Prosa na Janela: ‘Espelho, espelho meu’, por Roberto dos Santos

Hoje eu vou te chamar de minha, não que eu queira ser seu dono, não é uma forma de senhorio, dominação, ou mesmo possessão, mas é um “ter” como que te olhar e ver em você traços de mim.

Estou a mais de uma hora diante do espelho tentando encontrar palavras para descrevê-la, você está em meu pensamento, não consigo pronunciar um só vocábulo. O silêncio me toma e fico a contemplar-te numa imensidão de sonhos quase reais. Chego a senti-la, e o espelho, cruel palco das minhas alucinações não lhe dão formas, mas me enseja tocar meu âmago e no mais íntimo de mim encontrar você.

Hoje eu vou te chamar de minha, porque o meu coração suplicou. Batidas às vezes coordenadas, outras vezes descompassadas, ditam o ritmo das minhas emoções. É uma reação, uma resposta a tão bela imagem que latente em minha imaginação faz de mim um sonhador.

Na imagem que povoa minha mente, seu sorriso me inebria, você clareia meu existir como o sol que está lá fora.

Diante do espelho eu sonho de olhos abertos, os raios de sol entram pela janela e me bombardeiam sem dó nem piedade. Sobre a superfície do espelho formam as mais variadas imagens, e dentre tantos vultos eu não vejo você. Me bastava seu rosto angelical, seus olhos reluzentes e cabelos ora esvoaçantes, ora envolto numa presilha ou tiara. Mas o espelho, espelho meu, insiste em manter incógnita a mulher dos meus devaneios.

Vou para a rua, caminhar por Ouro Preto e sentir o vento que por aqui não cessa, torcer que me traga alento, paz e o cheiro dela. E se os ventos estiverem a meu favor, que eu a encontre envolta pela sua meiguice, por sua voz mineira a ecoar nos meus ouvidos, e que seu andar compassado a coloque diante de mim.

Seria um sonho que nascera e se realizara no mesmo dia.

Um sonho de amor.