Muito amor e fita crepe: afinal, o “patrimônio mundial” pertence a qual humanidade?

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Por Fredda de Amorim Publicado em 29/01/2021, 11:04 - Atualizado em 23/02/2021, 14:56
Bixa, travesti, preta do Axé que TRANSita pelo mundo. Historiadora e professora de história, produtora cultural, artista e mestra em Artes cênicas pela UFOP. Atua há mais de 10 anos no município de Ouro Preto e Região dos Inconfidentes na luta por direitos humanos e políticas voltadas para população LGBTQI-+. Escrever, falar e principalmente escutar serão sempre minhas armas para desconstruir esse mundo e construir, junto de vocês, um mundo melhor para TODES. Siga no Google News

Bom dia pra quem é de bom dia, boa noite pra quem é de boa noite! Peço licença pros trabalhos começarem. É importante dar evidência à vida, às práticas, aos encontros, viabilizar diálogos com as reflexões sociais no âmbito cotidiano e com as teorias elaboradas e pensadas a partir dessas práticas, para possibilitar que determinadas corpas subalternizadas e silenciadas falem por si só, se valendo de seu lugar de fala e principalmente para permitir que essas corpas existam, transitem e ocupem lugares destinados a todas as pessoas na sociedade.

Por isso estou aqui. Nada de NÓS sem NÓS. Peço licença à todas as nossas ancestrais para colocar no AR essa coluna: “SHOWME – passa a visão pra ELAS” e dedico este trabalho à força extraordinária das que nos antecederam e àquelas que comigo caminham por aqui na luta por dias melhores. Pessoas que apesar de invisibilizadas e marginalizadas, criaram uma cultura pulsante e transformaram suas existências em ARTE, auxiliando na formação de pessoas mais humanas protagonizando Verdadeiros ATOS de (RE)existência. Este espaço é nosso, será feito por nós, para nós e para todes.

Não poderia deixar de lembrar da luta por direitos humanos e politicas LGBTs no município de Ouro preto, essa semana completam 5 anos que lançamos a PRIMEIRA semana de diversidade de Ouro Preto e Mariana que aconteceu dos dias 26 a 30 de janeiro de 2016. Este evento buscava acima de tudo  viabilizar de espaços onde pudéssemos refletir e dialogar sobre a sociedade atual, sobre o MUNDO, suas estruturas e a forma como estas atingem os sujeitos em suas possibilidades e direitos. Isso aconteceu com muita arte, cores, saberes, conversas, escutas, poesia e muito AMOR. Como diz a mana Gi, com muito amor e FITA CREPE. Aconteceu e seguimos juntas. Hoje somos a plataforma coletiva QUEERLOMBOS que voa alto, premiada e tudo, mas isso é assunto prum próximo texto (se liga que de 15x15 dias ela vai se materializar por aqui) enquanto isso você pode visitar nossa plataforma virtual que já dá pra sentir vários sabores: https://queerlombos.org/ .

(Ação BOMBRIL de Priscila Rezende aconteceu na estação da barra em Ouro Preto durante a I semana de diversidade de Ouro Preto e Mariana 2016 – retrato de Henrique Manara)

Para refletir sobre o SILENCIAMENTO de corpas dissidentes precisamos trazer para essa conversa pessoas que vem se debruçando sobre essas questoes como por exemplo Djamila Ribeiro quando nos diz sobre a (in)visibilidade de mulheres negras no feminismo hegemônico. Precisamos avançar um pouco mais nesta contextualização, sobre o não-lugar das mulheres negras, pessoas LGBTS, travestis e pessoas não binárias nas produções intelectuais de maior destaque ao longo da história e vou além, mas também é

assunto pruma próxima conversa devido ao grau de sua importância, refletir sobre a NÃO PRESENÇA dessas corpas em lugares de tomada de decisão e poder e sobre empregabilidade de pessoas LGBTS negras e mulheres negras. Para que possamos juntas tecer essa conversa com calma e cuidado chamo aqui uma pessoa muito importante para esses entendimentos, Jaqueline Gomes de Jesus[1]PROFESSORA, MUHER TRANS, NEGRA e organizadora da publicação “Transfeminismos: teorias e práticas” – para que possamos pensar em  convergências e reflexões sobre como outras corpas subalternizadas, de mulheres e homens TRANS, travestis, bixas, gays e lésbicas, também são silenciadas e sofrem processos de abjeção que são resquícios de práticas colonizadoras.

Essas práticas colonizadoras que são reproduzidas a tantos anos por tantas pessoas normatizam e higienizam os nossos corpos dentro da sociedade. Jaqueline nos diz: “O movimento social composto pela população transgênero se torna cada vez mais visível, a partir de manifestações públicas, mas principalmente pelo ativismo em redes virtuais. Fabrica novas realidades sociais, reconfigura relações de gênero e demarca identidades pessoais e sociais, demonstrando, na sua práxis, que a identidade de gênero não esgota a subjetividade.” (JESUS, 2012 p. 10).


