Valdete Braga Diante de fatos atuais, um amigo perguntou-me, literalmente: “por que a mídia da nossa região só publica sobre o patrimônio material da cidade e não se preocupa com as vidas humanas?” Não posso falar pela “mídia de nossa região”, mas como a pergunta me foi endereçada diretamente, após responder verbalmente ao meu amigo, deixo aqui a reprise de um texto escrito por mim e publicado pelo Jornal Voz Ativa, no dia 16 de fevereiro de 2013, às 21h 30min. Quem entrar no www.jornalvozativa.com vai encontrá-lo lá, nesta data e horário. Escrito e publicado há mais de três anos, responde claramente à pergunta. Como o assunto é de suma importância, e sempre “volta à moda” em ano eleitoral, é muito importante atentarmos para a data desta publicação específica. Repetindo: 16 de fevereiro de 2013. Preservar com sensatez No hall da minha casa eu tenho um quadro lindo na parede. Um amigo, em viagem à Grécia, trouxe de presente para mim. A paisagem é encantadora. Casas se misturam à paisagem natural, parecendo esculpidas na pedra. Deixei o quadro bem à vista e todos que vão à minha casa se encantam, tamanha a sua beleza. Dia desses, admirando o quadro pela enésima vez, fiquei pensando: a paisagem é maravilhosa e o pintor conseguiu um ângulo que valoriza ainda mais o quadro. Daí eu comecei a imaginar o que poderia estar acontecendo no interior daquelas casas incrustadas na pedra, no momento da pintura. Quem mora ali? Uma família grande? Um casal sem filhos? Um homem ou uma mulher sozinha? Jovens que dividem o aluguel? O lindo quadro não mostra nada disto. Haverá algum doente dentro daquelas casas? Alguém estará sofrendo nelas? Alguém estará feliz? Estará acontecendo uma festa ou um funeral em alguma? Tudo isto faz parte da vida dos moradores, e nem o próprio Miquelangelo conseguiria colocar em um quadro. Trazendo o pensamento para a nossa realidade: Ouro Preto é, indiscutivelmente, um conjunto arquitetônico que precisa ser preservado. Cabem às autoridades, ao órgão específico para isto e a todos nós, moradores, fazermos a nossa parte. Isso é inquestionável. Mas é preciso, acima de tudo, bom senso nesta preservação. Faz parte do bom senso pensar também nas pessoas que estão dentro do maravilhoso acervo histórico que vendemos à mídia e aos turistas. Uma coisa não precisa impedir a outra. A ocupação das encostas e o crescimento desordenado não são problemas novos em nossa cidade. Cidadãos conscientes e preocupados batem nesta tecla há anos. Existe o Plano Diretor e outras medidas teóricas. Mas e a prática? As pessoas precisam morar. Quem construiu ou constrói em área de risco, veio ou vem de algum lugar. Por que foi permitida a construção? Por que políticos precisam de votos e estas pessoas votam? (sem generalizar). Um bairro inteiro construído ao Deus dará pode eleger um cidadão. E aí? Depois de eleito, os moradores do referido bairro podem morrer soterrados que não faz diferença? Repito. Sem generalizar. Mas todo mundo sabe que isso acontece. Sem tirar a responsabilidade de quem constrói, por que lhes foi permitido a construção? De algum lugar estas pessoas vieram, é fato. Se fossem impedidas antes de construir, teriam para onde voltar. Mas é mais fácil deixar ao Deus-dará e retirá-las depois, ficando elas, então, ao Deus-dará. Mais fácil, mais cômodo e mais desumano. Meu Deus, estamos falando de vidas humanas! Vidas de ouro-pretanos que não aparecem nas belas imagens da cidade veiculadas pela Rede Globo de Televisão, assim como as vidas dos cidadãos gregos não aparecem no meu belo quadro. O quadro, as fotos, os casarões, as igrejas, são inanimados. Não existem sem nós. O inanimado, neste caso, é importantíssimo, mas não pode ser mais importante do que o ser humano. Tem gente de carne e osso dentro do conjunto arquitetônico barroco tombado mundialmente. Tem gente com sangue nas veias e um coração pulsando dentro do peito. Gente que fez, faz e continuará fazendo de uma cidade inanimada, um monumento mundial. O ser humano precisa vir em primeiro lugar, até porque, sem ele, não existiriam monumentos, nem quadros, nem fotos. Pensemos nisto. (Autoria: Valdete Braga. Publicação: jornalvozativa.com. Data: 16/02/2013)
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