Leia “Da ficção para a realidade”, por Valdete Braga

Mais uma crônica inédita da colunista do JVA.

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Por Valdete Braga Publicado em 01/08/2024, 15:16 - Atualizado em 01/08/2024, 15:16
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Valdete Braga / Arquivo pessoal. Siga no Google News

A Rede Viva de televisão está reprisando a novela Sinhá Moça, história de época que foi apresentada, já em sua segunda versão, no ano de 2006. Em uma cena da novela, a personagem Dona Inês, vivida pela atriz Lu Grimaldi, em conversa com a protagonista sobre o envolvimento do esposo em política, fala, literalmente: “A política forma inimigos dentro de casa. Pai contra filhos, irmãos contra irmãos”.

A história de Sinhá Moça se passa no ano de 1886, com enredo voltado para a causa abolicionista, e a segunda versão foi ao ar no ano de 2006. A protagonista, uma mulher de vanguarda e altamente à frente do seu tempo, insistia em discutir política e outros temas, à época proibido às mulheres, e foi em um destes diálogos com a sogra, que a mesma disse esta frase.

Considerando a época em que a história é contada, passaram-se 18 anos, e nunca esta frase esteve tão atual. Obviamente trata-se de ficção, mas se considerarmos que a arte muitas vezes imita a vida, o autor não se utilizaria deste artifício sem algum conhecimento de causa. Há quase duas décadas, em uma obra fictícia, a personagem usa uma frase que cairia bem em qualquer conversa real dos tempos atuais.

Ficção e realidade se misturam em um diálogo que poderia estar acontecendo neste momento, na casa de qualquer um de nós. A esposa se alinha ao marido em seus ideais políticos, indo contra a vontade do pai, o que o transforma em inimigo dos dois, e a sogra tentando contemporizar, se perde em suas próprias convicções.

Por tratar-se de um romance e pela objetividade do tema, não há o que se pensar. Obviamente, na história, o certo e o errado estão muito bem delineados, a causa abolicionista contra a escravocrata. Entre estas duas não há o que questionar, é muito óbvio quem são os mocinhos e quem são os vilões, porém esquecendo as causas e nos apegando apenas à frase, dona Inês poderia ser uma senhora do século XXI.

Independentemente de uma história de ficção contada há 18 anos, a política continua fazendo inimigos dentro de casa, e de uma forma muito mais perigosa, se considerarmos as mudanças ocorridas durante este tempo. Pais e filhos que deixam de se falar, irmãos que partem para agressão física por causa de um partido político ou de uma ideia divergente acontece em nossos dias, e aqui, no mundo real, não existe uma história de fundo, não se trata de um romance com heróis e vilões. Aqui é a realidade nua e crua, são seres humanos verdadeiros, sem fundo musical ou tema figurado, aqui a vida acontece.
Na novela existe o final feliz. Nas histórias, não importa o que aconteça, o desfecho é sempre bom. A vida não é uma novela, e se renegarmos o que realmente importa, poderemos não ter uma segunda versão. Política nenhuma vale isto.

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