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Quando a guerra vira ativo: o paradoxo dos mercados diante da dívida israelense

“Finanças para todos”: Leia o novo artigo do colunista mexicano Emilio Moreno Plascencia.
Publicado em Colunas
Data de publicação: 23/10/2025 08:31
Última atualização: 23/10/2025 08:31
Foto — Emilio Moreno Plascencia. Crédito — Reprodução.
Foto — Emilio Moreno Plascencia. Crédito — Reprodução.

Os mercados acabam de enviar um recado difícil de ignorar: em plena guerra em Gaza, enquanto a destruição avança diante dos olhos do mundo, investidores internacionais adquiriram com entusiasmo bilhões em títulos de dívida emitidos por Israel. Não se trata apenas de um movimento técnico de financiamento. É um gesto carregado de significado, pois mostra como o capital consegue traduzir o drama humano em cifras de risco e retorno.

O paralelo histórico ajuda a entender esse fenômeno. No auge da Segunda Guerra, o Reino Unido financiava-se com “war bonds” que apelavam ao patriotismo de seus cidadãos. Nos anos 1990, parte da América Latina encontrou nos “Brady Bonds” uma saída para crises de insolvência que ameaçavam a região. Mas o que vemos agora é distinto: em vez de um apelo interno, Israel depende da confiança externa. A aposta dos investidores não se sustenta em sentimento de pertencimento, mas na convicção de que o Estado, apesar do conflito, seguirá capaz de arrecadar, manter estabilidade institucional e honrar compromissos.

O impacto vai além da economia. Quando o mercado absorve a guerra e a transforma em um prêmio de risco, cria-se a ilusão de que tudo pode ser financiado, desde que haja demanda. Isso gera uma contradição: o sofrimento humano torna-se invisível diante de planilhas que calculam spreads e maturidades. Ao mesmo tempo, reforça-se a desigualdade estrutural. Países centrais conseguem levantar recursos até em meio à guerra; já economias periféricas, muitas vezes em paz, não encontram quem lhes empreste sem cobrar juros proibitivos.

A questão estrutural emerge com força: o sistema financeiro internacional concede margem de manobra a alguns e fecha as portas a outros. Para Israel, emitir dívida é sinal de confiança institucional. Para boa parte do sul global, a mesma tentativa resultaria em isolamento ou em taxas insustentáveis. Em última instância, trata-se de uma geopolítica dos mercados, onde solvência é também sinônimo de poder.

E se a guerra se prolongar? A pressão sobre as finanças públicas israelenses tende a aumentar. O gasto militar consome orçamentos crescentes, a reconstrução será inevitável, e os investidores, mais cautelosos, passarão a exigir juros mais altos. Nessa trajetória, a dívida pode deixar de ser um instrumento de estabilidade para se tornar um fardo que corrói políticas sociais e compromete legitimidade interna. A confiança, recurso invisível mas fundamental, pode se esgotar de repente.

Os atores em cena revelam a tensão desse equilíbrio. O governo apresenta a emissão como sinal de força. As agências de rating, por outro lado, penalizam o risco geopolítico com rebaixamentos. Os fundos compram, mas já embutem no preço a instabilidade futura. E as instituições multilaterais acompanham em silêncio, conscientes de que a reconstrução de Gaza demandará recursos que não poderão ser levantados apenas com papéis negociáveis no mercado.

No fim, essa emissão de dívida carrega uma lição amarga. A guerra pode ser financiada com títulos, mas nenhum pagamento de cupom substitui uma vida perdida. A solvência de um Estado não se mede apenas pela capacidade de emitir papéis em meio ao conflito, mas pela habilidade de garantir que, quando os tiros cessarem, ainda exista futuro a ser reconstruído. E talvez seja essa a verdadeira contabilidade que precisamos aprender: a que não se escreve em balanços, mas no destino de sociedades inteiras.

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