio (séc. XVII), Andrea Lilli
  • Material informativo (tablets)
  • Audioguia

Serviço

Exposição “São Francisco na Arte de Mestres Italianos na Casa Fiat de Cultura”

Curadoria: Giovanni Morello e Stefano Papetti

8 de agosto a 21 de outubro de 2018

Terça a sexta, das 10h às 21h; sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h

Entrada gratuita

Casa Fiat de Cultura 

Circuito Liberdade

Praça da Liberdade, 10, Funcionários  Belo Horizonte/MG

Horário de funcionamento: terça a sexta, das 10h às 21h; sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h

Informações

(31) 3289-8900

www.casafiatdecultura.com.br

[email protected]

Facebook: @casafiatdecultura

Instagram:@casafiatdecultura

Twitter: @casafiat

www.circuitoculturalliberdade.com.br

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