Valdete Braga Último dia do ano. Esta época desperta sentimentos contraditórios nas pessoas, de acordo como foi o seu ano, como é a sua vida ou mesmo como está o seu estado de espírito no momento. Para uns é momento de reflexão e avaliação do ano que passou, para outros é festa e comemoração, e ainda para outros um dia como outro qualquer. Certa vez um amigo me disse que a diferença do dia 31 de dezembro para o dia primeiro do ano seguinte era somente o fato de não existir o dia 32. Não deixa de ser uma forma de pensar. Gosto muito daquele poema que diz que a pessoa que teve a idéia de fatiar o tempo foi muito inteligente, pois criou uma maneira de nos renovar a cada 365 dias. É verdade. Se o tempo não fosse contado em anos, amanhã seria apenas o dia 366, e perderíamos esta oportunidade. Aliás, nem seria o 366, pois se o tempo fosse contado em dias, a partir do ano 1 AC, meu Deus! Melhor nem fazer as contas. A verdade é que, “fatiado” ou não, o tempo não pára, e corre cada vez mais célere. Em tempos de tecnologia, então, com notícias do mundo inteiro nos chegando em tempo real, quando podemos, a nossa escolha, acompanhar tudo, absolutamente tudo o que acontece em qualquer lugar do planeta, o ano mal começou e já está acabando. Não há como escapar desta realidade, mas fazer dela uma coisa boa ou ruim, aí sim, depende exclusivamente de nós. Viver intensamente não significa necessariamente correr. Eu decidi, e isto já faz algum tempo, diminuir meus passos. Não corro mais. Estou em uma fase privilegiada da vida em que já posso me dar ao luxo de só fazer o que quero. Claro, essa fase não caiu do céu. Chegar até aqui demandou trabalho, esforço, sacrifícios. Muita luta, algum sofrimento no caminho (quem não os tem?) mas muita alegria também. Até chegar ao ponto em que o tempo pode correr a vontade, que eu não vou tentar acompanhá-lo. Sigo em frente, mas em passos calmos, e quando precisar parar para relaxar, simplesmente páro e pronto. Modéstia à parte, fiz por merecer. E todos podemos fazer. Vemos cada absurdo que alguns fazem, sempre querendo mais, mais e mais, se esquecendo que o tempo, como diz o poema, foi fatiado, mas não parou. Não falo do trabalho honesto, de jeito nenhum. Lutar por uma vida digna, por mais conforto, uma casa melhor, um carro melhor, colocar os filhos em boas escolas ou fazer aquela sonhada viagem, é digno e saudável. A pessoa estuda, trabalha, luta, exatamente para ter uma vida confortável. Aí, de vez em quando, a gente lê umas bobagens por aí sobre “capitalismo” e “desigualdade social”, como se o fato de vivermos em um país onde a desigualdade impera, e isto é um fato, fosse culpa daquela família onde o pai rala o dia inteiro por um lado, a mãe trabalha como louca por outro, e quando conseguem trocar de carro ou fazer uma viagem com os filhos, que por sua vez estudam e ajudam nas tarefas de casa, são vistos por alguns como culpados pela triste situação de miséria em que outros vivem. Nem tanto ao ar, nem tanto ao mar. Em uma época em que todo mundo fala o que quer, tem gente que parece que come, veste e mora ao vento. Não podem ver o colega, ou o vizinho, ou um parente conseguir o mínimo que seja de melhora material, que ele já vira “capitalista selvagem”. Claro que existem bandidos que enriquecem ilicitamente, muitas vezes às custas do dinheiro do povo ou da desgraça alheia, mas isto não quer dizer que o mundo inteiro seja assim. Dinheiro vindo de corrupção política ou roubos ao cidadão comum é uma coisa, dinheiro suado do trabalhador, adquirido por seu esforço e mérito é outra, bem diferente, e bem menos, também. O que tem de “justiceiros” por aí que não sabem fazer a diferença e colocam todos no mesmo balaio, não é pouco. E o mais irônico é que são exatamente estes que não sabem fazer esta diferença óbvia, os que mais correm e menos chegam. Porque estes não correm para alcançar algo e um dia poder andar devagar. Correm para ultrapassar o outro. Correm para competir, não para conseguir. Estes não vão parar nunca, porque sempre verão alguém na frente, Se o tempo é célere, nós precisamos diminuir o passo. Na hora certa, é claro. Quando alcançarmos uma vida digna material, emocional e espiritualmente. Realizados com o que construímos honestamente, sem desejar o que é do outro e sem querer sempre mais. Ser feliz não fica caro.
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