‘Quanto valem a vida e a morte’: Leia a nova crônica do professor Hércules Tolêdo Corrêa

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Por João Paulo Silva Publicado em 27/03/2019, 09:09 - Atualizado em 03/07/2019, 22:47

Hércules Tolêdo Corrêa é professor da UFOP e apaixonado por literatura, cinema, música e mais um monte de coisas. Atenção, puristas: esse texto pode conter expressões populares e ironias!

Após a morte de Joseph Lima (conhecido como Zimmerman), durante uma gravação de O Sétimo Guardião, um figurante, colega do artista, conta que a Globo cruzou os braços diante do ocorrido. “Todo mundo cagou pra isso. Não valemos nada. Se o figurante morrer num set, a gravação vai continuar”, diz.  Saulo Brenner.  Dia 11 de março de 2019. Disponível em: https://www.metropoles.com/entretenimento/televisao/apos-morte-em-set-figurantes-da-globo-dizem-ser-tratados-como-lixo

Clarice Lispector dedicou um pequeno grande livro, chamado A hora da estrela (1977), ao momento de glória daqueles que têm pouca importância em vida, atribuindo à morte o momento de júbilo dessas pessoinhas. A protagonista do livro é Macabéa, uma nordestina pobre e feia, que vivia anonimamente num pensionato no Rio de Janeiro e trabalhava como datilógrafa.

Se na arte a escritora conseguiu fazer a proeza de dar destaque àqueles que não nasceram para brilhar, parece que na vida o mesmo não tem acontecido. Desde que li sobre a morte de um figurante da Rede Globo, há alguns dias, em pleno set de gravação de uma telenovela, o assunto não me sai da cabeça.

Lembro de quando morreu o filho caçula do ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckimin, em 2 de abril de 2015, num acidente de helicóptero. Morreram juntamente com ele outras pessoas:  o piloto e mais quatro mecânicos. Enquanto os jornais lamentavam a morte do rapaz, filho do político famoso, pouca ou nenhuma atenção era dada aos demais tripulantes do helicóptero, porque não tinham sobrenome importante e/ou porque a mídia não deu nem dá valor à vida de pessoas comuns, pobres e desconhecidas.

Quando da execução da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Pedro Gomes, em março de 2017, pouco se falou e se lamentou a morte do motorista também.

Realmente, para o pobre, para o desconhecido, para o sujeito comum, nem mesmo a hora da morte lhe torna uma estrela. Se o sujeito não estiver ao lado de alguém “importante”, não há sequer uma notinha sobre a sua morte. Se ele estiver acompanhando uma estrela, aí sim ele ganha alguma referência nas matérias, a reboque do amigo ou patrão famoso. Muito triste constatar isso.

Muito triste saber que todos os dias morrem de centenas em acidentes de carro por causa da imprudência de terceiros; morrem outros tantos em virtude de balas perdidas, rompimentos de barragens, assaltos, afora os odiosos crimes de LGBTcídios que assolam o país.

O figurante Joseph Lima tinha um rosto e um corpo bonitos. Parecia um desses rapazes que fazem papel de anjinhos galãs em telenovelas. Mas ele ainda não havia conquistado a fama. Será que conquistaria, se continuasse vivo e trabalhando como figurante? Não sei. A fama não é para todos. O sucesso não é para todos. Não acredito também na meritocracia artística. Há tantos bons artistas por aí que trabalham anos e anos, até mesmo aparecendo quase diariamente na TV, e passam despercebidos no meio da grande massa.

Gostaria muito de saber o que faz os olhos do grande público, da grande mídia, se voltarem para certas pessoas, glorificando-as na vida e na morte, enquanto outros não ganham holofotes nem com morte trágica. Mistérios desse mundão cada vez mais louco… Vida louca, louca vida…

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