[1] Doutora em Psicologia social, do trabalho e das organizações pela universidade de Brasília, Pós Doutora pela escola superior de ciências sociais da Fundação Getúlio Vargas / RJ.

Com minhas garras postiças esmaltadas

A maquiagem borrada
Eu ando pronta pra assustar
Mas isso não é Halloween
A gente tá tão bonita
Só porque é Drag Queen

(Linn da Quebrada feat Gloria Groove, 2017)

Se assumir e se reconhecer como BIXA TRAVESTI, para mim e para muitas outras, representa um grande risco perante a sociedade. Muitas pessoas são expulsas de casa e privadas do convívio com suas famílias quando (re)conhecem sua transgeneridade ou quando (re)conhecem que são gays, lésbicas ou travestis, evidenciando que algumas famílias não estão preparadas para acolher ou conviver com pessoas que fogem da (hetero)norma imposta às corpas pela sociedade.

Para nos mantermos vivas precisamos criar  mecanismos de sobrevivência. Esses mecanismos de sobrevivência também passam pelo acesso a espaços que na maioria das vezes é negado a nós e em contrapartida passamos a criar outros espaços na marginalidade, a tecer redes, associações e coletivas pensados por/para as sub-humanas, afinal, o “patrimônio mundial” pertence a qual humanidade? (...) Além das teorias que muito nos ajudam a nos pensar, é importante dialogar com as demais perspectivas vindas diretamente de quem as vive, movimentando-se através de “produções” acadêmicas para auxiliar a pensar nas implicações que estas investigações propõem. É essencial conectar teorias como uma rede descentralizada, hábil a provocar o trânsito entre diversos caminhos teóricos que se completam a partir do que está vivo e latente em nós.

Linn da Quebrada é artista multimídia, cantora, performer ou, como ela se identifica, BIXA TRAVESTI. Nascida no interior de São Paulo em 1990, ex testemunha de Jeová, a artista usa a música para romper com tabus de gênero e sexualidade. E ela não está só. Lançou em 2017 o álbum “PAJUBA” que, concidentemente, leva o mesmo nome de uma ação feita por mim em vários atos, na qual problematizo, a partir do meu corpo, o genocídio da população trans. Esta ação foi motivada também por corpas que [re]existem diariamente, como Linn da Quebrada:

“Minha experiência com o teatro realmente contribui bastante, não só para as minhas apresentações, mas a arte, de uma forma geral. Ser artista para mim tem a ver com criar sobre minha própria existência, criar sobre o meu corpo. O tempo, nós estamos atuando, atuação da minha ação, da tua ação, de afetar, de ser afetada, de estar no presente, de gerar movimento. Eu pude praticar isso com o teatro, com a performance, interferindo e fazendo coisas que causassem acontecimentos. Mais que pensar em mudar o mundo, alcançar a paz mundial, o que eu penso é nas relações que estão próximas a mim. Eu penso arte como ação”[1].


[1] Linn da Quebrada, entrevista concedida a CUTLT 2017. Acesso em 14 de janeiro de 2019. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/entrevista-linn-da-quebrada/?fbclid=IwAR0_3rGk9I38uz9byHY5KCMJwNgXvKLDq9MgDC0XlJdjmD_qkVyFb_DGrGI

(Retrato de Lin da Quebrada em momento de atuação na série “Segundo Tempo”, exibida na TV Globo. Crédito – Reprodução.)

Para pensar e externar minhas questões, movida por um sentimento de TRANS-formação do mundo e de uma realidade a mim imposta, assim como Linn da Quebrada recorri às artes e transformei tudo que me incomodava, assumi o lugar do incomodo social que minhas roupas, minhas atitudes e minha presença causavam em tantas pessoas, assumi e recolhi todas as minhas dores e de certa fprma transformei em ARTE/AÇÃO. Pajuba foi o nome escolhido para a performance, sendo o nome que se dá a uma espécie de dialeto, uma série de palavras que, tendo origem na língua Iorubá, se configura como uma apropriação linguística feita por travestis e pela comunidade LGBTTQI-+ em geral. PAJUBA é nossa TRANSCESTRALIDADE latente e viva.

Os povos Iorubas (chamados, no Brasil, de nagôs) são originários de países da África Ocidental, principalmente da Nigéria, Togo e Benin (antigo Reino do Daomé) tendo sido sequestrados e escravizados no Brasil durante o período colonial. Para entender o processo de ressignificação do Pajuba, linguagem originária de África e que veio trazida pela diáspora dos povos africanos escravizados no Brasil, podemos associar as questões dessas duas populações: de um lado, uma população arrancada de suas origens e escravizada em várias colônias pelo mundo, de forma sub-humana e violenta; de outro lado, a população TRAVESTI, que está submetida a todos os tipos de violência, discriminação e mortes. Essa ressignificação pode ser reconhecida como mais um mecanismo de sobrevivência e preservação dentro dos movimentos que são protagonizados por uma população marginalizada.

