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“Memórias de um amor à moda antiga”, por Roberto dos Santos

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Por Roberto dos Santos Publicado em 05/05/2022, 11:02 - Atualizado em 05/05/2022, 11:02
Foto – Roberto dos Santos. Crédito – Arquivo pessoal. Siga no Google News

O Seu José caminhava todos os dias na UFOP – Universidade Federal de Ouro Preto - lentamente ele cumpria seu plano diário de exercícios. Eu o via passando lá adiante, tinha dia que o sol ainda nem tinha saído e ele já estava prestes a cumprir seu propósito rotineiro.

No domingo depois do dia de Tiradentes, lá vinha ele devagar, e dessa vez com o celular na mão e dedo nas teclas a digitar algo. Quando chegou diante de mim, no local onde trabalho, ao invés de acenar como fazia sempre, resolveu desviar seus passos e endireita-los na minha direção.  Apertou-me as mãos num cumprimento caloroso e disse-me:

 — celular é bom né!

Eu então respondi que sim e quis saber por que ele fazia essa afirmação.

Aconteceu alguma coisa? Perguntei a ele?

Ele sorridente e simpático disse que não, e começou a falar.

 — O celular é bom porque as mensagens chegam no mesmo instante que a gente escreve e na mesma hora a resposta chega. 

A pessoa do outro lado vê, e a gente sabe que vê porque o risquinho fica azul, mas tem gente que vê e o risquinho não fica azul, essas pessoas faz ficar assim para ninguém saber a hora que estão mexendo no celular (risos).

Mas o celular é ruim também porque a gente não sabe mexer direito.

Seu José respirou fundo e disse:

Eu tenho saudade é do tempo que eu escrevia cartas, elas demoravam a chegar ao destino, e depois outro tempão pra chegar à resposta. Mas era gostoso ficar esperando a resposta, e quando chegava, era muito bom.

O Seu José a essa altura já havia deixado de lado sua caminhada de domingo, suas palavras estavam recheadas de saudade. Seus pensamentos pareciam estar longe, os traços de emoção se desenhavam em sua face. Naquela hora ele já estava em algum lugar do passado. Ele então resolveu me contar sobre a primeira carta que escreveu. Era uma forma de me fazer crer que o celular é bom, mas escrever cartas também era bom. Creio que era isso.

— Era uma moça muito bonita que morava perto da minha casa, eu tinha uns 19 anos e ela mais ou menos a mesma idade.  Para mim, eu já namorava com ela, mas ela não sabia disso. Eu ia à igreja na missa de domingo só para vê-la. Então eu pedia perdão a Deus por isso, por que eu devia ir primeiro por causa dele, mas Deus é bom e sabia que não era maldade minha. Acabava aproveitando para pedir uma ajudinha a ele.

Era tão bom olhar pra ela rezando junto com seus três irmãos e sua mãe, o pai não estava com eles porque já havia Falecido.

Antigamente a gente namorava assim sem a moça saber (risos), era até bom porque às vezes era uma moça tão bonita que não valia o risco dela terminar com a gente.

A moça que eu gostava, era bonita demais, era linda. Tinha cabelos longos, tinha um jeito tímido, era um charme a danadinha.

Seu José falou que iria me contar sobre sua primeira carta, mas na verdade estava era contando uma história de amor que julgava especial em sua vida.  Falava de uma moça que não disse o nome, e da alegria de vê-la todos os dias. Era uma moça de tirar o chapéu, disse extasiado pela lembrança dos tempos idos.

Num dado momento ele disse:

— Um dia eu não resisti e decidi escrever para ela. Estava morrendo de medo dela não gostar e me falar para deixa-la em paz. Pensei em escrever uma carta e jogar pela “greta” da janela.

Eu sabia que ela dormia sozinha, porque naquele tempo onde tinha muito irmãos os homens dormiam um quarto e as mulheres no outro, e com era ela e mais três Irmãos homem, era certo que ela dormia num quarto sozinha.

Tomei coragem e escrevi a carta, eu não era bom de escrita, mas sabia escrever bem e minha letra era bonita também.

Coloquei na “greta” da janela e pensei... seja o que Deus quiser!

O fato é que nunca tive resposta, mas notei que ela ficava sem jeito quando me via. Olhava-me de um jeito gostoso, mas nunca falava no assunto comigo.

Eu achei foi bom, assim eu continuei a namora-la, vai que ela ao responder a minha carta dissesse que não gostava de mim. Iria partir meu coração.

Seu José se despediu de mim dizendo:

O celular é bom né! Cada coisa no seu tempo! Não é porque eu não se mexer com ele que ele passa a ser ruim.

Mas confesso que tenho saudade das cartinhas que escrevia, eu me dava melhor com uma folha de papel e uma caneta, do que as teclas de um celular.

Bem, hoje só me resta a prender a mexer nesse negócio, os tempos são outros. A vida continua.

Despediu-se de mim e foi embora com a mesma simpatia com que chegou.

Foto – Roberto dos Santos. Crédito – Arquivo pessoal.

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