Exposição celebra 55 anos do primeiro concurso Miss Travesti Minas Gerais

Mostra resgata personagens e histórias de intolerância ao fazer artístico da performance travesti

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Por JornalVozAtiva.com Publicado em 30/11/2021, 12:08 - Atualizado em 30/11/2021, 12:09
Foto - Miss Travesti MG - OC dez 1966. Erika, Sofia e Diva. Crédito - Reprodução / Acervo Bajubá
Foto – Miss Travesti MG – OC dez 1966. Erika, Sofia e Diva. Crédito – Reprodução / Acervo Bajubá Siga no Google News

Algo histórico aconteceu em Belo Horizonte naquele 27 de novembro de 1966. Depois de muita perseguição, preconceito e ameaças de prisão, era realizado o primeiro concurso Miss Travesti em Minas Gerais. Ao reunir dez travestis no palco da boate Cavalo Branco, onde o júri decidiria qual delas teria a melhor performance, o evento acabou frequentando as páginas dos jornais da então provinciana capital mineira. Passados exatos 55 anos, é hora de celebrar esse marco da memória LGBTI+ local. Esse é o objetivo da exposição “Entre gritinhos e emoções: 55 anos de Miss Travesti Minas Gerais em Belo Horizonte”. Realizada pelo Museu Bajubá, a mostra virtual tem visitação gratuita e pode ser conferida em museubajuba.org

Foto - Reprodução / Acervo Bajubá

Ao longo de oito salas expositivas virtuais, o visitante tem acesso a um acervo de imagens e textos que apresentam o contexto da época. Para além do fato histórico em Belo Horizonte, a exposição também contextualiza momentos importantes da prática da montação, como as performances na mítica Galeria Alaska e o memorável show Les Girls, ambos no Rio de Janeiro, entre outros. 

Arte e repressão

O ato de travestir era visto como uma afronta pela maior parte da sociedade. As forças policiais trabalhavam para evitar que a mobilização das travestis tivesse êxito. Várias tentativas de realizar encontros foram canceladas devido ao cenário desfavorável da década de 1960. “Celebrar os 55 anos do primeiro concurso Miss Travesti Minas Gerais é prestar homenagem a uma cultura que resiste e se transforma ao longo do tempo”, avalia Luiz Morando, pesquisador sobre memória LGBTI+ e curador da mostra. Além da impertinência policial, as travestis sofreram com a forma pejorativa com a qual a imprensa tratava o assunto. “A perspectiva adotada era abordar com exotismo e desqualificação”, diz Morando. 

Foto - Reprodução / Acervo Bajubá

Uma das personagens de destaque da mostra é Sofia de Carlo, a travesti de 19 anos que foi a grande vencedora da edição inaugural do concurso. Após a vitória, Sofia tornou-se figura emblemática da noite belo-horizontina e assumiu a direção artística de várias casas noturnas da cidade. Ela também era conhecida por seu ofício de cabeleireira e maquiadora em salões de beleza que atendiam a elite da época. Sofia morreu em 2006. “Ela foi uma espécie de liderança reconhecida até os anos 1970/80”, lembra o curador.

A partir do primeiro concurso, uma sequência de outros eventos do gênero ocorreu em BH, o que garantiu posterior visibilidade e até certo grau de liberdade, conforme contextualiza Morando. “Por outro lado, a experiência de persistência entre 1961 e 1966 demonstra que já havia uma rede de homossexuais e de travestis em Belo Horizonte que se montavam e participavam desses eventos”, diz. No entanto, em 1968 houve um recrudescimento da repressão provocada pela ditadura militar no Brasil. Com isso, a censura voltou a impedir a realização dos encontros. Houve resposta das artistas, que organizaram tentativas clandestinas, mas a ameaça de prisão era perigo constante. Naquele ano, o então secretário de Segurança Pública, Joaquim Ferreira, assegurou que a polícia receberia os manifestantes com “cassetetes tamanho família”.

Foto - Reprodução / Acervo Bajubá

Além de casas noturnas, as praças públicas na região central de Belo Horizonte passaram a ser alvos frequentes de operações policiais, que visavam encerrar qualquer tentativa de mobilização artística travesti. As praças Sete de Setembro, Rio Branco, Rui Barbosa, Raul Soares e Vaz de Melo eram os locais preferidos pela polícia. A intenção era impedir manifestações públicas de comportamentos considerados “fora do padrão”. 

O Parque Municipal era outro local de busca cotidiana. Por ali eram realizados encontros de travestis, chamadas pela imprensa da época de “tipos estranhos” e “delinquentes juvenis que vêm provocando uma verdadeira inversão dos costumes”.

O Museu Bajubá

Criado em 12 de junho de  2020, o Museu Bajubá dedica-se à preservação da memória e do patrimônio histórico e cultural da população LGBTI+ brasileira, especialmente a partir do resgate das memórias vivenciadas e dos territórios constituídos nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e Campos de Goytacazes.

Com o intuito de minimizar apagamentos das vivências LGBTI+ promovidos ao longo de décadas, o Museu Bajubá reúne, organiza e difunde conteúdo documental, socioeconômico e cultural de toda a diversidade sexual e de gênero que envolve pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexo, entre outras. 

Foto - Reprodução / Acervo Bajubá

O Museu Bajubá é uma iniciativa da historiadora e pesquisadora Rita Colaço, especialista em memória LGBTI+ e doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). São cofundadores os pesquisadores Luiz Morando e Remom Matheus Bortolozzi, também especializados em memória LGBTI+ brasileira.

A exposição inaugural do museu foi “Cintilando e causando frisson - 140 anos de João do Rio”, em agosto de 2021, e prestou homenagem ao famoso cronista negro e gay considerado pioneiro na imprensa brasileira do início do século XX.

SERVIÇO

Museu Bajubá
Exposição: “Entre gritinhos e emoções: 55 anos de Miss Travesti Minas Gerais em Belo Horizonte” de 27 de novembro de 2021 a 31 de março de 2022
online e gratuita
museubajuba.org

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