Embora sejam poucas as informações sobre o alcance do Pajuba nas diversas regiões brasileiras, o que se sabe ao certo é que a maior concentração de pessoas LGBTQI+ que usam essa linguagem está nas cidades de Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro. O dialeto é usado com grande frequência por Drag Queens, mas quando fiz a escolha do nome para a ação, estava pensando nas pessoas TRANS e TRAVESTIS, população que também usa com grande  frequência essa linguagem como uma característica forte de resistência, criando formas para se comunicar sem que outras pessoas compreendessem o que elas estavam falando. PAJUBA é, acima de qualquer definição, uma linguagem de (re)existência. Estamos à mercê de nós mesmas.

Contudo, é preciso reagir usando os corpos como escudos para promoção da visibilidade que se quer, e é através desses corpos identificados e construídos que a população Trans vem passar a mensagem reivindicando o respeito que ela almeja, e esse deve ser dado por inteiro e não em partes como tem acontecido no dia a dia . Essa fala é de Keila Simpson Sousa, travesti coordenadora do Espaço de Sociabilidade e Convivência do Centro de Promoção e Defesa dos Direitos LGBT da Bahia.

Carlos Henrique Lucas Lima, professor da UFOB (Universidade Federal do Oeste da Bahia) e autor do livro “Linguagens pajubeyras: re(ex)sistência cultural e subversão da heternormatividade”, informa que, além de criar termos que se aproximem de gírias no português, o Pajubá cria características próprias de linguagem. Ao nomear minha ação com o termo Pajuba, interessava a mim pensar em nossas corpas e nas nossas linguagens próprias (que já estavam sendo pensadas por aquelas que nos antecederam), interessava pensar no encontro e, principalmente, nos novos caminhos em que pudéssemos sentir e nos reconhecer através da arte. Para transformar algo no mundo, eu preciso entender como isso reverbera em mim, eu preciso reconhecer em mim o que eu quero transformar no mundo.

“Meus olhos cansados se abrem pra um novo dia
Engulo a saliva da minha própria rebeldia
E quem diria que um dia cê me ouviria falar?
É que minhas correntes foram soltas antes d'eu me expressar”

Jup do Bairro

O dia 29 de janeiro, HOJE, representa um marco histórico da luta por direitos humanos e politicas LGBQIA-+ voltadas pra população T, dia da visibilidade TRANS. Neste dia em 2004 mulheres transexuais, homens trans e travestis foram a Brasília lançar a campanha “Travesti e Respeito” para promover a cidadania e o respeito entre as pessoas e que lutar para que pelo menos mostrasse a relevância de suas ações no Congresso Nacional. Este foi o primeiro ato em proporção nacional organizado pelas próprias pessoas trans e que repercutiu de tal forma que a data não é só lembrada mas se tornou um grande marco no calendário de luta e militância, mas não queremos ser lembradas só nesse mês ou nesse dia. Nós pessoas trans precisamos ser lembradas, incluídas e valorizadas durante todo ano.

PASSA A VISÃO das SHOWME:

Amada segue ai umas dicas quentes de gente nossa, corre lá boba e não seja conivente com nenhum tipo de violência, discriminação, racismo, LGBTQIfobia e que sejamos felizes.

Cuide-se-nos!

Plataforma coletiva QUEERLOMBOS
www.queerlombos.org
@queerlombos

A “Plataforma Coletiva Queerlombos” nasce da necessidade de construir espaços de encontro, afeto, pesquisa, expressão estética/artística e, acima de tudo, de resistência através da cultura. Criamos assim um processo coletivo de articulação para possibilitar a realização de eventos, conectando diversas pessoas em torno da vontade e das possibilidades desses encontros. Demos início a algo que podemos chamar de movimento cultural.

Ouro Preto, berço desse movimento, é cidade patrimônio da humanidade e tem inúmeras controvérsias. Dissonante em relação aos significados que sua população atribui ao seus monumentos e histórias. A inquietude em relação às abordagens sobre diversidade e colonialidades começa aí!

POC - UFOP
Papear, Ouvir e Conscientizar!
Objeto principal de estudo: O diálogo sobre a diversidade, gênero e sexualidades.

Coletivo formado por estudantes e professores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
[email protected]

Ouvidoria Feminina da UFOP

A ouvidoria esta de numero novo. Contate-nos pelo número: (31) 98866-7678, será um prazer lhe ajudar!!!

 Você sabe o que é a Ouvidoria Feminina?

Somos um órgão oficial que atua no recebimento de denúncias de violência(s) à(s) mulher(es) da Universidade Federal de Ouro Preto, tanto nos âmbitos das repúblicas federais e moradias estudantis, nos termos da Resolução CUNI 2249. Confira outros canais de atendimento, estamos à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas.

Sigam-nos no instagram: @ouvidoriafeminina

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